Ucrânia corta parte do gás russo para Europa e ameaça abastecimento do continente

A medida pode afetar um terço do gás russo enviado para os países europeus pela Ucrânia, aumentando o temor de uma crise energética devido à guerra

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Por Redação
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Os fluxos de gás russo para a Europa via Ucrânia caíram em um quarto nesta quarta-feira, 11, depois que Kiev interrompeu uma importante rota de trânsito culpando separatistas russos de roubarem o produto. A medida pode afetar um terço do gás russo que transita pela Ucrânia. Esta é a primeira vez que as exportações pelo país foram interrompidas desde a invasão.

“A Ucrânia não é mais responsável pela transmissão de gás russo através dos territórios ucranianos sob ocupação militar russa”, disse a Naftogaz, empresa nacional de gás da Ucrânia, na terça-feira em um comunicado. A empresa disse que notificou a Gazprom, fornecedora estatal de gás da Rússia. O porta-voz do governo russo, no entanto, negou a notificação.

Segundo a Naftogaz, as forças russas que ocupam partes do leste da Ucrânia tornaram impossível operar nessas áreas ou se comunicar com instalações que supervisionam o fluxo de gás da Rússia para a Europa via Ucrânia. A empresa disse que o Operador do Sistema de Transmissão de Gás da Ucrânia (GOTSU) não poderia mais “executar controle operacional e tecnológico ininterrupto e eficaz” sobre suas instalações em território ocupado pela Rússia.

A GTSOU disse que o gás da Rússia não seria mais aceito no ponto de trânsito de Sokhranivka, que fica na fronteira entre a Rússia e a região contestada de Donbas, a partir das 7h do horário local (13h de Brasília). Às 6h55, hora local, de acordo com o GTSOU, a Gazprom “fechou a válvula de gás no principal gasoduto Soyuz na Rússia”, interrompendo o trânsito por Sokhranivka.

Logo da companhia russa de energia, Gazprom, na Bulgária. Foto: Spasiyana Sergieva/Reuters 

A Gazprom embarcou 72 milhões de metros cúbicos de gás para a Europa na quarta-feira, informou a Reuters, citando a empresa - cerca de um terço abaixo do dia anterior.

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A Ucrânia continua sendo uma importante rota de trânsito do gás russo para a Europa, mesmo depois que Moscou lançou o que chama de “operação militar especial” em 24 de fevereiro.

O ponto de trânsito fechado pela Ucrânia geralmente lida com cerca de 8% dos fluxos de gás russo para a Europa, embora os estados europeus tenham dito que ainda estão recebendo suprimentos. O corredor da Ucrânia envia principalmente gás para a Áustria, Itália, Eslováquia e outros estados do leste europeu.

A Naftogaz disse que a decisão de suspender o trânsito por essas áreas pode afetar um terço das exportações russas de gás através da Ucrânia, o que teria implicações para menos de 3% da demanda de gás natural na União Europeia e no Reino Unido, segundo dados da Agência Internacional de Energia.

A medida ocorre quando os Estados membros da União Europeia novamente não concordaram nesta quarta-feira sobre os termos de uma possível futura proibição das importações de petróleo russo em resposta à guerra na Ucrânia.

A UE disse que planeja cortar as importações de gás russo em dois terço até o final do ano, mas não chegou a prometer uma proibição total, como a anunciada pelo presidente americano Joe Biden em março.

No mês passado, a Bulgária e a Polônia se recusaram a pagar pelo gás russo por meio de um novo mecanismo de pagamento e tiveram seus fornecimentos interrompidos.

‘Separatistas roubando gás’

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Quando perguntado sobre as interrupções no trânsito de gás russo pela Ucrânia, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse: “A Rússia sempre cumpriu e pretende cumprir todas as suas obrigações contratuais”. Segundo ele, a Gazprom não recebeu aviso prévio da mudança da Ucrânia.

O CEO da Naftogaz, Yuri Vitrenko, disse nesta quarta que “separatistas pró-Rússia” apoiados pelo exército russo “estão roubando gás pelo qual a Ucrânia deveria ser responsável”, chamando o caso de irônico já que a Rússia acusou a Ucrânia no passado de roubar gás de seus oleodutos. Uma acusação que Kiev negou.

A GTSOU disse ter descoberto “envios não autorizados de gás em trânsito” de seus gasodutos para territórios controlados por forças russas no Donbas, o que provavelmente ocorreu em 9 de maio.

“Devido à interferência direta dos ocupantes nos modos de operação do [sistema de transmissão de gás] ucraniano, a GTSOU foi forçada a declarar força maior no ponto de entrada Sokhranivka”, disse a operadora.

A Naftogaz disse que ofereceu uma alternativa: transferir o fornecimento de gás afetado para outra estação de trânsito sob controle ucraniano. A empresa disse que a mudança para a outra estação, chamada Sudzha, não traria custos adicionais ou desafios técnicos e permitiria à Rússia “manter o trânsito pela Ucrânia e cumprir suas obrigações com os parceiros europeus”.

Mas um porta-voz da Gazprom disse na terça-feira que a proposta ucraniana era “tecnologicamente impossível” e acrescentou que a empresa não via razão para a declaração de “força maior”.

