Uma busca pela dignidade

Ao encarar as revoltas democráticas como oportunidades, prever eventos se tornará muito mais fácil

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Por David Brooks
Atualização:

Eu me pergunto se, 50 anos atrás, alguma vez um grande maremoto mental teria levado o mundo de roldão. Antes dessa onda gigantesca, as pessoas ocupavam lugares fixos na ordem social e acatavam as opiniões de autoridades em quem confiavam. Com esse maremoto avassalador, elas começaram a ver as coisas de maneira diferente. Perceberam que podiam expressar suas próprias opiniões e suas ideias mereciam respeito. Mentalmente elas saltaram para a primeira classe e passaram a ter uma outra expectativa quanto ao modo como deviam ser tratadas. Um tratamento que antes parecia normal, agora era recebido como um insulto. E começaram a realizar manifestações exigindo um governo responsável e democracia. Cobri algumas dessas marchas de protesto durante anos, na Rússia, na Ucrânia e na África do Sul. Embora existam enormes diferenças entre esses países, os manifestantes repetiam determinados temas - que estão sendo novamente retomados nas entrevistas que os jornalistas realizam no Cairo. Invariavelmente, os manifestantes afirmam que o governo ofendeu sua dignidade, ao ignorar suas opiniões. Eles têm um modelo do que é um país "normal" - com democracia e abertura. E sentem-se humilhados pelo fato de o seu país não estar à altura dele. Além disso, os manifestantes sentem-se imensamente orgulhosos por, finalmente, conseguirem expressar o que pensam, mesmo diante do perigo. Esta busca pela dignidade deu origem a um movimento democrático formidável. Mais de 200 nações viveram rebeliões democráticas nas últimas décadas. Mais de 85 governos autoritários foram derrubados. Cerca de 62 países se tornaram democracias, de diferentes nuanças. As experiências desses anos fornecem algumas lições. Em primeiro lugar, os pragmáticos da política externa, que dizem tolerar governos autoritários em favor da estabilidade, estão mal informados. De longe, as autocracias são mais frágeis do que qualquer outra forma de governo.Em seguida, os que afirmam que discursos feitos por estrangeiros não têm nenhuma influência em lugares como o Egito, estão errados. O clima de opinião é a real base da revolta. Em terceiro lugar, apesar de todo pessimismo e nervosismo que acompanham a mudança, muitos países tomados por revoltas no final passaram a ter uma melhor situação. Com algumas exceções, como o Irã, mas devemos saudar esses eventos com entusiasmo e esperança. Em quarto lugar, embora a fome da população por dignidade seja inquebrantável, a trajetória do autoritarismo para a democracia é difícil e perigosa. Nos últimos anos, o mundo viveu uma "recessão da liberdade", com mais governos se afastando da democracia do que avançando na direção dela. Para as potências estrangeiras, o trabalho na verdade é depois da revolução - ajudando os democratas a construírem governos bem sucedidos. Outra coisa que aprendemos é que os EUA normalmente entendem tudo de maneira errônea. Houve dezenas de revoltas democráticas no decorrer dos anos, mas o governo sempre reage como se fosse a primeira. Parece que não existem protocolos para essas situações, tampouco as questões são levantadas previamente para se tentar uma resposta. Os responsáveis pelas estratégias políticas sempre subestimam o poder desta busca de baixo para cima da dignidade, de maneira que demoram para entender o que está ocorrendo. Na semana passada, por exemplo, a secretária de Estado Hillary Clinton declarou que o governo egípcio era estável, exatamente quando ele definhava. Sua reação é confortar os colegas membros do clube dos que estão no poder. O governo Obama foi muito solícito com o presidente Hosni Mubarak nos primeiros dias de protesto. Mas então, procurando desesperadamente se recompor, num esforço para acompanhar a rapidez dos eventos, as autoridades inevitavelmente fazem uma série de distinções sutis, nenhuma delas com cuidado. Absurdamente, o governo Obama acabou insistindo para Mubarak iniciar reformas no país. Certamente não há uma única pessoa no governo que ache que ele é realmente capaz disso. Por outro lado, os manifestantes receberam isso como uma artimanha, com Obama apoiando Mubarak, e ficaram indignados. A reação do governo americano foi lenta, mas não pior, digamos, do que a resposta do primeiro governo Bush às revoltas no Báltico e na Ucrânia. A questão é que não há necessidade de ser constantemente surpreendido por uma situação. Se você já de início respeita a busca pela dignidade, se considera as autocracias frágeis e encara as revoltas democráticas como oportunidades, então será muito mais fácil prever os eventos. O Grupo de Trabalho sobre o Egito, dirigido por Michele Dunne e Robert Kagan, está quilômetros na frente do governo dos EUA. Há meses eles vinham alertando sobre a fragilidade de Mubarak. Quando os protestos começaram, fizeram uma série de recomendações políticas. Nas décadas passadas, observamos um movimento avassalador nas questões ligadas a homens e mulheres. Em muitos lugares, as pessoas arriscaram suas vidas para exigir reconhecimento e respeito. Os governos podem tardar, e as complicações surgirão, mas elas continuarão protestando. No longo prazo, devemos ficar contentes por isso. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINOÉ COLUNISTA

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