Sim, você merece um pequeno agrado

Com a pandemia, muitas pessoas passaram a se premiar: presentes e ações para manter o bem-estar entram na lista de mimos

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Por Julia Carmel
4 min de leitura

Hoje em dia, sempre que Jules Zucker tem que realizar alguma tarefa, ela joga uma barra de chocolate Reese’s Fast Break em sua bolsa.

“Estamos vivendo uma era em que a segurança e as ‘grandes alegrias’, se preferir, não estão garantidas”, ela disse. “Então, temos que recorrer aos pequenos confortos. É quase como o hedonismo de um homem pobre.

“É sobre nos dar pequenas vitórias”, acrescentou. “Como um pequeno símbolo de resistência contra sistemas que estão nos sugando e depois nos dizendo que estamos falhando.”

Com a pandemia, o ato de se mimar se tornou uma saída para muitas pessoas em busca de equilíbrio na saúde mental. Foto: Pixabay

Zucker, uma coordenadora musical de 26 anos que mora em Nova York, é uma das muitas pessoas que estão reimaginando suas vidas para incluir mais pequenos prazeres após dois anos de planos cancelados e expectativas reduzidas.

Tracy Llanera, 35, professora de filosofia da Universidade de Connecticut que estuda o niilismo, disse que essa atitude de buscar pequenos agrados é uma das maneiras pelas quais as pessoas estão recuperando parte da liberdade e estabilidade que foram perdidas desde o início de 2020.

“Na pandemia de covid-19, a falta de controle é o que confirma que você está sofrendo de niilismo existencial”, disse Llanera.

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Em meio a esses sentimentos de desamparo e sofrimento contínuos, ela disse, as pessoas tentam encontrar prazeres consistentes e confiáveis.

“Algo sobre a cultura do agrado é que você sempre vai recebê-los regularmente”, ela acrescentou. “Você pode pelo menos contar com isso. Há uma garantia de que esse pequeno ritual que você realiza toda semana vai pelo menos saciar algo em você.”

Embora a pandemia tenha alterado os gastos e hábitos de poupança, também encorajou as pessoas a redefinir o significado de um agrado com mais frequência e criatividade. As caminhadas diárias, por exemplo, tornaram-se um mecanismo de sobrevivência para muitos trabalhadores que não se deslocavam mais para o escritório.

Em janeiro, quando Zucker postou um tuíte sobre merecer agrados, mais de 250 mil pessoas concordaram com o sentimento.

O tuíte dizia: “eu quando tenho um dia ruim: acho que mereço um pequeno agrado. Eu quando tenho um dia bom: acho que mereço um pequeno agrado.”

Mas, à medida que o tuíte viralizou, Zucker teve receio que as pessoas o interpretassem como um endosso do capitalismo.

“Esse tuíte foi postado por muitas marcas, o que eu achei meio chato”, ela disse. “Porque, em primeiro lugar, eles não me pagaram. E em segundo lugar, eu pensei, ‘Não, isso não é para você.’ Tipo, saia daqui! Não estou tentando ajudá-lo a vender produtos.”

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“Acho que um agrado pode ser algo que você faz por si mesmo”, acrescentou, “não apenas algo que você compra”.

Greyson Imm, um estudante de 16 anos da área metropolitana de Kansas City, no Kansas, foi uma das centenas de pessoas que responderam ao tuíte de Zucker, escrevendo que “o complexo industrial ‘como um agrado...’” está arruinando seu orçamento e validando seu hábito de tomar chai gelado.

“Tornou-se uma constante na minha vida, e é por isso que me expressei dizendo ‘o complexo industrial do agrado’”, disse Imm. “Parece meio sério, mas é realmente, em essência, alegre e uma boa maneira de me animar ou comemorar algo bom.”

Essa mudança em direção à cultura do agrado significa que, fora das compras caras - e fora da indústria multibilionária de autocuidado - as pessoas estão encontrando pequenas e grandes maneiras de se alegrar a cada dia.

Madison Butler, 30, vice-presidente de uma empresa de vidraria, disse que a pandemia a encorajou a se satisfazer com agrados maiores.

“Um agrado, para mim, nem sempre é um item caro; às vezes é como, ‘eu quero rangum de caranguejo’ ou ‘eu vou caminhar uma hora e apenas me sentar à beira da água em paz’”, disse. “Mas sou uma grande defensora de que as mulheres negras merecem luxo.”

“Divido meu tempo entre Austin e Rhode Island, o que fazia parte dos agrados a mim mesma”, disse Butler, descrevendo uma das muitas maneiras pelas quais sua vida mudou desde o início da pandemia. “O melhor agrado é estar em um lugar que seja bom para minha saúde mental.”

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Gretchen Rubin, 56, escritora e apresentadora de podcast que estuda felicidade e formação de hábitos, disse que os agrados sempre surgiram em seu trabalho, mas a pandemia deu a eles um novo senso de urgência.

“Muitas pessoas estão justificando assim: ‘Por conta de tudo o que está acontecendo; por conta do que foi exigido de mim; por conta de tudo o que não pude fazer; Eu preciso disso. Eu mereço um agrado”, disse Rubin.

Mas nem todos os agrados são iguais. Moderação, disse Rubin, é o que mantém os agrados saudáveis e especiais.

“As palavras cruzadas são o agrado do meu marido, e ele não se arrepende disso”, disse Rubin. “Mas se ele fizesse isso sete horas por dia, ele poderia se arrepender.”

Reconhecer o momento como algo especial é fundamental, sugere Rubin.

“Você tem que dizer que é um agrado; você tem que saber que é um agrado”, ela disse . “Se você fizer isso sem pensar e não comemorar como um agrado, não terá o benefício disso.”

Bettina Makalintal, uma repórter de 29 anos da Eater, disse que sempre gostou de se agradar, mas trabalhar em casa tornou mais fácil ter tempo e espaço para cuidar de si mesma.

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“Uma grande mudança nessa ideia de agrados é tratar as tarefas cotidianas e mundanas como se fossem agrados”, ela disse.

“Se eu for caminhar para tomar um café, não é apenas uma caminhada; é um passeio”, acrescentou Makalintal. “Uma espécie de mudança na forma como estou vendo tudo, para que pareça algo que eu quero fazer em oposição a algo que tenho que fazer.” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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