TARANTO, ITÁLIA – Em sua loja de esquina nas proximidades da maior siderúrgica da Europa, Giuseppe Musciacchio passou o indicador sobre a prateleira coberta por uma camada de poeira cinzenta. Lá fora, uma enorme coluna de fumaça destacava-se sobre um panorama de altos fornos e montes de minérios perigosos. Lufadas negras de emissões industriais navegavam no céu como nuvens de chuva. Nos “dias de vento”, o prefeito cancela as aulas com medo da poeira tóxica que sopra sobre a cidade.
“Limpo continuamente”, comentou Muschiacchio. Na parede, estão as fotografias da mãe e de outros familiares que morreram de câncer. “Eles morreram porque moravam aqui, respiravam este ar”, denunciou.

Apesar disso, enquanto o governo da Itália e a operadora estrangeira da fábrica, a gigante do aço ArcelorMittal, brigam a respeito do futuro da siderúrgica, Musciacchio espera que ela não seja fechada. “Seria um desastre econômico”, afirmou.
O fechamento da fábrica teria consequências para a estabilidade do governo italiano e para toda a economia do país. E isto tornou a briga em torno da siderúrgica um símbolo dos males que afligem a Itália – o declínio da indústria, as regulamentações aleatórias, uma política instável.
A siderúrgica – ainda conhecida por seu nome anterior, ILVA – é um complexo tentacular de 15 quilômetros de extensão. Esta é a maior fábrica da região meridional do país, economicamente deprimida. Se ela fechar, mais de 10.500 trabalhadores perderão o emprego, principalmente os jovens. A ILVA nasceu como empresa estatal na década de 60. No boom dos anos 70 e 80, eram inúmeros os italianos cujos empregos estavam relacionados à siderúrgica, a ponto de Rinaldo Melussi, o prefeito de Taranto, chamar a cidade de “Milão do Sul”.
Meio ambiente e saúde
Em 1995, a família Riva, uma produtora de aço italiana, adquiriu a fábrica. Mas grupos ambientalistas e promotores denunciaram os abusos para o ambiente e a saúde
Estes abusos levaram a Itália a embargar bilhões de euros em ativos da ILVA, e, em 2014, o governo assumiu a fábrica. Foi criado então um escudo legal para proteger seus novos operadores que tentavam despoluir as instalações. Por fim, o Governo decidiu procurar um comprador privado que recuperasse a fábrica. E encontrou a ArcelorMittal.
Em novembro de 2018, a companhia concordou em alugar o complexo por 45 milhões de euro (US$ 50 milhões) por trimestre. Isto deveria levar à sua aquisição por 1,8 bilhão de euros. A ArcelorMittal também se comprometeu a investir 2,4 bilhões de euros na sua modernização e na limpeza ambiental. E concordou em manter 10.700 empregos por cinco anos, ou pagar uma parte maior destes salários e pesadas multas por trabalhador demitido.
A disposição do governo a conceder-lhe imunidade na questão dos problemas ambientais estava no centro do acordo, explicou Paul Weigh, um porta-voz da ArcelorMittal. Mas o mercado global do aço caiu, as autoridades embargaram um cais do porto crucial para a importação de matérias-primas. Por isso, a fábrica produziu quatro milhões de toneladas de aço no ano passado, muito abaixo do volume necessário para conseguir lucrar.
Então, em abril, o governo, liderado pelo movimento populista Cinque Stelle (Cinco Estrelas), anunciou planos para acabar com o acordo de imunidade. A proteção expirou no dia 3 de novembro, e a companhia divulgou no dia seguinte que se retiraria da fábrica. O governo entrou com uma ação judicial.
“É uma loucura total”, disse Carlo Calenda, que orquestrou o acordo original em 2017 como ministro do Desenvolvimento Econômico. “Explicar o que está acontecendo na ILVA não poderia explicar melhor a crise italiana”.
No fim de dezembro, as duas partes concordaram com as condições de novas negociações, mas o destino do complexo permanece no limbo. “Todo mundo está apavorado”, disse Emanuele Palmisano, sindicalista local que trabalhou na fábrica por 21 anos.
Segundo Barbara Lezzi, parlamentar Cinque Stelle, a imunidade não fazia parte do acordo inicial e, por outro lado, a ArcelorMittal estava usando a sua retirada como álibi para sair.
Weigh, o porta-voz da ArcelorMittal, afirmou que a companhia havia “cumprido cada um dos compromissos no que concerne o plano ambiental, aprovado pelo governo italiano”.
'Não é outro Chernobyl'
Alguns moradoresdeclararam que estavam cansados das promessas do Cinque Stelle. “Eles nos fizeram de bobos”, afirmou Ignazio D’Andrea, de 58 anos. Ele lembra que acordava quando criança com o pó em seu rosto e no travesseiro. “Nós dormíamos com as janelas abertas, e não tínhamos noção disso”.
Segundo, o prefeito Melucci,apesar das consequências negativas para a saúde, o complexo “não é outro Chernobyl”. Também afirmou que queria atrair outras indústrias na cidade. “Se eles resolverem o caso da ILVA, a Itália poderá se recuperar”, declarou. “Se fecharem, será o começo de um grande declínio para o país”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA