THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Durante a recente Semana de Moda de Paris, a modelo chanel teve uma estranha sensação de déjà vu. Não por ter sido escolhida como embaixadora da Chanel, marca que a descobriu no início da década de 2000 e a transformou em uma das mais requisitadas mulheres do momento, favorita de Karl Lagerfeld, Marc Jacobs e Nicolas Ghesquière; amiga do músico Sean Lennon e ex-noiva do roqueiro bad boy Pete Doherty; e “irmãzinha” de Kate Moss. Nem por ter acabado de lançar seu livro, um diário de estilo daquela época com dicas de moda e fotos pessoais, chamado Runway Bird (Pássaro da passarela, em tradução livre). Mas porque a Rússia acabara de invadir a Ucrânia, e as cenas dos refugiados inundando a Europa eram bem familiares, lembrando-a de sua infância, quando ela e os pais foram forçados a deixar a Romênia. Seu pai acabara de ligar para dizer: “Está acontecendo de novo.”
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Lazareanu, de 39 anos, agora vive em Montreal, para onde emigrou com os pais em 1989. (Tem um filho de quase três anos, River, com o baixista Drew McConnell.) Estava em Paris, fotografando para a capa da Vogue Tchecoslováquia - sua primeira em quase uma década. E, segundo ela, o contraste entre sua realidade e os acontecimentos a apenas algumas horas de distância, perto de sua terra natal, fez com que pensasse: “Talvez eu não tenha merecido a vida que tive.”
A vida de modelo é geralmente comparada a um conto de fadas, uma maneira de transformar Cinderelas vindas de circunstâncias difíceis em princesas da cultura pop. Lazareanu não foi a única modelo que emergiu durante a crise no leste europeu na virada do milênio. Outros nomes incluem Natasha Poly, da Rússia; Karolina Kurkova, da República Tcheca; e Carmen Kass, da Estônia.
Mas a realidade de sua história, que Lazareanu não descreve em profundidade no livro, é bem menos agradável do que parece, de acordo com ela. Em vez de falar disso, descreve como foi descoberta por Lagerfeld aos 21 anos (ela chegou a uma audição vestindo saia camponesa, botas tibetanas de lã branca e uma blusa bordada tradicional da Romênia) e o ano em que fez quase cem desfiles.
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Lazareanu e os pais deixaram a Romênia em 1989, quando ela estava com seis anos, logo antes da queda do ditador Nicolae Ceausescu. Seu avô paterno, Dumitru Lazareanu, estivera preso por vários meses no fim da década de 1950 por ter participado de um movimento comunista de resistência chamado Guarda de Ferro, que começou depois da Segunda Guerra Mundial. Ela contou que seu filho (o pai de Irina) Constantin Lazareanu, engenheiro, fora vigiado pelo serviço secreto romeno durante muito tempo por ter denunciado que a destruição e a morte causadas por dois terremotos (em 1977 e 1986) se deveram em parte à negligência do Estado.
Lazareanu se lembra de estar sempre em filas com a mãe para obter alimentos racionados. “Não havia comida nem eletricidade. As luzes simplesmente se apagavam.” Também recorda que seus pais deixavam a água correndo e conversavam cochichando porque a casa estava grampeada. Uma noite, seu pai chegou em casa, pouco antes do amanhecer, com sangue no rosto. “Minha mãe disse que ele tinha tropeçado em um saco de tomates”, disse Lazareanu.
Na manhã seguinte, fizeram as malas, deixaram seu apartamento em Ploiesti, perto de Bucareste, e foram de carro até a fazenda de seus avós maternos em Ratesti, mais ao norte. Lazareanu permaneceu com os avós enquanto seus pais cruzaram a fronteira para a Sérvia, onde tinham parentes. “Foi a última vez que minha mãe viu o pai. Mas, como haviam me deixado para trás, o governo achou que voltariam.”
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Lazareanu passou os dez meses seguintes com os avós, que cultivavam milho, em meio a galinhas, vacas e cavalos. “De vez em quando, uns guardas apareciam para verificar se eu ainda estava lá.”
