Vauhini Vara começou a escrever seu primeiro romance há 13 anos, enquanto trabalhava como jornalista de tecnologia e conversava com CEOs como Larry Ellison, da Oracle, e Mark Zuckerberg, do Facebook, recém-lançado na época.
A falta de líderes sul-asiáticos na indústria lhe deu uma ideia: seu personagem principal, um indiano, se tornaria CEO de tecnologia nos Estados Unidos. Ao fazer de seu protagonista um homem da comunidade dálite, a casta mais baixa do sistema hierárquico hindu, ela simplesmente incorporava algo relacionado a si mesma: seu pai é dálite e cresceu em um coqueiral na zona rural da Índia.
:quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/OYGUGKDHCNGFTEVKML6F2Z7FBE.jpg 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/7-9vJQSaGdbEaT2hx2_40RIBjWQ=/768x0/filters:format(jpg):quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/OYGUGKDHCNGFTEVKML6F2Z7FBE.jpg 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/zgarJA9jtp_FpT-S_U-MXHUf_0g=/936x0/filters:format(jpg):quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/OYGUGKDHCNGFTEVKML6F2Z7FBE.jpg 1322w)
Essas escolhas profundamente pessoais acabaram se revelando premonitórias. Agora, no momento da publicação de seu romance, The Immortal King Rao (O imortal rei Rao, em tradução livre), seis das maiores empresas de tecnologia do mundo - Adobe, Alphabet, IBM, Microsoft, Google e Twitter - são lideradas por homens de ascendência indiana.
A relevância de líderes indianos nas empresas de tecnologia é somente uma das maneiras pelas quais o futuro próximo que Vara retratou em seu longo romance de ficção científica parece menos ficcional agora do que quando ela começou a escrevê-lo. “É quase como se a realidade se aproximasse do cenário futuro especulativo que descrevi em meu livro.”
Nos anos posteriores a seu trabalho como repórter de tecnologia, Vara estudou escrita criativa, assumiu outros trabalhos jornalísticos, mudou-se mais de uma vez e se tornou mãe. Ela escrevia a cada ínfimo momento livre que tinha, geralmente no Google Docs ou no celular. “Eu trabalhava o dia todo, por isso escrevia nos fins de semana, à noite, e às vezes passava um ano inteiro sem escrever nada.”
The Immortal King Rao começa na década de 1950, com o nascimento de uma criança - um menino dálite que chega ao mundo “sem ao menos possuir um nome”, mas que acaba por ser conhecido como King Rao. Sua mãe quer dar-lhe o nome de Raja, termo que significa “rei” na língua híndi, mas seu cunhado, anglófilo, insiste em usar a palavra em inglês. “Um nome muito grandioso para alguém tão pequeno”, dizem outros membros da família Rao.
Na época de seu nascimento, a família de Rao se encontra na rara posição de adquirir um coqueiral, o que lhes oferece os meios para enviar o garoto à escola e depois à faculdade. Ao ser contratado como professor assistente do departamento de engenharia de uma universidade em Seattle, no estado de Washington, um amigo lhe conta que as castas não significam nada nos Estados Unidos. Assim, ele se junta à onda de imigrantes indianos que chegaram à América na década de 1970.
:quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/QTNINGYVVVH3FEY7VQ7JEZMMEE.jpg 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/nAVu7VcW5ET-C09vBG8FjuOsaOc=/768x0/filters:format(jpg):quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/QTNINGYVVVH3FEY7VQ7JEZMMEE.jpg 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/-9gDU3e8YUnOO4IVWV7a_cAd5Lw=/936x0/filters:format(jpg):quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/QTNINGYVVVH3FEY7VQ7JEZMMEE.jpg 1322w)
Inicialmente, foi difícil para Vara imaginar a infância de Rao, porque ela cresceu na América do Norte - primeiro em Saskatchewan, no Canadá, e depois nos subúrbios de Oklahoma e Seattle - e não tinha experiências pessoais para usar como referência: “A história de Rao é a história da minha família, mas não a minha. Não sei diretamente o que é crescer na zona rural da Índia, nem como é ser dálite na Índia.”
Ela abordou o tema como jornalista: em 2010, visitou a cidade rural onde seu pai nasceu, Tottaramudi, no estado de Andhra Pradesh, sudeste da Índia, e entrevistou os parentes que tinha por lá. Vara observou que é por isso, também, que a história não é contada da perspectiva de Rao, mas da de sua filha Athena.
O resultado é um retrato multifacetado de uma comunidade que raramente aparece em romances publicados por grandes editoras ocidentais, afirmou Karan Mahajan, autor de A Associação das Pequenas Bombas, que tem ascendência indiana e americana, é amigo de faculdade de Vara e analisou seu manuscrito. Segundo Mahajan, “o livro expõe as complexidades da vida dálite sem explorar sua pobreza nem retratar os dálites monocromaticamente, através da lente da opressão”. No livro de Vara, os dálites não são vítimas, e sim empreendedores, inovadores e gênios.
O romance transita suavemente para outro gênero quando Rao chega a Seattle. Lá, ele começa a desenvolver uma personalidade semelhante à de Steve Jobs ao trabalhar com seu professor, Elbert Norman, e sua filha, Margie, na invenção de um novo e revolucionário produto - um computador pessoal - que rapidamente atrai muitos clientes fiéis.
A partir da venda de seu primeiro computador, o Coconut (Coco), por US$ 999, Rao fica viciado no sonho americano capitalista. “Quem tem esperteza, ambição e talento é recompensado, tem a possibilidade de mudar - de aluno estrangeiro a inventor e homem de negócios!”, ele diz a Margie.
:quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/HFFO6CIVT5BB5OFQ5YPRTDPKFU.jpg 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/HJkZ2-sPk34NrHoD3xu22FhjP1o=/768x0/filters:format(jpg):quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/HFFO6CIVT5BB5OFQ5YPRTDPKFU.jpg 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/tJSBwA92OmrzJQH95y_LlcBZbg8=/936x0/filters:format(jpg):quality(80)/cloudfront-us-east-1.images.arcpublishing.com/estadao/HFFO6CIVT5BB5OFQ5YPRTDPKFU.jpg 1322w)
À medida que sua empresa, a Coconut Computer Corporation, cresce e cria mais produtos, as ambições de Rao se ampliam e o romance dá uma guinada distópica. Rao acaba criando uma nova ordem mundial - na qual o governo é liderado por uma corporação e os cidadãos são conhecidos como “acionistas”. Também inventa um código genético que, ao ser injetado em humanos, produz “biotransistores” que conectam seu cérebro à internet, permitindo que acessem toda a informação do mundo, leiam a mente uns dos outros, armazenem e transfiram a própria memória.
“Curiosamente, à medida que eu escrevia e que o tempo passava, Elon Musk fundou a Neuralink”, observou Vara, referindo-se ao projeto que o bilionário da tecnologia criou em 2016, no intuito de desenvolver implantes cerebrais capazes de conectar humanos e computadores. O que antes fora uma parte radicalmente imaginária do enredo do livro de Vara cruzou a linha tênue entre ficção e não ficção e se tornou real o suficiente para que ela assistisse a vídeos de tutoriais sobre a nova tecnologia.
Quando Vara finalmente terminou The Immortal King Rao, enviou uma cópia ao pai, que inspirou grande parte da trama. Ele a devolveu com algumas correções sobre a vida dálite e adorou a citação de Thomas Picketty na epígrafe. Só fez uma crítica negativa: “Poderia ser mais divertido.”
The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times