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O porta-voz da Gazprom, Sergei Kuprianov, disse que o trabalho no ponto de trânsito Sokhranivka e no processador Novopskov adjacente não foi interrompido pelo conflito e acrescentou que a mudança do fornecimento da Gazprom para Sudzha violaria um acordo de 2019 sobre a distribuição de volumes de gás.

Enquanto isso, Vitrenko, da Naftogaz, disse na quarta-feira que a empresa “não pode confirmar as alegações da Gazprom de que é tecnicamente impossível transferir o trânsito de Sokhranivka para Sudzha IP”, acrescentando que a Gazprom já fez isso antes.

A GTSOU disse que os volumes foram desviados para Sudzha em outubro de 2020, quando os reparos foram realizados na rota Sokhranovka. Naquela época, disse a empresa, Sudzha lidava com 165,1 mcm por dia - muito mais do que os fluxos totais de terça-feira pela Ucrânia de 95,8 mcm.

“Consequentemente, as alegações de que é impossível realizar a transferência de fluxos de Sokhranovka para o ponto de Sudzha são falsas”, disse o GTSOU em comunicado no Facebook.

Substituição do gás russo

A interrupção desta quarta elevou o preço de referência do gás na Europa para o terceiro trimestre até 100 euros por megawatt-hora no mercado aberto. O preço está mais de 250% acima do nível de um ano atrás.

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A maioria dos países europeus reduziu a dependência do gás russo nos últimos anos, mas o país continua sendo o principal fornecedor da UE. Alguns países têm fontes alternativas de abastecimento, embora a substituição de todos os fluxos russos represente um desafio, dado que o mercado global de gás estava apertado mesmo antes da guerra na Ucrânia.

A Itália, que no ano passado consumiu 76 bilhões de metros cúbicos (bcm) de gás, importou cerca de 40% da Rússia via Ucrânia. Além dos fluxos russos, a Itália também tem conexões de gasodutos da Argélia, Líbia, Azerbaijão e Mar do Norte.

O ministro da Economia da Eslováquia, Richard Sulik, disse que o fluxo de gás da Ucrânia para a Eslováquia está estável e não há sinais de problemas de abastecimento. O grupo de energia austríaco OMV disse que suas entregas de gás estavam funcionando de acordo com os pedidos.

Ao lado do corredor de trânsito da Ucrânia, a Europa também recebe gás via Polônia através do gasoduto Yamal-Europe e através do gasoduto Nord Stream 1 sob o Mar Báltico para a Alemanha.

O regulador de energia da Alemanha disse que as importações de gás em geral ficaram estáveis, apesar de uma queda de 25% na fronteira alemã-tcheca em Waidhaus, compensada por volumes mais altos da Noruega e da Holanda.

A Europa está correndo para construir uma reserva de gás armazenado antes do inverno para ajudar a lidar com possíveis interrupções no fornecimento e reduzir a influência da Rússia.

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Os estoques de gás da UE estão cerca de 37% cheios, de acordo com dados da Gas Infrastructure Europe, uma melhora em relação a alguns meses atrás, mas ainda abaixo do normal para a época do ano.

“O efeito indireto da remoção de mais um gasoduto da rede de gás da Europa tornará mais difícil para os países cumprir suas metas de armazenamento e acelerará os planos da Europa de se afastar das importações de gás russo”, disse Zongqiang Luo, analista da Ristad Energy.

“Como a rede de gás europeia está bem integrada, nenhum país provavelmente sofrerá qualquer impacto imediato, mas isso pressionará ainda mais o sistema e colocará um piso no movimento de queda dos preços”, acrescentou.

Ucrânia empurra forças russas

Enquanto a situação do gás causa apreensão na Europa, forças ucranianas relataram ganhos no campo de batalha nesta quarta-feira em um contra-ataque que pode sinalizar uma mudança no ímpeto da guerra.

Após dias de avanços ao norte e leste da segunda maior cidade de Kharkiv, as forças ucranianas estavam a poucos quilômetros da fronteira russa na manhã desta quarta, disse à Reuters uma fonte militar ucraniana sob condição de anonimato. Antes do avanço, as forças russas estavam nos arredores de Kharkiv, uma cidade a 40 km da fronteira.

O avanço parece ser o mais rápido que a Ucrânia conseguiu desde que expulsou as tropas russas de Kiev e do norte do país no início de abril. Se sustentado, pode permitir que as forças ucranianas ameacem as linhas de suprimentos para a principal força de ataque da Rússia e até coloque alvos logísticos traseiros dentro da própria Rússia ao alcance da artilharia ucraniana.

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Até agora, Kiev confirmou poucos detalhes sobre seu avanço na região de Kharkiv. “Estamos tendo sucesso na direção de Kharkiv, onde estamos constantemente empurrando o inimigo para trás e liberando os centros populacionais”, disse o brigadeiro-general Oleksi Hromov, vice-chefe da Diretoria Principal de Operações do Estado-Maior da Ucrânia, em um briefing, sem fornecer detalhes.

O presidente Volodmir Zelenski disse que os sucessos estão colocando a segunda maior cidade da Ucrânia - sob constante bombardeio desde os primeiros dias da guerra - além do alcance da artilharia russa. Mas ele advertiu os ucranianos a não aumentarem suas expectativas ainda./REUTERS e W.POST