SÃO FRANCISCO — Nos dias tensos que se seguiram à eleição presidencial dos Estados Unidos, um grupo de funcionários do Facebook levou a Mark Zuckerberg uma conclusão alarmante: a desinformação relacionada à eleição estava viralizando no site.
O presidente Donald Trump já vinha declarando que a eleição havia sido fraudada e artigos publicados por agências de mídia de direita e afirmações enganosas sobre cédulas jogadas no lixo, votos não contados, cálculos distorcidos, eram as notícias mais populares na plataforma.

Em resposta, os funcionários propuseram uma mudança emergencial no algoritmo do feed de notícias do Facebook, que ajuda a determinar o que mais de dois bilhões de pessoas leem diariamente. Uma mudança que tinha por fim enfatizar a importância do que o Facebook chama de “ranking de qualidade do ecossistema de notícias”, que consiste de notas atribuídas internamente a jornais baseadas em sinais sobre a qualidade do seu jornalismo.
Esse ranking, chamado NEQ, tem um papel menos importante na determinação do que aparece nos feeds dos usuários. Mas alguns dias depois da eleição, Zuckerberg concordou em aumentar o peso que o algoritmo do Facebook dava a ele de modo a assegurar que notícias confiáveis aparecessem com mais destaque, segundo três pessoas que tiveram conhecimento da decisão.
A mudança integrou um plano do Facebook que demorou meses até ser implementado, após uma eleição contestada. E resultou num aumento da visibilidade de grandes órgãos de notícias como CNN, The New York Times e NPR, ao passo que postagens em páginas de sites fortemente polarizados politicamente, como Breitbar e Occupy Democrats ficaram menos visíveis, segundo os funcionários.
Era uma ideia do que um Facebook mais tranquilo, menos polêmico, poderia parecer. Alguns funcionários argumentaram que a mudança deveria ser permanente mesmo que não ficasse claro como afetaria o tempo que as pessoas passam navegando no site. Numa reunião realizada uma semana após a eleição, a pergunta era se “um feed de notícias mais amigável” conseguiria se manter.
Guy Rosen, executivo do Facebook que dirige a divisão de integridade, encarregada de colocar ordem na plataforma, disse numa videoconferência com jornalistas em novembro que as mudanças feitas eram temporárias. “Nunca houve planos para torná-las permanentes”, afirmou. John Hegeman, que supervisiona o feed de notícias, disse numa entrevista que embora o site possa reverter essas mudanças, o Facebook irá estudar e aprender com elas.
O debate ilustra a forte tensão que alguns dentro da empresa vêm sentindo atualmente; de que as aspirações da companhia de melhorar o mundo com frequência contraria seu desejo de supremacia.
Nos últimos meses, à medida que o Facebook passou a ser mais investigado por seu papel na amplificação de informações falsas, seus funcionários têm entrado em atrito quanto ao futuro da companhia. De um lado, estão os idealistas, incluindo muitos empregados e alguns executivos, que querem que seja feito mais para limitar a desinformação e o conteúdo polêmico. De outro lado, está o pessoal mais pragmático que teme que essas medidas afetem o crescimento da plataforma ou provoquem uma reação política que provoque uma regulamentação mais nefasta.
“Existem tensões em praticamente cada medida que adotamos e criamos uma estrutura para toda a companhia chamada Better Decisions (Melhores decisões, em tradução livre) para garantir que nossas decisões sejam exatas e nossas metas continuem vinculadas ao desejo de oferecer a melhor experiência possível para as pessoas”, afirmou Joe Osborne, porta-voz do Facebook.
Essas batalhas têm afetado o moral das pessoas. Numa pesquisa feita junto aos empregados, a conclusão é que eles vêm sentindo menos orgulho da companhia, em comparação com anos anteriores. Metade disse achar que o Facebook continua tendo um impacto positivo no mundo, uma queda em relação aos três quartos no ano anterior. O número de funcionários “com intenção de permanecer” também caiu, do mesmo modo que a confiança na liderança.
Mesmo que o dia da eleição e o dia posterior tenham passado com poucos incidentes, alguns funcionários desiludidos deixaram a companhia alegando que não têm mais estômago para trabalhar numa empresa cujos produtos são perniciosos. Mas para outros, mesmo com suas falhas o Facebook, no geral, vem sendo mais benéfico do que prejudicial.
“Os salários pagos pela companhia são os mais altos do setor e quando você volta para casa com um holerite gigante a cada duas semanas, tem de se dizer que é por uma boa causa”, disse Gregor Gochmuth, ex-engenheiro do Instagram, controlado pelo Facebook, que deixou a companhia em 2014. “Do contrário, seu trabalho não é nada diferente do de outros setores que destroçam o planeta e pagam salários exorbitantes para seus funcionários esquecerem disso”.
Vários empregados afirmaram estar frustrados com o fato de que, para enfrentar problemas espinhosos como a desinformação, com frequência eles precisam demonstrar que as soluções propostas não irão irritar parceiros poderosos e nem afetarão o crescimento do Facebook.
As medidas da companhia para fazer uma limpeza da plataforma serão mais fáceis, em determinados aspectos, com o fim do governo Trump. Durante anos, Trump e outros conservadores influentes acusaram a empresa de ter preconceitos contra os conservadores cada vez que ela adotava medidas para limitar a desinformação.
Mas mesmo com o novo governo Biden, o Facebook necessitará equilibrar o desejo de uma maior responsabilidade social manifestado pelos seus funcionários com suas metas de negócios.
“A questão é, o que eles aprenderam com esta eleição que deverá pautar suas políticas no futuro?”, indagou Vanita Gupta, diretora executiva do grupo Leadership Conference on Civil and Human Rights. “Minha preocupação é de que as mudanças sejam revertidas embora as condições que levaram à sua introdução ainda estejam presentes”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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