Naquela época, não havia controle de fronteira entre a Sérvia e a Iugoslávia. Os iugoslavos podiam viajar livremente, mas Lazareanu afirmou que muitas pessoas com passaporte romeno precisavam recorrer à propina para embarcar em veículos que cruzavam a fronteira.
Seus pais subornaram um motorista de ônibus para levá-los da Sérvia à Áustria, onde chegaram ao campo de refugiados de Traiskirchen e receberam asilo temporário, sob a condição de requerer cidadania em outro país. Uma agência austríaca entrou em contato com o governo romeno em nome deles para pedir que lhe enviassem a filha. O preço foi uma passagem de avião que, segundo Lazareanu, “custou as economias dos meus avós”.
Assim como as outras crianças, ela fez aulas de alemão. Seu pai trabalhava na construção civil e sua mãe, antes contadora, agora era cozinheira em um restaurante local. Em seguida, seus pais solicitaram visto de residência no Canadá e foram aceitos. A família foi para Montreal, onde recebeu moradia gratuita, ajuda de custo diária para alimentação e aulas de francês e inglês. “Minha mãe costumava pegar minhas bolachas de água e sal quando pedíamos sopa nos restaurantes, porque achava que eram biscoitos que precisávamos guardar para a sobremesa.”
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Lazareanu estudou balé, na esperança de se tornar bailarina profissional, mas acabou machucando o joelho. Quando tinha 16 anos, alguns parentes lhe sugeriram que tentasse a carreira de modelo. Fechou contrato com uma agência local chamada Giovanni, depois com a Select (em Londres), com a Marilyn (em Paris) e agora é representada pelo Elite World Group.
Lazareanu contou que a família se sentia muito abençoada e sortuda por ter conseguido fugir da Romênia. “Mas deixei de tentar ser invisível para trabalhar em uma indústria em que me pediam que fosse uma pessoa diferente a cada momento, que fosse musa.”
Nos últimos dez anos, Lazareanu voltou à Romênia três vezes, revisitando o campo de refugiados de onde seus pais partiram, ficando com a avó - que faleceu há alguns anos - e revendo os parentes. Uma vez, foi DJ convidada em uma casa noturna em Bucareste, na qual tocou o hino favorito do pai, It’s a Long Way to the Top (if You Wanna Rock ‘n’ Roll), do AC/DC, música que ele ouvia no máximo volume quando a levava às aulas de balé, já no Canadá.
“Nunca mais vimos algumas dessas pessoas. Quando eu era refugiada, muito pouca gente conseguia escapar. Agora, o êxodo é de milhões. Vão poder voltar? O que vão comer? Onde vão morar? Como explicar isso tudo a crianças que há poucas semanas estavam tocando piano, fazendo ginástica, brincando no parquinho? As crianças nos campos de refugiados jamais esquecerão o que estão vendo. Se conseguirem, serão pessoas de sorte”, comentou Lazareanu.
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Em Paris, Lazareanu foi a um protesto vespertino contra a guerra na Ucrânia. Mais tarde, ela e alguns amigos levaram casacos e cobertores à estação Rue de la Pompe da linha 9 do metrô, onde um ônibus esperava para levar suprimentos como fraldas, toalhas, barracas, pilhas e remédios para a Ucrânia.
As amigas ucranianas de Lazareanu que haviam sido escaladas para trabalhar na semana de moda não podiam voltar para casa, e tentavam retirar a família da zona de guerra. Ela pedira à sua editora que doasse 20 por cento dos lucros da venda de seu livro ao Fundo de Paz Ucraniano, iniciativa conjunta da Embaixada Romena e dos Estados Unidos.
“Quando vejo imagens de crianças sendo removidas da família, de pessoas tendo de tomar as mesmas decisões que meus pais, é difícil dormir. Seu mundo inteiro desaba: sua identidade, seus entes queridos, sua segurança. Depois de uma situação dessas, quando voltarão a se sentir seguras na própria cama? Vai demorar muito. Mesmo aquilo que você acha que vai esquecer acaba voltando à mente. As imagens, os sons, permanecem com a gente.”
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