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Violência eleitoral na Colômbia dobra em meio a favoritismo inédito da esquerda

Número de casos de violência política no país durante a campanha deste ano cresceu 112% em relação ao período eleitoral de 2018; ex-guerrilheiro é favorito nas pesquisas

Foto do author Carolina Marins
Por Carolina Marins
Atualização:

No início do mês, o candidato da esqueda à presidência da Colômbia, Gustavo Petro, denunciou um suposto plano para assassiná-lo. Desde então, ele faz campanha usando um colete a prova de balas e a segurança reforçada. Com histórico de candidatos assassinados, a Colômbia vai às urnas neste domingo, 29, com mais que o dobro de casos de violência política na comparação com o pleito anterior, em 2018.

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A chance da esquerda chegar ao poder pela primeira vez com Petro, que lidera as pesquisas com 41% dos votos, bem como o crescimento do candidato da direita radical, Rodolfo Hernández, o terceiro, com 21%, também ampliam os temores de mais violência até o segundo turno, em junho. Federico Gutierrez, da centro-direita, é o segundo colocado nas pesquisas, com 26% da intenção de voto.

Em 2018, o país registrou 322 casos de violência com motivação eleitoral, sendo que 131 foram direcionados a líderes políticos. Em 2022, o número total saltou para 683, um incremento de 112.1%, com 291 casos registrados contra políticos. Os dados são da organização civil Misión de Observación Electoral. O órgão chama atenção também para o aumento da violência direcionada a líderes comunitários, que disparou na atual eleição.

Em 2 de maio, Petro anunciou a suspensão de sua campanha, alegando ter descoberto um suposto plano para assassiná-lo. Embora a denúncia não tenha sido corroborada pela polícia, o governo do presidente Iván Duque reforçou a segurança do candidato. Gutierrez, principal oponente de Petro, defendeu a proteção do candidato do rival, e uma investigação foi aberta.

Um velho recurso

A violência política na Colômbia não é um episódio à parte desta eleição, muito marcada pela polarização. “A eliminação física do contrário tem sido o principal meio para ganhar as eleições por partes de alguns grupos na Colômbia”, explica o cientista político pela Universidad Nacional de Colombia e doutor pela UERJ, Edgar Andrés Londoño.

Mas havia a expectativa que esta violência política diminuísse após a assinatura do Acordo de Paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em 2016. Após um recuo na eleição de 2018, os índices de violência não param de crescer desde as eleições regionais de 2019. Entre as principais razões para o aumento estão a presença de outros grupos armados disputando o espaço deixado pelas Farc e a falha do atual presidente Iván Duque em implementar de fato o acordo.

O candidato de esquerda à presidência colombiana Gustavo Petro, fala cercado por guarda-costas segurando escudos à prova de balas durante seu comício de encerramento da campanha na praça Bolívar em Bogotá Foto: YURI CORTEZ / AFP

“Houve um aumento das violações dos direitos humanos. Aumentaram as violações do Direito Internacional Humanitário, de homicídios, o número de massacres e, infelizmente, e isso é uma das coisas mais tristes, aumentou o deslocamento forçado”, aponta Laura Calle, antropóloga pela Universidade Nacional da Colombia e professora da Universidade Complutense de Madrid.

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“Após o Acordo de Paz, quando as Farc abandonam os territórios originalmente ocupados por eles, esses espaços entram em disputa”, explica Maria Elena Rodriguez, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e pesquisadora do Brics Policy Center. “E são muito atores nessa disputa, tanto legais quanto ilegais. Temos o narcotráfico, o paramilitarismo, forças privadas, empresas, mineração ilegal. E, logicamente, os líderes comunitários entram na mira dessa violência.”

Favoritismo da esquerda

A violência direcionada a Petro e sua vice, Francia Márquez, chama atenção não só pelo favoritismo da dupla nas pesquisas, mas pelo fato de a esquerda ter chances reais de ocupar o cargo presidencial pela primeira vez na história da Colômbia. Segundo pesquisadores, este fator contribui para ataques direcionados vindos dos grupos que governam a Colômbia desde a sua independência.

“Os nossos presidentes, muitos deles, pertenceram às mesmas famílias”, lembra Londoño. “São de uma elite muito fechada que não abre mão para outros grupos governarem. Isso faz com que a violência seja uma ferramenta da própria elite e que os grupos armados também orientem as eleições.”

