‘Pessoas antivacina fizeram minha dor viralizar’, relata mãe que perdeu filho durante a pandemia

Há um custo humano para a desinformação e muita gente ganhando dinheiro com isso

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Por Amanda Makulec
5 min de leitura

THE NEW YORK TIMES - LIFE/STYLE - Eu fui uma das muitas mulheres que tiveram um bebê na pandemia. Poucas pessoas me viram grávida, e menos ainda conheceram meu segundo filho, ou conhecerão. Em setembro de 2021, com apenas 3 meses de idade, meu filho morreu. Ele foi um dos bebês mais felizes e de olhos brilhantes que conheci e passou todos os dias de sua curta vida amado e adorado.

No dia em que isso aconteceu, compartilhei a notícia de sua perda em um breve post no Twitter. O impulso de compartilhar era de proteção. Como alguém ativa nas redes sociais, queria evitar a pergunta inevitável de amigos e conhecidos: como está seu bebê?

Em um dia, um estranho revisou meus tuítes antigos e encontrou a confirmação de que eu havia sido vacinada contra a covid-19 durante a gravidez. Essa pessoa criou uma imagem dos meus tuítes lado a lado: uma de julho onde compartilhei meu alívio por ter sido vacinada durante a gravidez e outra de setembro com a história da minha perda. Um estranho escreveu “segura … e eficaz” ao lado das capturas de tela, sugerindo que minha vacinação na gravidez causou a morte do meu filho. A implicação captada nesta imagem, que perdura em vários cantos da internet, é uma mentira: a autópsia não mostrou nenhuma ligação entre a morte do nosso filho e quaisquer vacinas.

Amanda Makulec engravidou durante a pandemia e perdeu seu filho com três meses de vida. Negacionistas usaram sua perda para questionar eficácia das vacinas e a chamaram de assassina.  Foto: Greg Kahn para o The New York Times

Perder um filho é um dos maiores medos dos pais; parece insondável até você se encontrar nessa terrível minoria estatística. No entanto, a resposta imediata de muitas pessoas ao falso enquadramento de nossa história muitas vezes não foi de conforto, mas perguntas sobre o que eu fiz para causar uma tragédia tão terrível.

Eu não esperava que o momento de minha mais profunda tristeza e dor fosse armado contra mulheres grávidas e vacinas que poderiam protegê-las das piores consequências da covid-19. A justaposição das duas imagens parecia uma violação do espaço que meu marido e eu precisávamos para sofrer. Misturados aos e-mails com condolências, havia mensagens como: “Você sabia que está no Reddit?” A apropriação indevida de nossa perda me deixou com raiva. A percepção de que as pessoas ainda podem ver pedaços da minha história e serem influenciadas em suas escolhas de saúde dói, tanto como mãe quanto como profissional de saúde pública. O custo humano dessa desinformação continua.

Dediquei minha carreira à criação de visualizações responsáveis de dados de saúde pública. Escrevi e falei sobre como é fundamental tornar os dados da covid-19 claros e compreensíveis, especialmente considerando como é fácil ser influenciado por experiências pessoais ou anedotas online. É por isso que ver nossa perda deturpada com tanta ousadia, além de divulgada tão amplamente, para promover outras agendas, foi tão doloroso.

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Eu me senti frustrada porque parecia haver pouco que eu pudesse fazer para impedir a propagação das mentiras. Também senti profunda tristeza pelas mulheres grávidas que podem ter visto o relato enganoso da morte de nosso filho e sentiram medo e hesitação em relação à vacinação em um momento em que eram mais propensas a adoecer de covid.

No outono (setentrional) do ano passado, os dados populacionais do V-safe, um verificador de saúde pós-vacinação dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças, e outros estudos mostraram esmagadoramente os benefícios da vacinação durante a gravidez. Dados mais recentes indicaram que ter covid-19 durante a gravidez aumenta o risco de parto prematuro ou natimorto; outros estudos mostraram que ser vacinada não aumenta o risco de resultados negativos para a mãe ou o bebê. Apesar da vacinação ser segura para mulheres grávidas, elas foram subvacinadas no início da pandemia em comparação com a população em geral.

