Zelenski pede fim do bloqueio russo ao porto de Odessa para evitar crise alimentar global

O apelo ocorre em meio ao aumento dos ataques da Rússia às linhas de abastecimento de armas do Ocidente para a Ucrânia

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Por Redação
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O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, pediu à comunidade internacional que tome medidas imediatas para acabar com o bloqueio russo a seus portos para permitir embarques de trigo e evitar uma crise alimentar global. O apelo ocorreu no mesmo dia que as tropas russas atacaram o porto de Odessa, no sul da Ucrânia, em uma aparentemente tentativa de interromper as linhas de abastecimento e remessas de armas para as forças ucranianas.

“Pela primeira vez em décadas, não há movimento usual da frota mercante, nenhum porto normal funcionando em Odessa. Provavelmente isso nunca aconteceu em Odessa desde a Segunda Guerra Mundial”, disse.

Zelenski fez os comentários depois de falar com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que estava visitando Odessa - o principal porto do Mar Negro para exportação de produtos agrícolas, onde mísseis atingiram locais turísticos e destruíram edifícios na última segunda-feira, 9.

“Sem nossas exportações agrícolas, dezenas de países em diferentes partes do mundo já estão à beira da escassez de alimentos. E com o tempo, a situação pode se tornar absolutamente terrível. Esta é uma consequência direta da agressão russa, que só pode ser superada em conjunto – por todos os europeus, por todo o mundo livre”.

A Ucrânia foi o quarto maior exportador mundial de milho na temporada de 2020 e 2021 e o sexto maior exportador de trigo, segundo dados do Conselho Internacional de Grãos. Mas quase 25 milhões de toneladas de grãos estão agora presos na Ucrânia, disse um funcionário da agência de alimentos da ONU na última sexta-feira.

Pessoas caminham pelos destroços de um shopping center destruído após bombardeio russo em Odessa Foto: Igor Tkachenko/REUTERS

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Zelenski não especificou quais medidas espera da comunidade internacional. Os países da Otan, incluindo os Estados Unidos, descartaram a intervenção armada por medo de desencadear uma guerra mais ampla.

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, que visitou Kiev no domingo, disse que seu país ajudaria a Ucrânia a encontrar opções sobre como exportar grãos armazenados.

Silos cheios de grãos

Charles Michel, que preside as cúpulas dos líderes nacionais da União Europeia, escreveu no Twitter que viu silos cheios de grãos, trigo e milho em Odessa que estavam prontos para exportação, mas bloqueados.

“Este alimento tão necessário está retido por causa da guerra russa e do bloqueio dos portos do Mar Negro. Causando consequências dramáticas para os países vulneráveis. Precisamos de uma resposta global”, escreveu ele.

O bloqueio da Rússia aos portos ucranianos desde a invasão em 24 de fevereiro aumentou a volatilidade nos mercados financeiros internacionais, elevando os preços das commodities. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse na semana passada que o problema da segurança alimentar não pode ser resolvido sem a restauração da produção ucraniana no mercado mundial.

Autoridades agrícolas ucranianas dizem que o excedente exportável é de cerca de 12 milhões de toneladas, e analistas agrícolas disseram que os estoques da Ucrânia estão tão altos que não haverá espaço suficiente para armazenar a nova colheita quando chegar.

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A Ucrânia semeou cerca de 7 milhões de hectares de safras de primavera este ano, ou 25-30% menos do que um ano antes, disse o ministro da Agricultura, Mikola Solski, na segunda-feira. Segundo ele, a Ucrânia exportou 1,090 milhão de toneladas de grãos em abril, mas que a semeadura não foi da mesma qualidade do ano passado e a área de semeadura de milho foi menor.

Novos ataques russos ao porto

Desde a semana passada, a Rússia tem atacado as linhas de abastecimento da Ucrânia, reclamando que o Ocidente está armando demais o país. Nesta segunda-feira, o foco foi o importante porto de Odessa.

O porto foi atingido por mísseis russos no dia em que o presidente Vladimir Putin liderou as comemorações de Moscou do Dia da Vitória. Incêndios foram causados, e bombeiros estiveram no local até a madrugada desta terça-feira. Segundo militares ucranianos, sete mísseis foram lançados sobre o porto, atingindo um shopping center e um armazém. Uma pessoa foi morta e cinco ficaram feridas.

Imagens feitas na noite desta segunda-feira mostraram um prédio em chamas e detritos em Odessa, a terceira maior cidade do país. Ao amanhecer, o prefeito Gennadi Trukhanov visitou o edifício e disse que “não tinha nada em comum com infraestrutura militar ou objetos militares”, sugerindo que o ataque foi direcionado a um local civil.

