Huang Yulong nunca quis ter filhos. Quando criança, sentia falta dos pais que o deixavam com parentes quando saíam para trabalhar em fábricas distantes, visitando-o uma vez por ano. Ele nunca sentiu necessidade de ter um filho ou passar o nome da família.
Assim, aos 26 anos de idade, Huang se submeteu a uma vasectomia.
“Na nossa geração as crianças não são uma necessidade”, disse ele, solteiro na cidade chinesa de Guangzhou. “Hoje vivemos sem ter esse tipo de responsabilidade. Por que não investir nossos recursos econômicos e espirituais em nossas próprias vidas?”
Huang se empenha para ter um estilo de vida conhecido como “renda dobrada, sem filhos”, DINK (Double Income, No Kids). A sigla existe há décadas, mas só recentemente se tornou popular na China onde o custo de vida crescente e outras dificuldades econômicas levam muitos jovens a evitarem a paternidade. A concorrência por escolas e apartamentos vem se intensificando. Alguns casais afirmam que não desejam mais do que um filho. Outros não querem nenhum.
O estilo de vida também está em conflito com os esforços do governo chinês para evitar uma próxima crise demográfica. Em junho, Pequim reformulou novamente sua política de planejamento familiar, permitindo às famílias terem três filhos em vez de dois. A finalidade é incentivar os casais a terem mais filhos, mas homens como Huang dizem preferir não ter filhos, mesmo que tenham de se submeter a uma cirurgia.
Apesar de a sua decisão de fazer uma vasectomia parecer radical, os demógrafos há muito tempo alertam que o número crescente de chineses preferindo não ter filhos é uma forte razão da diminuição da população do país. De acordo com dados do último censo, o tamanho médio de uma família hoje é 2,62, uma queda em relação aos 3,1 em 2010.
Além de Huang, o The New York Times conversou com outros dois chineses que se submeteram a uma vasectomia. Ambos pediram para não usar seu nome completo por razões de privacidade, pois alguns familiares e amigos continuam desconhecendo sua cirurgia.
Realizar uma esterilização voluntária, especialmente no caso de um jovem não casado ainda é considerado tabu na sociedade patriarcal chinesa. Em muitas cidades os médicos exigem a certidão de casamento e o consentimento da esposa. (Antes do procedimento o médico perguntou a Huang se era casado e tinha filhos. Ele mentiu e disse que sim).
Muitos chineses já ouviram falar em esterilização no contexto da antiga política de planejamento familiar do governo, que proibia às famílias terem mais de um filho para evitar o crescimento da população durante um período de rápida expansão econômica. Embora muito mais mulheres tenham se visto forçadas a uma esterilização, em alguns poucos casos homens também se submeteram a uma vasectomia.
A nova política do governo autorizando três filhos, anunciada em junho, é a mais recente tentativa para reverter aquela prática, mas alguns homens realizam o procedimento por vontade própria. Em parte, afirmam eles, é porque querem dividir o ônus da contracepção com sua parceira quando ambos buscam um estilo de vida com uma renda maior e nenhum filho.
Jiang, 29 anos, personal trainer que reside na província de Fujian, disse que tentou fazer uma vasectomia em seis hospitais e foi recusado porque não conseguiu fornecer uma certidão de planejamento familiar, documento oficial confirmando sua condição de casado e o número de filhos.
“Eles se negaram, dizendo “você não é casado e não tem filhos, então está abertamente indo contra a política de nascimentos instituída no país”, disse Jiang, que é solteiro.
Em março ele acabou encontrando um hospital em Chengdu, no sudoeste do país, que se dispôs a realizar a cirurgia.
Durante décadas os chineses estavam condicionados a ter filhos por tradição, obrigação filial ou como último recurso para uma aposentadoria. Mas uma rede de previdência social em expansão e uma proliferação de planos de saúde deram mais opções às pessoas.
Hoje, a China tem o maior número de solteiros do mundo. Em 2018 eram 240 milhões, representando 17% da população total. Embora essa porcentagem ainda seja menor comparada com a dos Estados Unidos, o número de chineses solteiros aumentou em um terço desde 2010.
“Hoje os jovens não são tão capazes de enfrentar dificuldades como a geração mais velha”, disse He Yafu, demógrafo independente que reside na cidade sulista de Zhanjiang. “Muitos acham que não só os filhos não cuidarão deles quando estiverem idosos, mas também acabam dependendo deles. Melhor poupar mais dinheiro e ir a um asilo em busca de mais segurança, ou comprar apólices de seguro”.
No debate sobre a nova política de três filhos, um porta-voz do governo disse que, em média, um indivíduo chinês nascido nos anos 1990 só deseja criar 1,66 filhos, uma queda de 10% em relação aos nascidos na década de 1980.
De acordo com um estudo publicado em 2018 pelo Journal of Chinese Women’s Studies, o custo econômico direto de criar um filho desde que nasce até os 17 anos de idade é de cerca de US$ 30 mil, sete vezes o salário anual de um cidadão chinês de classe média.
Outro Huang (que não é parente de Huang Yulong), formado em computação e com 24 anos de idade, morador da cidade de Wuxi, que não queria que seu nome completo fosse usado, disse ter encontrado sua possível parceira, uma mulher de 28 anos, num fórum DINK. “Digo constantemente a ela como é alto e medonho o custo de um parto para as mulheres”, afirmou.
Depois de admitir on-line para seus colegas de faculdade que temia ter filhos, uma pessoa respondeu a Huang sugerindo que ele se submetesse a uma vasectomia. Em novembro ele fez a cirurgia na cidade de Suzhou. Procurou seis hospitais até encontrar um médico disposto a realizar o procedimento.
O plano de aposentadoria de Huang é migrar para a Islândia ou Nova Zelândia, países com sistemas de proteção social relativamente robustos. Disse ter calculado o número de anos que um filho pode desempenhar obrigações filiais - dez anos – e concluiu que não vale a pena.
“Criar e educar um filho custa caro e o retorno é pequeno", disse ele. "Acho que ter um filho é muito complicado”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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