A preferência da vida pela simetria é como ‘uma nova lei da natureza’

Técnicas da ciência da computação podem ajudar a explicar a tendência das estruturas se repetirem na biologia

PUBLICIDADE

Por Kate Golembiewski
4 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - A simetria é muito comum na natureza. Está presente onde quer que as imagens espelhadas sejam repetidas, como nas metades direita e esquerda de elefantes ou borboletas, ou nos padrões repetidos de pétalas de flores e braços de estrelas do mar em torno de um ponto central. Está até mesmo escondida nas estruturas de pequenas coisas como proteínas e RNA. Embora a assimetria certamente exista na natureza (assim como seu coração está mais perto de um lado do peito, ou como os caranguejos machos têm uma garra maior), formas simétricas surgem com muita frequência em seres vivos para serem apenas aleatórias.

Por que a simetria reina suprema? Os biólogos não têm certeza - não há razão baseada na seleção natural para a prevalência da simetria em formas de vida tão variadas e seus blocos de construção. Agora parece que uma boa resposta pode vir do campo da ciência da computação.

Em um artigo publicado este mês na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, os pesquisadores analisaram milhares de complexos de proteínas e estruturas de RNA, bem como uma rede modelo de moléculas que controlam como os genes ligam e desligam. Eles descobriram que a evolução tende à simetria porque as instruções para produzir simetria são mais fáceis de incorporar no código genético e serem seguidas. A simetria é talvez a aplicação mais fundamental do ditado “trabalhar de forma mais inteligente, não mais dura”.

“As pessoas geralmente ficam surpresas com o fato de a evolução poder criar essas estruturas incríveis, e o que estamos mostrando é que é realmente mais fácil do que você pensa”, disse Ard Louis, físico da Universidade de Oxford e um dos autores do estudo.

Imagem fornecida pelo pesquisador Iain Johnston mostra a renderização de um complexo de coleta de luz de uma bactéria. Foto: Iain Johnston/The New York Times

“É como se tivéssemos encontrado uma nova lei da natureza”, disse Chico Camargo, coautor e professor de ciência da computação na Universidade de Exeter, na Inglaterra. “Isso é lindo, porque muda a forma como você vê o mundo.”

Louis, Camargo e seu colega Iain Johnston começaram sua exploração das origens evolutivas da simetria quando Johnston estava trabalhando em seu doutorado, realizando simulações para entender como os vírus formam suas capas de proteínas. As estruturas que surgiram tendiam altamente para a simetria, aparecendo com muito mais frequência do que a pura aleatoriedade permitiria.

Continua após a publicidade

Os pesquisadores ficaram surpresos no início, mas fazia sentido - os algoritmos para produzir padrões simples e repetidos são mais fáceis de executar e mais difíceis de darem errado. Johnston, agora na Universidade de Bergen, na Noruega, compara isso a dizer a alguém como ladrilhar um piso: é mais fácil dar instruções para colocar fileiras repetidas de ladrilhos quadrados idênticos do que explicar como fazer um mosaico complexo.

Na década seguinte, os pesquisadores e sua equipe aplicaram o mesmo conceito aos componentes biológicos básicos, observando como as proteínas se agrupam em aglomerados e como o RNA se dobra.

“As formas que aparecem com mais frequência são as mais simples, ou as menos malucas”, disse Camargo.

Imaginar o RNA e as proteínas como pequenas máquinas de entrada-saída que executam instruções genéticas algorítmicas explica a tendência à simetria de uma maneira que a “sobrevivência do mais apto” darwiniana não conseguiu. Como é mais fácil codificar instruções para construir estruturas simples e simétricas, a natureza acaba com um número desproporcional desses conjuntos de instruções mais simples para escolher quando se trata de seleção natural. Isso torna a evolução um pouco como um “jogo tendencioso com dados viciados”, disse Camargo, produzindo uma simetria desproporcional por causa de sua simplicidade.

Embora o artigo deles se concentre em estruturas microscópicas, os pesquisadores acreditam que essa lógica se estende a organismos maiores e mais complexos. “Faria muito sentido se a natureza pudesse reutilizar o programa para produzir uma pétala em vez de ter um programa diferente para cada uma das 100 pétalas ao redor do girassol”, disse Johnston.

Embora ainda haja um abismo entre demonstrar o viés estatístico em relação à simetria microscópica e explicar a simetria que vemos em plantas e animais, Holló Gábor, biólogo que estuda simetria na Universidade de Debrecen, na Hungria, diz estar animado com os resultados do novo artigo. ”Explicar como uma característica tão inerente e universal surge na evolução, na natureza, é uma grande coisa”, disse Holló, que não esteve envolvido no estudo.

Continua após a publicidade

Da mesma forma, Luís Seoane, pesquisador de sistemas complexos do Centro Nacional de Biotecnologia da Espanha, que também não esteve envolvido no estudo, elogiou o trabalho como sendo “tão legítimo quanto possível”.

“Há uma guerra acontecendo entre simplicidade e complexidade, e vivemos bem no limite disso”, disse Seoane. O universo tende a uma aleatoriedade cada vez maior, acrescentou, mas esses blocos de construção simples e simétricos ajudam a entender essa complexidade. / TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES