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Opinião | Desenvolvimento da IA ainda pode trazer resultados muito diferentes do que o mundo imagina

Utilização das IAs traz outras discussões à tona além da substituição do trabalho humano

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Foto do author Demi  Getschko
Atualização:

Na discussão sobre energia e sustentabilidade, é sabido que os centros de processamento de dados são cada vez mais ávidos por energia e a inteligência artificial (IA) é uma das vilãs. Mesmo esse fato inequívoco tem que ser tomado “com um grão de sal”, para não cairmos na armadilha do “discurso”: alguns valores apregoados equivalem a porções significativas do que uma grande usina hidrelétrica pode gerar.

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Itaipu, por exemplo, que já foi a maior usina do mundo, gera ao redor de 14 GW e cada um de seus 20 geradores responde por 700 MW, aproximadamente o consumo de uma cidade de 1.5 milhão de habitantes. Quando ouvimos falar de “data centers” com 700 MW, o consumo de uma cidade do tamanho de Recife ou Porto Alegre estaria concentrado num único prédio.

Bem, numa época de narrativas, IA não poderia ficar imune: se é fato que IA pede quantidades enormes de energia, que a ela seja atribuído o consumo de grandes quantidades de água, parece suspeito. Sim, a água é o fluido mais usado para remover o calor de dentro dos componentes. Mas essa água, que entra fria e sai quente, continua água! E em qualquer instalação minimamente racional, após resfriada externamente, ela volta ao ciclo. Assim, o alerta sobre o enorme consumo de energia não precisa ser “apimentado” com um mítico “consumo” de água…

Avanço das IAs envolve questões como sustentabilidade e segurança de dados pessoais Foto: Sergio Barzaghi /Estadão

Numa outra vertente, há a discussão da substituição completa do humano com processos decisórios tocados pela IA. É um risco latente mas, por enquanto, parece exagerado. A prioridade atual das LLM é gerar respostas que sejam fluentes e verossímeis, mesmo que de exatidão discutível. Isso irá evoluir e há cada vez menos respostas absurdas, mas estamos longe de repassar a decisão à IA.

Recentemente destacou-se a capacidade da IA em mimetizar a fala de um indivíduo. Imitar o timbre de alguém facilita armar golpes: se ouvirmos, na inflexão de voz típica de um parente, um pedido de ajuda, podemos estar caindo numa ardilosa arapuca. E aqui é importante sempre voltar às bases: no mundo real busca-se evitar a fraude de identidade fazendo o reconhecimento unívoco do interlocutor, com senhas, dados biométricos etc. Parece prudente que esse tipo de constatação seja viável também com a IA. Em outras palavras, a IA se passar por alguém já parece, em si, um caso de fraude de identidade, como ocorreria no mundo analógico se alguém passasse por outro.

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Um sistema de IA deveria, por construção, deixar claro em qualquer interação que se trata de um ente virtual. Nos velhos filmes de ficção, a voz dos robôs era distintiva. Talvez seja o caso de, sem mexer em suas capacidades atuais, incluir a necessidade de que a auto-identificação seja obrigatória. Afinal, quero saber se quem está me aconselhando ou discutindo é meu conhecido amigo ou uma IA.

De qualquer forma, a corrida pela tecnologia lembrou-me o poema Ítaca, de K. Kaváfis. O caminho para chegar à IA pode ser longo e aventuroso, como foi a busca de Ítaca. E pode ser que, ao chegarmos, encontremos algo bem diferente e abaixo do que esperávamos. Sigamos otimistas e audaciosos: “Ítaca te deu essa beleza de viagem. Nada mais precisa dar”.

Opinião por Demi Getschko

É engenheiro eletricista

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