RECIFE – Desde que nasceu, há sete anos, Clara lida com as consequências de um erro médico que lhe causaram paralisia cerebral. Nesse curto período, ela fez muito. Foi a primeira brasileira a buscar tratamento com células-tronco na China, motivou a construção de uma clínica de fonoaudiologia e fisioterapia na capital pernambucana, e foi a razão da criação do aplicativo Livox, voltado para permitir que pessoas como ela possam se comunicar.
VEJA MAIS:• Cena de startups do Recife passa por renovação• Animação infantil feita no Recife explode na internet e quer virar série na TV
Carlos Pereira, pai de Clara, foi quem desenvolveu, em 2013, o app, premiado no início de fevereiro pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o desenvolvimento mais inclusivo do mundo, prêmio disputado pelo também recifense Colab.
“A Clara não fala, não anda, mas tem a inteligência normal. Ela é prisioneira do próprio corpo”, diz o pai, que estou programação Java por conta própria para construir o software. “Quando fui procurar um software de comunicação alternativa para ela, vi que nenhum prestava. Foi então que decidi fazer um, e decidi que faria o melhor, porque seria para Clara.”
O Livox é elaborado sobre um algoritmo que adapta o software ao usuário. Isso porque as capacidades motoras de quem o usa pode variar muito. Como interpretar um toque impreciso, ou outro que se arrasta pela tela? A “inteligência” dada à solução permitiu que ele pudesse ser usada por pessoas com dificuldades diversas, como autismo, deficiência visual ou auditiva.
O software reproduz em áudio textos digitados através de teclado virtual ou oferece a construção de orações como “Eu quero…” seguido de opções como “brincar”, “almoçar”, que, por sua vez, são sucedidos de botões com imagens e textos como “esconde-esconde” ou “macarrão”, respectivamente.
O software chamou atenção e passou a ser utilizado em diversas clínicas. “Isso ganhou proporções gigantescas. E chegam muitos relatos pra gente. Teve o caso de um menino que foi ver o Papai Noel e usou o Livox para, pela primeira vez, pedir um presente de Natal. A mãe dele chorou, tirou foto e mandou pra gente. Isso não tem preço.”
Em dezembro passado, a equipe do Livox, que hoje conta com 10 pessoas, parte delas dentro do Porto Digital, incluindo o sócio Paulo Henrique Rodrigues, ganhou um prêmio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) disputado por startups com soluções voltadas para a melhora de qualidade de vida.
Dois meses depois, viria a premiação da ONU em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, que avaliou cerca de 20 mil aplicativos, de 178 países. O ocasião rendeu a Carlos e sua equipe a possibilidade de levar a solução de Recife para o mundo.
A internacionalização começa atendendo a um pedido da Liga Árabe, que já traduziu o Livox para o idioma e deve levar o software para todos os países da organização neste ano. A startup pernambucana tem ainda reuniões marcadas com os governos do Japão e da África do Sul, ambos interessados na aplicação. Hoje, o software já está disponível em 25 idiomas.
E por aqui? “No Brasil, o projeto já foi apresentado no Senado, mas a adoção do Livox parou no MEC, parece. Por enquanto, quem está de fato adquiriu e o está é a Prefeitura de Recife e o Hospital das Clinicas, em São Paulo.
Hoje, o aplicativo funciona apenas em tablets Android, mas deve se tornar compatível com Windows 8 e 10 (em computadores e tablets com tela touch) e iPad (iOS).
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.