Caro Presidente Trump:
O senhor pode não ter interesse na história judaica ou árabe, mas ambas têm muito interesse no senhor hoje. Estamos em um daqueles raros momentos — como após a 1.ª Guerra, a 2.ª Guerra e a Guerra Fria — quando tudo no Oriente Médio está em jogo e tudo é possível. E agora, todos estão à sua espera.
Sem exagero: o senhor tem a chance de reconfigurar essa região de maneiras capazes de melhorar fundamentalmente a paz e a prosperidade de israelenses, palestinos e todos os povos vizinhos, assim como os interesses de segurança nacional dos Estados Unidos.
Fique avisado, no entanto, que apesar de os dividendos do sucesso serem enormes, as consequências de um fracasso seriam totalmente infernais. Ou o Prêmio Nobel ou um prêmio de consolação. No entanto, essa missão é inescapável. O Oriente Médio renascerá como uma região forte, na qual relações normalizadas, comércio e cooperação serão objetivos determinantes, ou se desintegrará em alguns Estados-nação sólidos cercados por vastas zonas de desordem, regidas por senhores da guerra e terroristas assustadoramente especializados no uso de drones.
Em toda tabela de horários ferroviários há algo conhecido como o último trem. Bem, quando se trata de fazer a paz entre israelenses e palestinos antes que os assentamentos de Israel na Cisjordânia sufoquem totalmente qualquer possibilidade de um acordo de dois Estados; de acabar com a guerra civil de 50 anos no Líbano enquanto ainda haja algum resquício de esperança; de dar à Síria uma chance de se reintegrar após 14 anos de conflito; e de neutralizar o Irã antes que Teerã consiga uma bomba nuclear, este realmente parece um último trem.

No domingo, pela primeira vez desde 7 de outubro de 2023, foi possível vislumbrar uma centelha de esperança de que essa guerra poderá acabar, enquanto israelenses abraçavam entes queridos feitos reféns havia mais de um ano e moradores de Gaza deixavam abrigos e retornavam para as suas casas — as que ainda estão de pé. O Haaretz entrevistou na Cidade de Gaza Ahmed Mattar, um dos muitos palestinos deslocados que caminhava para o norte com seus pertences em carroças e burros, dizendo algo que, tenho certeza, representou a maioria dos israelenses e palestinos (e certamente me representou): “As pessoas só querem que essa loucura pare”.
Ninguém terá mais peso nessa situação do que o senhor, presidente Trump. Portanto, analisemos o desafio.
Estou certo de que agora o senhor entende, a partir de seu recente envolvimento com o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, pressionando-o a aceitar o cessar-fogo e a troca de reféns-prisioneiros que Biden estabeleceu e a que Bibi se opôs consistentemente, que suas aspirações políticas e diplomáticas estão em contradição fundamental com as dele.
Suas aspirações e os interesses dos EUA na verdade são o estopim que provavelmente explodirá o gabinete de Bibi e possivelmente acabará com a carreira política do primeiro-ministro. Um Joe Biden envelhecido, a quem Bibi conseguia enganar, era um sonho para o premiê. O senhor é um pesadelo. A manchete de segunda-feira no Haaretz — “Netanyahu mente para Trump e se prepara para sabotar o acordo de cessar-fogo de Gaza” — não surgiu do nada.
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Seu interesse é reunir Israel e Arábia Saudita numa aliança liderada pelos EUA com nossos outros parceiros árabes, e isso exigirá que Israel abra negociações sobre uma solução de dois Estados com a Autoridade Palestina. A sobrevivência política de Netanyahu — o que manterá sua coalizão no poder e impedirá o estabelecimento de qualquer comissão nacional de inquérito sobre o culpado pelo ataque surpresa do Hamas durante seu mandato — depende da retomada da guerra em Gaza após esse cessar-fogo e de Bibi nunca abrir negociações com a Autoridade Palestina com prazos determinados para o estabelecimento de dois Estados para dois povos.
É por isso que, em resposta ao violento ataque do Hamas em 2023, Netanyahu lançou uma guerra para erradicar o Hamas de Gaza, mas essa ofensiva tinha dois objetivos contraditórios — e nenhuma visão declarada de paz com os palestinos após seu término.
Os objetivos de Netanyahu eram a “vitória total” sobre o Hamas e a libertação dos reféns. Mas a vitória militar total sobre o Hamas, mesmo se fosse possível, certamente significaria a morte da maioria dos reféns, talvez todos.
Infelizmente e notavelmente, os judeus supremacistas no gabinete de Netanyahu, Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, forçaram o primeiro-ministro a buscar uma guerra para destruir grande parte de Gaza, mesmo sob o custo de Israel ser acusado de crimes de guerra, na esperança de que isso ocasionasse o deslocamento total dos palestinos de Gaza e a anexação israelense de parte do território palestino — reféns que se danem. Bibi foi na onda de Ben-Gvir e Smotrich até que o senhor o forçou a escolher.
Sim, o Hamas é uma organização islâmico-fascista que tem sido uma maldição para o povo palestino. Mas enquanto movimento só poderá ser eliminado por palestinos mais moderados. Netanyahu nunca quis nem tentou ajudar a construir uma alternativa ao Hamas na forma de uma Autoridade Palestina da Cisjordânia reformada e atualizada. Ele apenas seguiu ordenando que seu Exército entrasse e saísse de Gaza, desencadeando exatamente o que esta coluna previu: uma insurgência permanente, igual à que produzimos no Iraque antes de mudarmos para a estratégia de limpar a área, manter a posição e construir uma alternativa decente. O senhor soube quantos soldados israelenses foram mortos ultimamente em Gaza por artefatos explosivos improvisados de estilo iraquiano fabricados com munições israelenses não detonadas?