Há toda uma economia digital dedicada à disseminação de informações falsas convincentes. Histórias parecem mais pegajosas do que gráficos. As mídias sociais permitem uma rápida amplificação e compartilhamentos, enquanto os sites preservam histórias e anedotas em páginas com curadoria. Nas semanas após a morte de nosso filho, um colega e outras pessoas gentilmente monitoraram minhas contas de mídia social para limitar minha exposição ao ódio e ao assédio. Eles relataram e documentaram comentários quando valiam a pena, enquanto outros trabalharam para retardar a propagação da mentira e denunciar casos de bullying. O proprietário de um site com quem entramos em contato com uma solicitação para remover a postagem de um blog respondeu que nunca aceitaria isso. Ele nos disse que a maioria dos leigos “não entende o trabalho que envolve a criação de conteúdo”. As pessoas estavam ganhando dinheiro com aquela imagem, por meio de cliques e compartilhamentos, enquanto nós tínhamos recursos limitados.

Afastar-se das mídias sociais foi a escolha certa na época, mas também senti falta das mensagens de apoio, amor, condolências e empatia, principalmente de outros pais que perderam bebês.

Meses após esse calvário, li mais de 400 capturas de tela. Enquanto uma grande parte dos comentários me chamou de “assassina” ou “mãe mais burra de todos os tempos”, muitos outros continham perguntas sobre os detalhes de nossa perda ou afirmavam que essa história validava seu ceticismo em relação à vacina.

Essa atribuição de culpa para explicar a perda parece ter se tornado mais comum nos últimos dois anos. Em uma matéria de abril para o The Atlantic, Ed Yong escreveu sobre os muitos americanos que perderam seus entes queridos para a covid. Ele observou uma constante em particular: muitas vezes, quando os enlutados contavam aos outros sobre sua perda, recebiam perguntas como: Eles foram vacinados? Eles tinham uma condição pré-existente?

Em uma época cheia de incógnitas, as pessoas buscam explicações sobre por que coisas terríveis acontecem e também para se assegurar de que a tragédia de uma pessoa não poderia acontecer com elas. Mas fazer isso com um desrespeito cruel à verdade, como foi feito com minha família, é uma nova norma inaceitável que é reforçada quando as pessoas pedem e compartilham informações sem pensar criticamente sobre isso. Se alguém já tem dúvidas sobre a segurança de uma intervenção médica, como uma vacina, ouvir falar de uma mulher vacinada na gravidez cujo bebê morre mais tarde pode criar um ciclo vicioso de uma confirmação infundada.

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Preciso acreditar que o mundo não está cheio de pessoas ansiosas para criar mais dor para alguém enlutado, apesar das evidências contrárias que vi.

Amanda Makulec

Talvez as pessoas estivessem procurando se confortar me culpando, como se a perda inesperada não acontecesse todos os dias. Talvez se sintam inquietas com a incerteza em torno das mudanças nas recomendações sobre a pandemia, então elas querem achar um vilão fácil, como as vacinas ou a Big Pharma. Talvez sentissem que estavam amplificando uma história não contada que as pessoas precisavam ouvir, sem considerar se os envolvidos tinham algo a dizer ou se aquilo era verdade.

A internet e as mídias sociais são espaços onde muitos de nós encontramos comunidade e conexão, tanto pessoal quanto profissionalmente. Como alguém que pensa profundamente sobre como as pessoas consomem informações, meu conselho para aqueles que querem impedir a disseminação de desinformação é fazer uma pausa e avaliar antes de se envolver e compartilhar. Pergunte: Quem fez esse conteúdo e por quê? Anedotas que vão contra dados concretos, particularmente sobre tópicos voláteis como segurança de vacinas, são frequentemente usadas para promover desinformação. É ainda mais importante ler essas histórias com uma lente crítica.

No contexto de eventos globais, ser tanto um leitor consciente como retuitar de forma consciente pode retardar a disseminação dessa desinformação. Fazer isso pode organizar nossos feeds sociais para abrir espaço para a verdade e também salvar uma família enlutada de dor e sofrimento adicionais.

Lembre-se, há pessoas reais em jogo. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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