Especuladores e colecionadores faturam com apostas em jovens pintores

Quando a demanda supera a oferta, há muito dinheiro a ser ganho com a prática de comprar barato na galeria do artista e revender caro em leilão

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Por Scott Reyburn

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - LONDRES - Três anos atrás, suas grandes pinturas estavam sendo vendidas em uma galeria pouco conhecida por cerca de US$ 40 mil cada. Em 2021, uma delas foi revendida em um leilão da Sotheby’s por um recorde de US$ 3,1 milhões. Outra está pendurada na casa do ministro das Finanças da Grã-Bretanha, Rishi Sunak, em Downing Street.

Flora Yukhnovich, de 31 anos, uma pintora britânica cuja primeira exposição individual na galeria Victoria Miro em Londres será inaugurada na terça-feira, é uma das jovens estrelas em ascensão mais procuradas no mundo da arte, e suas obras estão atraindo uma demanda voraz de colecionadores e especuladores internacionalmente.

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”O número de colecionadores sérios e muito interessados que perguntaram sobre o trabalho chega às centenas”, disse Matt Carey-Williams, chefe de vendas da Victoria Miro.O calor do mercado para as exuberantes pinturas semi-abstratas de Yukhnovich é sintomático do fenômeno conhecido como “flipping” (revenda). Quando a demanda por certos artistas supera significativamente a oferta, aqueles afortunados o suficiente para adquirirem suas obras através de galerias podem obter lucros enormes se as oferecerem em leilões. As galerias querem evitar isso: um mercado de revenda efervescente pode dificultar a manutenção de carreiras a longo prazo para os artistas.

Em 2014, durante o último frenesi especulativo por arte jovem e emergente, as pinturas abstratas de Lucien Smith, que estavam na moda na época, eram rotineiramente vendidas em leilão por múltiplos de seus preços de galeria. Mas o mercado esfriou rapidamente e, em 2015, um Smith desiludido parou de expor em galerias comerciais.

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”Os resultados do leilão não afetam a estratégia de preços adotada para o trabalho de Flora”, disse Carey-Williams. Yukhnovich, que se recusou a ser entrevistada para este artigo, tem um estilo de pintura distinto que desmaterializa temas de velhos mestres em manchas de cor rodopiantes. Seus últimos trabalhos na exposição da Victoria Miro estão avaliados entre US$ 135 mil e US$ 470 mil (100 mil a 350 mil libras), refletindo como os preços de galeria da artista “aumentaram lenta e cuidadosamente nos últimos 18 meses”, segundo Carey-Williams.

Os preços de leilão de Yukhnovich, por outro lado, subiram para um campo diferente, o que apenas incentiva mais possíveis compradores a entrarem na fila.

As apostas na arte contemporânea jovem nunca foram tão altas. Em 2014, obras de artistas com menos de 40 anos arrecadaram US$ 181 milhões em leilões. No ano passado, elas faturaram um recorde de US$ 450 milhões, um aumento de 275% em relação a 2020, segundo a Artprice, uma empresa com sede na França que acompanha as vendas internacionais de leilões. Sobrancelhas foram levantadas durante a agitação anterior do mercado, quando pinturas de artistas como Smith, Jacob Kassay e Oscar Murillo fizeram preços de leilão de mais de US$ 300 mil. Os recentes preços de vendas para Yukhnovich, Matthew Wong e Avery Singer adicionaram um dígito extra.

”O mercado se expandiu desde 2014″, disse Wendy Cromwell, consultora de arte de Nova York. “Há muito mais pessoas e há muito dinheiro no sistema. Há competição apenas para alguns artistas, e isso leva a preços exponencialmente mais altos.

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”Os compradores de arte contemporânea também são cada vez mais jovens, disse Cromwell. Uma nova onda de clientes de 40, 30 e até 20 anos, enriquecidos por heranças e pela economia da tecnologia, está transformando o mercado, acrescentou. “Houve essa onda jovem em termos de quem está comprando o trabalho e quem está distribuindo”, ela disse.

De acordo com a declaração de final de ano da Sotheby’s, “um influxo de colecionadores mais jovens e experientes em tecnologia” ajudou a casa de leilões a atingir um recorde de US$ 7,3 bilhões em vendas em 2021, com o número de licitantes com menos de 40 anos aumentando em 187%.

