ENVIADO A FORTALEZA - O segundo voo com brasileiros deportados dos Estados Unidos na era Donald Trump chegou nesta sexta-feira, 7, em Fortaleza. O desembarque dos 111 passageiros, entre adultos e crianças, ocorreu no Aeroporto Aeroporto Internacional Pinto Martins, em Fortaleza. Ainda na aeronave, aqueles que estavam algemados, nas mãos e nos pés, foram libertados.
Em solo cearense, o grupo recebeu suporte médico, psicológico, alimentos e água, além de kits de higiene. Após a conclusão dos procedimentos migratórios, a maioria deles seguiu para Belo Horizonte, em avião da Força Aérea Brasileira (FAB), que pousou no Aeroporto de Confins por volta das 21h30. Outros 23 permaneceram em Fortaleza e seguiram para os seus destinos de residência por conta própria.
Entre os que ficaram estava o trabalhador da construção civil Luiz Carlos da Silva Araújo. Ele relatou ao Estadão que viajou com os pés e as mãos algemados e que retornaria de ônibus até Redenção, no Pará, de onde saiu com a esposa rumo aos Estados Unidos, no último dia 30 de novembro. Os dois foram presos ao entrar nos Estados Unidos em 7 de janeiro.
“A gente veio totalmente algemado. Os braços e as pernas também. Eu estava preso há um mês nos EUA. Saí hoje. Minha esposa ficou lá. Estava esperando a deportação. Desde quando a gente se entregou eu não vi mais ela”, detalhou. Luiz Carlos contou ainda que entrou nos Estados Unidos pela fronteira com o México, onde permaneceu por 34 dias.
“Fui pela questão de vida (melhor). Mas nunca mais, nunca mais (vou). Não tenho coragem de ir, não. (A gente) sofre muito. Gastei R$ 50 mil”, disse. “Agora é trabalhar para recuperar”.

O voo com 111 deportados saiu de Luisiana na madrugada, acompanhado por um diplomata. O avião fez uma parada técnica em Porto Rico e pousou por volta das 16h em Fortaleza, onde tiveram as algemas retiradas.
“Eles retiraram as algemas dentro do avião no momento do pouso. Tiraram as algemas e as correntes das pernas”, informou a secretária de Direitos Humanos do Ceará Socorro França. Ela não soube informar se as crianças e adolescentes também estavam algemadas. “Quando eles desceram, achei eles (em uma situação) muito ruim, muito mal”, relatou. “Tinha muita criança, muito adolescente. Estavam com fome, não comeram. Só comeram quando desembarcaram”.
Mais tarde, em Belo Horizonte, a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, Macaé Evaristo, afirmou que mulheres e crianças não foram algemadas no voo até Fortaleza.
Titular do Ofício Regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, Edilson Santana acompanhou o desembarque em Fortaleza. Ele afirmou que a Defensoria está atenta a eventuais violações de direitos humanos que possam ter ocorrido, mas não confirmou se houve denúncias de maus tratos. “Vemos com preocupação as condições com que as pessoas foram conduzidas até o Brasil”, disse.
A chegada dos brasileiros deportados foi acompanhada por uma operação especial da Polícia Federal, montada para acelerar os procedimentos migratórios, e por uma equipe do Ministério de Direitos Humanos e da Cidadania. O governo brasileiro preparou ainda um esquema para receber os brasileiros em Belo Horizonte, o tradicional destino das deportações.
“A prioridade é garantir que os cidadãos brasileiros que hoje voltam para o Brasil conseguiam chegar com segurança para reencontrar suas famílias e reconstruir suas vidas”, disse a secretária-executiva do ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania Janine Mello.
A decisão pelo desembarque na capital cearense, em vez da rota direta até o aeroporto de Confins, em Belo Horizonte (MG), como ocorreu com os primeiros 88 deportados, teve como objetivo evitar que os brasileiros permanecessem algemados enquanto sobrevoavam o território nacional. O governo considerou “degradante” o tratamento destinado aos brasileiros.
No último dia 24, brasileiros relataram falhas no sistema de ar-condicionado da aeronave utilizada em voo de deportação e maus tratos e agressões por parte de agentes dos EUA. Além de uma pane no avião, que fez paradas no Panamá e em Manaus, provocando tumulto no voo.
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Em Manaus, após um desentendimento entre os passageiros e a tripulação, devido ao calor, os deportados utilizaram uma porta de emergência e desembarcaram, ainda algemados, por uma ponte inflável. O caso foi reportado pela Polícia Federal e, por determinação do governo brasileiro, um avião da FAB concluiu o transporte até Minas Gerais.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública classificou o caso como “flagrante desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros” e o Itamaraty pediu explicações sobre o tratamento destinado aos brasileiros. O encarregado de negócios da embaixada dos EUA em Brasília, Gabriel Escobar, lamentou o episódio, numa reunião a portas fechadas no Itamaraty, um pedido de desculpas, segundo relataram ao Estadão testemunhas da conversa.
Depois do incidente diplomático, um grupo de trabalho envolvendo Itamaraty, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Polícia Federal e representantes dos Estados Unidos deu início às reuniões para tratar dos próximos voos.
O Brasil tem recebido deportados com frequência desde 2018, em acordo com os Estados Unidos para reduzir o tempo que os brasileiros ficam detidos por imigração ilegal. Estima-se que 11 milhões de pessoas vivem em situação irregular nos EUA, sendo 230 mil brasileiros, segundo dados mais recentes do Pew Research. Desses, 38 mil estão sob ordem de deportação, sem possibilidade de recurso.
Eleito com a promessa de acabar com que chama de “invasão” dos Estados Unidos, Donald Trump tem fechado o cerco contra os imigrantes e avança com os seus planos para deportação em massa, intensificando as operações de busca e apreensão no país.