LAHORE, PAQUISTÃO - Kiran lembra da época em que dançava confiante por salões decorados com ricos travesseiros aveludados e tapeçarias finas, cativando a atenção dos homens mais ricos do Paquistão. Agora, ela viaja com um rádio velho e alguns CDs de música eletrônica para apresentações de dança diante de grupos de homens abusados interessados apenas em uma coisa: sexo. “Antes havia interesse na arte, na dança e na música", disse Kiran, 28 anos, que pediu para não revelar o sobrenome por questões de segurança. “Agora, depois de uma ou duas músicas, os homens só pensam na cama.”
Kiran faz parte da moribunda tradição das dançarinas de Lahore, uma profissão que já foi respeitada, com dançarinas empregadas por centenas de anos nas cortes dos marajás. Ao longo dos séculos, a exploração sexual e o abuso sempre foram um risco enfrentado pelas dançarinas. E a fronteira entre apresentação artística e prostituição ocasional sempre foi opaca.
Mas as dançarinas eram frequentemente tratadas com respeito, vistas como artistas talentosas acompanhadas por um público que as adorava. Entretanto, nos anos mais recentes, a ascensão de um conservadorismo religioso no Paquistão empurrou essa forma de arte para a clandestinidade.
As condições de trabalho se tornaram mais perigosas, e o público também mudou, dizem as dançarinas. Antes, este era formado por abastados financiadores das artes, mas, agora, consiste principalmente de homens que esperam ou até exigem sexo. O estilo de dança é conhecido como nautch, uma forma de arte sofisticada que surgiu no império muçulmano Mughal, chegando ao auge em meados do século 19.
Quando teve início o governo britânico, em 1858, as dançarinas foram ridicularizadas pelas potências colonizadoras. Com a violência sectária que levou à divisão entre Índia e Paquistão em 1947, muitas das dançarinas, de maioria muçulmana, cruzaram a fronteira com destino a Lahore. Ali, essa forma de arte teve um novo período de prosperidade.
Mas, conforme o Paquistão definiu sua identidade como uma república islâmica, as dançarinas enfrentaram mais dificuldades e pressões da sociedade. Kiran sustenta a filha e o filho como mãe solteira. Também ajuda a cuidar de três irmãos e suas mulheres. Ela ganha cerca de US$ 600 por mês dançando em festas particulares, e pode ganhar o dobro se oferecer também sexo.
Como muitas outras dançarinas, ela espera em casa para receber telefonemas de homens interessados em contratar entretenimento para os amigos. Houve época em que até 50 escolas de dança ensinavam a arte no distrito de entretenimento de Heera Mandi; agora, restou apenas uma, a Academia de Dança Clássica.
Um instrutor, Yassir Abbas, disse que a escola foi fundada há 35 anos, ensinando centenas de dançarinas por ano. Mas, num dia recente, havia apenas seis participando das aulas. “Ainda estamos fazendo de tudo para manter viva esta forma de arte", disse ele. “Se a técnica morrer, não restará mais nada dela.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.