Policiais patrulham área de campanha do senador Gustavo Petro, candidato à presidência da Colômbia  Foto: RAUL ARBOLEDA / AFP

Esta não é a primeira vez que Petro é alvo de episódios violentos. Em 2018, quando disputava a presidência com Duque, o carro do candidato foi atacado por um grupo que o esperava em Cúcuta. “Petro sempre foi ameaçado”, lembra Calle.

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E completa: “A [candidata a vice] Francia Márquez é uma líder social e comunitária, ou seja, ela é ameaçada há anos. Mas como é a época das eleições essa violência se torna mais visível”. Márquez foi alvo de ameaças de grupos paramilitares recentemente. Na semana passada, ela foi retirada às pressas de um comício em Bogotá depois de ter um laser apontado para sua cabeça. Mais tarde um jovem de 18 anos pediu desculpas pelo episódio.

“É muito simbólico que a Colômbia seja o único país da América Latina que nunca teve um governo de esquerda e aí são muitas demandas não cumpridas”, pontua Maria Elena Rodriguez. “Essas elites tradicionais partidárias se sentem ameaçadas. É um medo à mudança. São grupos partidários que estão no poder há muito tempo, que têm uma relação muito forte com o território”.

A candidata à vice-presidência da Colômbia ao lado de Gustavo Petro, Francia Marquez Foto: Luisa Gonzalez / REUTERS

Do Bogotazo aos assassinatos políticos

O país possui uma longa lista de candidatos presidenciais e líderes políticos assassinados, embora nem todos tenham sido em meio a campanhas. Entre eles estão: Jaime Pardo Leal em 1987, Bernardo Jaramillo Ossa em 1990, Carlos Pizarro Leongómez também em 90, Álvaro Gómez Hurtado em 1995 e, o caso mais emblemático, Jorge Eliécer Gaitán em 1948, que deu origem à onda de protestos conhecida como Bogotazo e o subsequente período conhecido como “La Violência”, que culminaria no surgimento da luta armada, na década de 60.

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De acordo com Maria Elena Rodriguez, é no assassinato de Gaitán que a violência política finca as suas raízes na Colômbia. Naquela época, havia uma guerra não declarada entre os dois partidos tradicionais da Colômbia, Liberal e Conservador. Gaitán rompeu com o Liberal e se lançou candidato independente.

Ele perdeu aquelas eleições, mas ganhou destaque e enorme popularidade para o próximo pleito. Além disso, se tornou uma oposição forte ao governo eleito. Mas foi assassinado em 9 de abril de 1948.

“[Depois desse episódio] Ficou meio consolidado que a melhor maneira de eliminar um inimigo é assassinando. É não deixando que ele chegue às eleições”, afirma Rodriguez. “Esse foi nosso primeiro caso, mas houveram muitos outros”.

Apesar de este ser o episódio que ficou marcado como início da violência política, Laura Calle destaca que pesquisas mostram que já havia histórias anteriores de ataques especialmente nas áreas rurais do país. “A Colômbia é um país que desde sua independência está em constante guerra civil e podemos dizer que são conflitos políticos porque sempre foram marcados por uma disputa entre dois projetos de país”.

Um momento que ficou muito marcado na história colombiana foram os assassinatos de membros da Unión Patriótica (UP), que ficou conhecido como o extermínio do partido de esquerda. Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, entre 1985 e 1993, 1.163 membros do partido foram assassinados e outros 123 desapareceram. O partido havia surgido a partir do processo de paz firmado entre o presidente Belisario Betancur Cuartas e as Farc.

“Precisamente por isso o candidato Petro tem tem indicado várias vezes possíveis tentativas de assassinato”, afirma Londoño. “A polícia tem deslegitimado algumas delas, mas também as autoridades têm dado proteção para ele e para vice-presidente. Porque eles, mesmo tendo alguma participação política, não pertencem a essa elite governante ou não têm esse apoio direto da elite econômica e política que tradicionalmente tem governado”.

Com Petro avançando para o segundo turno, como indicam as pesquisas, a tendência é que a violência aumente. “Depois desse turno, e quando estão os candidatos já definidos para o segundo, costuma haver mais ameaças. Por exemplo, Petro teve um atentado em 2018, quando era candidato e o segundo das pesquisas. Então agora é provável que aumente as ameaças”, finaliza.

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