Veja como o ex-secretário de Estado Antony Blinken definiu a coisa na semana passada, em sua eloquente despedida da diplomacia no Oriente Médio: “Cada vez que Israel conclui suas operações militares e retira o Hamas, os militantes se reagrupam e ressurgem, porque não há nada para preencher o vazio. De fato, nós temos informações de que o Hamas recrutou quase tantos novos militantes quanto perdeu. Essa é a receita para uma insurgência duradoura e uma guerra perpétua”.

A política dos EUA deve ser garantir que todos os três estágios deste acordo de cessar-fogo sejam concretizados e seguidos por um processo diplomático verdadeiro rumo a um acordo mais amplo. Eu concordo com o argumento do estrategista israelense Gidi Grinstein de que somente uma Autoridade Palestina reformada e atualizada é capaz de substituir o Hamas em Gaza, mas essa entidade precisará do apoio de uma força internacional ou árabe convidada pela própria AP para ajudar com a segurança e a reconstrução.
Portanto Gaza, como a Cisjordânia sob os Acordos de Oslo, deve ser dividida em Áreas A e B durante um período de transição de quatro anos. Oitenta por cento seriam a Área A (sob controle da força internacional/palestina) e 20% (basicamente o perímetro) permaneceriam sob controle militar de Israel até que a segurança israelense fosse garantida.
Após a transição de quatro anos, ambos os lados concordariam com um status permanente, em conjunto com a Cisjordânia, no qual, esperançosamente até lá, a Autoridade Palestina seria liderada por um indivíduo capaz de erguer instituições, incorruptível, como o ex-primeiro-ministro Salam Fayyad. Esse caminho garantiria o acordo de segurança EUA-Arábia Saudita-Israel-Palestina.
Ao mesmo tempo, no Líbano nós temos uma enorme oportunidade de realmente acabar com a guerra civil lá e reconstruir o país. O novo presidente, Joseph Aoun, e seu recém-nomeado primeiro-ministro, Nawaf Salam, são patriotas libaneses moderados e amplamente respeitados — por isso tantos libaneses foram às ruas comemorar sua posse.
A coisa mais importante que os diplomatas dos EUA devem fazer, além de oferecer ao Líbano ajuda econômica para se recuperar e ajuda militar para fortalecer seu Exército, é finalmente traçar uma fronteira acordada mutuamente e reconhecida pela ONU entre Líbano e Israel.
Por quê? Porque ao longo de décadas o Hezbollah justificou a posse de armas alegando que isso era necessário para recuperar partes do sul do Líbano ocupadas por Israel — o que não passa de um embuste, envolvendo umas poucas faixas de território disputadas, de no máximo 500 metros, ao longo da fronteira.
É fundamental que EUA e Israel sufoquem qualquer disputa de fronteira do Hezbollah. Mas também precisamos deixar claro para os xiitas libaneses que os EUA querem que eles sejam cidadãos com igualdade no Estado libanês, sem que tenham que depender de um Hezbollah armado — e que Washington os ajudará nesse caminho.
Depois de conversar, outro dia, com um alto funcionário israelense, me convenci de que Bibi entende isso e que, ao enfraquecer significativamente o Hezbollah e o Irã, ele ajudou a colocar em movimento a possibilidade do Líbano e da Síria restaurarem sua soberania e sua unidade. Acho que ele está disposto a concluir a retirada de Israel e finalizar a negociação da fronteira — desde que o governo libanês produza a força militar para garantir que o Hezbollah não seja capaz de ocupar o sul do Líbano novamente.
(Nota lateral, presidente: o senhor realmente deveria manter Amos Hochstein, o enviado especial de Biden para o Líbano, nessa função. Ele é amplamente respeitado por lá, até mesmo pelo Hezbollah.)
Um Líbano estável e pluralista é o melhor caminho para consertar a Síria. Na Síria, nós precisamos criar um tipo de grupo de contato envolvendo EUA, Turquia, Jordânia, Iraque e Israel como um mecanismo para ajudar a solidificar um governo de coalizão que equilibre os islâmicos — cujos combatentes derrubaram o regime assassino de Bashar Assad — e a maioria secular e multirreligiosa na Síria.
Isso não vai ser fácil, mas temos que tentar. Eu acredito que o novo líder de fato da Síria, Ahmad al-Shara, tem o potencial de ser um líder nacional decente e unificador para o país, mas temos que estar lá empurrando com as duas mãos, persuadindo e pressionando para que ele faça a coisa certa — mesmo se fracassarmos. A pior coisa que poderíamos fazer seria lavar as mãos em relação à Síria neste momento chave ou simplesmente entregar o país para a Turquia.
Finalmente, sobre o Irã, Israel fez um grande favor ao mundo ao acabar com grande parte da capacidade desse regime horrível, corrupto e repressivo de projetar poder na região por meio de Estados falidos e milícias de apoiadores no Líbano, na Síria, no Iraque e no Iêmen enquanto se esconde atrás do programa nuclear de Teerã.
Esse programa nuclear e a estratégia regional maligna do Irã precisam ser eliminados. Espero que o senhor consiga fazer isso por meio de negociações pacíficas; caso contrário, isso precisará ser feito cineticamente. Quanto mais crivelmente ameaçarmos o segundo, mais provável será obtermos o primeiro.
Boa sorte, presidente Trump. A história está de olho no senhor./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO