Para a ciência, a sua opinião pessoal não importa muito. Objetos soltos no ar continuarão caindo no chão mesmo que você não acredite na lei da gravidade. A terra continuará redonda mesmo que você ache que ela é plana.
O negacionismo científico é, na melhor das hipóteses, irrelevante e, na pior das hipóteses, desastroso. Mesmo assim, nas últimas semanas, o governo Trump tem implementado medidas que indicam uma clara opção pelo obscurantismo.

Ao reassumir a Casa Branca, Trump assinou ordens executivas que retiraram o país do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde (OMS). O governo também orientou agências como os Institutos Nacionais de Saúde (NIH), a Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) a suspenderem todas as comunicações públicas, incluindo relatórios científicos e divulgações de dados de saúde.
Além disso, a nomeação de figuras caricatas, como Robert F. Kennedy Jr. e Jay Bhattacharya, para cargos estratégicos como o Ministério da Saúde e o NIH, foi feita com a intenção clara de comprometer a integridade das políticas de saúde e a continuidade dos projetos de pesquisa baseados em evidências.
E tudo isso aconteceu ao mesmo tempo em que Trump anunciou um projeto de investimento de meio trilhão de dólares em inteligência artificial (IA), conhecido como projeto Stargate.
O desastroso é que, à medida em que a IA comece a revolucionar todas as áreas da ciência, a interdisciplinaridade será mais importante do que nunca. A IA não é uma entidade autônoma, ela depende de dados e estratégias construídas por múltiplas áreas do conhecimento.
Na biologia, por exemplo, algoritmos não têm a capacidade de confirmar experimentos nem de realizar a reprodução de resultados. Modelos preditivos podem identificar padrões e correlações, mas sem validação empírica, continuam sendo apenas hipóteses estatísticas.
Na epidemiologia, algoritmos de machine learning conseguirão otimizar a alocação de recursos e predizer a incidência de doenças, mas sem especialistas para interpretar os dados no contexto social e ambiental, há o risco de reforçarem desigualdades.
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A filosofia também terá um papel cada vez mais importante na era da IA. A questão ética, tema urgente em debates sobre a possível emergência de uma consciência artificial e até do livre-arbítrio, requer diálogo frequente com as ciências humanas para mitigar possíveis riscos existenciais.
Sem a colaboração de especialistas que compreendam, complementem e confirmem os mecanismos identificados por IA, os algoritmos levarão a interpretações equivocadas e a vieses preexistentes. A ciência avança por meio da diversidade de perspectivas e curiosidade permanente. O obscurantismo, por outro lado, só leva à estagnação.