Na discussão sobre energia e sustentabilidade, é sabido que os centros de processamento de dados são cada vez mais ávidos por energia e a inteligência artificial (IA) é uma das vilãs. Mesmo esse fato inequívoco tem que ser tomado “com um grão de sal”, para não cairmos na armadilha do “discurso”: alguns valores apregoados equivalem a porções significativas do que uma grande usina hidrelétrica pode gerar.
Itaipu, por exemplo, que já foi a maior usina do mundo, gera ao redor de 14 GW e cada um de seus 20 geradores responde por 700 MW, aproximadamente o consumo de uma cidade de 1.5 milhão de habitantes. Quando ouvimos falar de “data centers” com 700 MW, o consumo de uma cidade do tamanho de Recife ou Porto Alegre estaria concentrado num único prédio.
Bem, numa época de narrativas, IA não poderia ficar imune: se é fato que IA pede quantidades enormes de energia, que a ela seja atribuído o consumo de grandes quantidades de água, parece suspeito. Sim, a água é o fluido mais usado para remover o calor de dentro dos componentes. Mas essa água, que entra fria e sai quente, continua água! E em qualquer instalação minimamente racional, após resfriada externamente, ela volta ao ciclo. Assim, o alerta sobre o enorme consumo de energia não precisa ser “apimentado” com um mítico “consumo” de água…

Numa outra vertente, há a discussão da substituição completa do humano com processos decisórios tocados pela IA. É um risco latente mas, por enquanto, parece exagerado. A prioridade atual das LLM é gerar respostas que sejam fluentes e verossímeis, mesmo que de exatidão discutível. Isso irá evoluir e há cada vez menos respostas absurdas, mas estamos longe de repassar a decisão à IA.
Recentemente destacou-se a capacidade da IA em mimetizar a fala de um indivíduo. Imitar o timbre de alguém facilita armar golpes: se ouvirmos, na inflexão de voz típica de um parente, um pedido de ajuda, podemos estar caindo numa ardilosa arapuca. E aqui é importante sempre voltar às bases: no mundo real busca-se evitar a fraude de identidade fazendo o reconhecimento unívoco do interlocutor, com senhas, dados biométricos etc. Parece prudente que esse tipo de constatação seja viável também com a IA. Em outras palavras, a IA se passar por alguém já parece, em si, um caso de fraude de identidade, como ocorreria no mundo analógico se alguém passasse por outro.
Um sistema de IA deveria, por construção, deixar claro em qualquer interação que se trata de um ente virtual. Nos velhos filmes de ficção, a voz dos robôs era distintiva. Talvez seja o caso de, sem mexer em suas capacidades atuais, incluir a necessidade de que a auto-identificação seja obrigatória. Afinal, quero saber se quem está me aconselhando ou discutindo é meu conhecido amigo ou uma IA.
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De qualquer forma, a corrida pela tecnologia lembrou-me o poema Ítaca, de K. Kaváfis. O caminho para chegar à IA pode ser longo e aventuroso, como foi a busca de Ítaca. E pode ser que, ao chegarmos, encontremos algo bem diferente e abaixo do que esperávamos. Sigamos otimistas e audaciosos: “Ítaca te deu essa beleza de viagem. Nada mais precisa dar”.