A Ucrânia alegou que pelo menos algumas das munições usadas no ataque são da era soviética, o que pode indicar uma precisão menor da mira. Entretanto, o Centro de Estratégias de Defesa, think thank ucraniano que acompanha a guerra, afirmou que a Rússia usou algumas armas de precisão.

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Autoridades ucranianas, britânicas e americanas alertam que o uso dessas armas podem estar sendo feitas de maneira rápida pela Rússia. Isso diminui o estoque, pressiona a capacidade de construir mais armas no mesmo ritmo e aumenta o risco de mísseis mais imprecisos serem usados à medida que o conflito avança.

Mesmo que não consiga separar a Ucrânia do Mar Negro, os ataques russos contínuos com mísseis em Odessa refletem a importância da cidade como um centro estratégico de transporte. Os militares russos atacaram repetidamente o aeroporto da cidade e alegaram que destruíram vários lotes de armas ocidentais.

Mil militares resistem em Mariupol

O Estado-Maior ucraniano anunciou nesta terça-feira que os disparos de artilharia e bombardeios aéreos russos continuam no leste do país, incluindo à fábrica de Azovstal em Mariupol, onde mais de mil de militares ucranianos permanecem entrincheirados.

De acordo com a vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereshchuk, mais de mil militares continuam entrincheirados no complexo industrial, incluindo centenas de feridos. Eles permanecem no labirinto de galerias subterrâneas do complexo industrial, de construção soviética e que representa o último reduto de resistência ucraniana na cidade portuária do sul da região do Donbas.

Não há civis na siderúrgica, depois das operações de retirada da semana passada, de acordo com Vereshchuk, que explicou que o governo procura uma forma de retirar os feridos, incluindo alguns em estado grave.

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Foto de arquivo mostra fumaça saindo da usina siderúrgica Azovstal em Mariupol, onde as últimas tropas ucranianas ainda resistem Foto: Alexander Ermochenko/REUTERS

No resto da bacia do Donbas, no leste, as tropas russas “continuam preparando operações ofensivas nas regiões de Liman e Severodonetsk”, segundo fontes militares ucranianas.

O ministério russo da Defesa anunciou a tomada de Popasna, entre Kramatorsk e Luhansk, ao norte do Donbas, o que significa que as tropas russas e pró-Moscou conseguiram chegar à “fronteira administrativa da república popular de Luhansk” - uma república autoproclamada pelos separatistas -, no local em que esta faz limite com outra região separatista e também república autoproclamada, a de Donetsk.

Prestar contas

Os ministros das Relações Exteriores da Alemanha e Holanda, Annalena Baerbock e Wopke Hoekstr, respectivamente, visitaram as proximidades de Kiev nesta terça-feira.

Baerbock se reuniu com moradores da cidade de Bucha, que fica ao noroeste de Kiev, onde as tropas russas foram acusadas de matar dezenas de civis quando ocuparam a região em março. A ministra alemã prometeu que os responsáveis pelos massacres “prestarão contas”.

“Devemos isto às vítimas, fazer com que os criminosos prestem contas. Isto é o que vamos fazer como comunidade internacional, é a promessa que podemos e devemos fazer, aqui em Bucha”, declarou.

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Wopke Hoekstr tuitou fotos das ruas de Irpin, outra localidade próxima de Kiev onde o governo ucraniano acusou as forças russas de massacras civis em março.

Os ucranianos também podem contar com a vasta ajuda militar dos Estados Unidos, que alcança 3,8 bilhões de dólares desde o início do conflito em 24 de fevereiro. O presidente americano Joe Biden ativou na segunda um mecanismo de uma lei da Segunda Guerra Mundial para ajudar os aliados a derrotar a Alemanha nazista, com o objetivo de acelerar o envio de armas à Ucrânia.

“Estou convencido de que Putin acreditava que poderia quebrar a Otan, que acreditava que poderia quebrar a União Europeia”, disse Biden em um evento de arrecadação de fundos.

A data da assinatura da medida por Biden, 9 de maio, coincidiu com o grande desfile militar na Praça Vermelha de Moscou para comemorar o 77º aniversário da vitória da Rússia sobre os nazistas.

Diante de milhares de soldados, o presidente russo Vladimir Putin voltou a justificar a ofensiva na Ucrânia, alegando que Kiev preparava um ataque contra os separatistas pró-Moscou do Donbas, queria desenvolver armamento atômico e recebia apoio da Otan. As alegações de Moscou são rejeitadas com veemência pelos países ocidentais./AP, AFP e REUTERS