Dada a ênfase do mercado na juventude e na tecnologia, não é surpresa que o Instagram tenha sido o principal motor de interesse no trabalho de Yukhnovich, como é o caso de tantos artistas de hoje.

”Me deparei com Flora no Instagram e definitivamente não estava sozinho”, disse Matt Watkins, diretor da galeria Parafin em Londres, que realizou uma exposição individual das pinturas de Yukhnovich em 2019. Influenciadores como Carey-Williams e a jovem historiadora de arte Katy Hessel, cuja conta “thegreatwomenartists” tem 250 mil seguidores, foram os primeiros entusiastas, assim como a conta do ArtForum no Instagram, que tem 1,2 milhão de seguidores.

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Carey-Williams disse que a Victoria Miro venderia as obras de Yukhnovich apenas para “colecionadores que fariam tanto a galeria quanto a artista se sentirem muito seguros de que qualquer aquisição permaneceria a longo prazo”. A abordagem ecoa a representação rigidamente controlada da galeria do conceituado artista Njideka Akunyili Crosby, de Los Angeles, que prioriza as vendas para museus públicos para melhorar a reputação crítica de Crosby e impedir aproveitadores. Nos últimos seis anos, a Victoria Miro colocou obras de Crosby no Metropolitan Museum of Art de Nova York; na National Gallery of Art em Washington; no County Museum of Art de Los Angeles; na Tate; e em outras instituições. Nenhum grande trabalho recente deste requisitado artista foi revendido em leilão desde 2018, de acordo com a Artprice.

Com as concessionárias nos Estados Unidos e na Europa determinadas a limitar as vendas da arte jovem mais desejável a coleções estabelecidas, novos compradores estão tendo que procurar mais longe. Gana, em particular, passou a ser percebida como um centro para talentos emergentes. No ano passado, obras de um dos jovens artistas mais proeminentes do país, Amoako Boafo, estavam sendo leiloadas por até US$ 3,4 milhões, contra preços de galeria de apenas US$ 10 mil.

”É diferente de tudo que eu já vi”, disse Victoria Cooke, diretora da Gallery 1957, uma concessionária na capital de Gana, Accra, que representa artistas locais e os exibe internacionalmente. “Mesmo durante a pandemia, havia colecionadores e galeristas aqui de Paris, dos EUA e do Reino Unido. Muitas pessoas estão tentando ir diretamente à fonte”, ela disse, acrescentando que os compradores eram “uma mistura de colecionadores e especuladores”.

”As pessoas podem entrar, comprar um estúdio aqui e praticar a inversão”, disse Cooke. “Isso pode parecer uma oportunidade empolgante se você não tiver uma pessoa de confiança lhe aconselhando a fazer o contrário. ”Como existem apenas duas grandes concessionárias em Acra (a outra é a galeria de arte contemporânea ADA) para atuar como guardiã do talento de Gana, seus artistas iniciantes recorreram a uma casa de leilões internacional para alcançar uma clientela – esperançosamente – menos superficial.

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Em janeiro, a Phillips, em seu papel de corretora de vendas privadas, em vez de leiloeira pública, montou a exposição de vendas de 10 dias “Birds of a Feather” em sua sede em Londres. Apresentando 18 obras recentes de seis jovens artistas quase desconhecidos de Gana, este raro empreendimento de uma casa de leilões no “mercado primário” dominado por galerias foi realizado em colaboração com o Artemartis, um coletivo de artistas com sede em Accra. Todas as obras foram vendidas, por preços que variam de US$ 4 mil a US$ 12.200, de acordo com Anna Chapman, porta-voz da Phillips, embora ela tenha se recusado a divulgar mais informações sobre essas vendas privadas.

”Muitas pessoas vêm para Gana tentando trabalhar com artistas”, disse Selasie Gomado, fundadora do Artemartis, que atua como revendedora e gerente do coletivo. “Ensinamos a eles a importância dos acordos contratuais, para que possam ter carreiras duradouras e sustentáveis. Um artista pode receber muita atenção e no final do dia acabar sem nada.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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