A movimentação é a de sempre: ofertas aos gritos, camelôs vendendo games a R$ 10 e aparelhos chineses mirabolantes. A Santa Ifigênia é um dos maiores centros comerciais em São Paulo e o paraíso dos eletrônicos – de cabos a computadores de última geração. O iPad, por exemplo, chegou lá três meses antes de ser lançado no Brasil. Mas, agora, os dias de Santa Ifigênia barulhenta podem estar contados.
O Projeto Nova Luz, que promete remodelar essa região do centro, prevê obras e demolições ali. O plano é transformar os arredores da Santa Ifigênia em polo tecnológico. “É uma região que atrai e emprega muita gente. O objetivo é valorizar o potencial”, explicou ao Link Miguel Luiz Bucalem, secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo. “O projeto não é derrubar as 45 quadras da área. É requalificar a região a partir de suas características. E uma delas é o eixo da Santa Ifigênia.”
A ideia de instalar um polo tecnológico ali não é nova. A Prefeitura de São Paulo criou incentivos para empresas de tecnologia se instalarem lá em 2005. Já estão credenciadas 21 delas, como Microsoft e IBM. Elas terão incentivos como abatimento de IPTU e ISS. Quando o projeto Nova Luz começou, em 2009, o consórcio responsável por ele englobou o plano do polo de tecnologia. Agora, mais editais serão abertos.
O chamado Setor Timbiras, onde está prevista a instalação das empresas e da Escola Técnica Estadual, terá um parque linear, com praças e ciclovia. É bonito, mas preocupa os lojistas. Há duas semanas, eles organizaram uma passeata contra o projeto e chegaram a interromper uma audiência pública.
Muitos prédios da área serão demolidos – a prefeitura diz que “fará o possível” para manter quem é da região ali depois das obras. Mas, segundo lojistas, não há garantia de que eles poderão voltar quando tudo estiver pronto. “Estamos brigando para que se mantenha o fluxo da região. Já antecipamos muita tecnologia. O que você não acha em qualquer lugar, acha aqui. Se sair daqui, para onde vai?”, questiona Joseph Riachi, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas da Santa Ifigênia.
Não é preciso nenhuma revitalização para que as empresas percebam a importância da rua. No ano passado, a Nvidia vendeu 1,4 milhão de unidades de processamento gráfico (GPUs) no Brasil; 6% das vendas foram ali. “É uma região reconhecida por abrigar hardware de última geração”, diz Richard Cameron, diretor geral da Nvidia no Brasil. A empresa tem parceria com uma loja, em que um atendente explica os produtos. A Intel mantém ali um estande com material promocional, computadores e atendentes treinados para fazer demonstrações. “As lojas lá têm o perfil de adotar a tecnologia mais rapidamente”, diz Vanessa Martins, responsável pelo marketing de canais da Intel.
O comércio de produtos piratas ou de procedência duvidosa continua. Pendrives de 128 GB por R$ 60, celulares para quatro chips com um mês de garantia e softwares e games piratas são vendidos às baciadas. Mas Joseph Riachi, dono de várias lojas da região, diz que isso é exceção. “É impossível conter a pirataria, porque todos os que começam pequenos têm esse pensamento. Mas para sobreviver aqui é preciso se legalizar por completo”, explica, garantindo que 90% do comércio local é legalizado.
A prefeitura diz que o modelo de comércio de rua será mantido. “Tentaremos criar condições para que as pessoas permaneçam na Santa Ifigênia”, diz Bucalem. “É um projeto que busca mais acrescentar do que alterar. É manter o padrão que já existe”, diz Luis Ramos, coordenador técnico do projeto de revitalização. Ele explica que as lojas continuarão nos térreos. E os andares superiores dos prédios serão ocupados por escritórios.
Os comerciantes se queixam de não terem sido ouvidos na elaboração do plano. O que está em discussão é um pré-projeto, disponível para consulta e debate em audiências públicas – como a que virou confusão há duas semanas. “Por mais esforço que façamos, não podemos conhecer a área com a mesma profundidade das pessoas que estão lá há 40 anos. Mexer em 45 quadras sem conversar é impossível”, diz o secretário. O projeto ainda não está fechado – longe disso. A prefeitura diz que ele é prioritário, mas que “não há pressa”.
—- Leia mais: • Link no papel – 07/02/2011