
Mesmo com a disputa geopolítica entre Estados Unidos e China e a indefinição do posicionamento do Brasil nessa briga, a fabricante chinesa de aparelhos de telecomunicações Huawei se diz confiante de que continuará a operar sem restrições no mercado nacional. "Eu acredito que o Brasil é um mercado justo e aberto. E acredito que continuará sendo no futuro", enfatizou o presidente local da Huawei, Sun Baocheng, em entrevista ao Estadão/Broadcast. "Estamos confiantes em permanecer."
O executivo concedeu uma entrevista por videochamada feita do prédio-sede da companhia, na zona sul de São Paulo. Na conversa, afirmou que o mercado brasileiro é importante para a multinacional, e que tem mantido os investimentos mesmo sem que o presidente Jair Bolsonaro tenha se decidido se vetará ou não a atuação da empresa no País. Só no ano passado, foram aportados R$ 627 milhões no mercado local, afirmou.
Baocheng defendeu a companhia das acusações feitas pelos Estados Unidos sobre espionagem e roubo de dados a mando de Pequim. "A Huawei nunca recebeu nenhum pedido do governo chinês para fornecer dados", frisou.
No entanto, o presidente norte-americano Donald Trump tem feito, pessoalmente, lobby para que vários países vetem a participação da fabricante chinesa no 5G. A medida surtiu efeito e desembocou em restrições à atuação da empresa no Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Índia e Japão.
No Brasil, não existe impedimento para a Huawei surfar a onda do 5G. O Gabinete de Segurança Institucional já listou os requisitos mínimos de segurança cibernética que devem ser adotados na implantação das redes 5G e não fez nenhum veto à presença da multinacional. Mas a decisão final caberá a Bolsonaro, e deve levar em conta aspectos geopolíticos.
Enquanto isso, as teles (Vivo, Claro, TIM e Oi) seguem trabalhando com a Huawei. A Vivo, inclusive, já usa equipamentos da chinesa nas primeiras redes comerciais de 5G. Em geral, as operadoras temem que, sem a chinesa, o mercado brasileiro fique com apenas dois grandes fornecedores de equipamentos - a sueca Ericsson e a finlandesa Nokia - o que poderia reduzir a competição e aumentar os custos de operação. "Quem vai pagar esta conta? As pessoas, os brasileiros", argumentou Baocheng.
A seguir os principais trechos da entrevista.
A pandemia provocou um aumento no consumo de dados nas redes globais. Como foi o comportamento nas redes da Huawei no mercado brasileiro?
O tráfego aumentou muito em comparação com o período anterior, principalmente na banda larga doméstica, já que a maioria das pessoas está em casa, usando mais os computadores. Na internet móvel, o tráfego mudou das grandes cidades para as cidades pequenas. Em paralelo, as operadoras prepararam todos os equipamentos para garantir que as redes funcionem muito bem. As pessoas precisam dessas redes para sua rotina diária no trabalho e na educação.
Qual a participação do mercado brasileiro nas receitas globais da Huawei?
Infelizmente, não posso divulgar esses dados. Mas posso dizer que o mercado brasileiro é muito importante para a Huawei tanto na América Latina quanto para nossa operação global. Estamos há 22 anos no Brasil. A Huawei é parceira de todas as grandes operadoras e provedores de internet no País. Nossas soluções atendem 95% da população brasileira e estão em todos os Estados. Hoje no País temos 1.200 funcionários e geramos mais de 15.000 outros empregos indiretos.
O presidente Jair Bolsonaro ainda não confirmou se a Huawei enfrentará restrições para permanecer no Brasil como fornecedora da tecnologia 5G. Como vocês lidam com essa incerteza? Isso pode adiar ou cortar investimentos no Brasil enquanto permanece a indefinição?
Eu acredito que o Brasil é um mercado justo e aberto. Posso dividir com você alguns dos nossos números do ano passado: em 2019, pagamos R$ 1,4 bilhão de impostos e nossos investimentos em compras locais foram de R$ 627 milhões. Continuamos investindo no Brasil. Temos dois centros fabris, um em Manaus e outro em Sorocaba (SP). Também contamos com cinco escritórios, em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Recife. A Huawei tem um compromisso de longo prazo com o desenvolvimento local.
O fato de Bolsonaro ter um alinhamento ideológico com Trump, que tenta cercear a Huawei, pode ser uma barreira para a companhia continuar trabalhando com o 5G por aqui?
Acredito que o Brasil é um mercado justo e aberto. E acredito que continuará sendo no futuro. Acho que esse ambiente competitivo é muito importante, não só para a Huawei, mas também para outras empresas, para outras indústrias. Acho que isso é bom para o Brasil e bom para o povo brasileiro. Isso é justo para todos. O Brasil precisa estar preparado para o 5G contando com as melhores soluções internacionais disponíveis.
Então, os investimentos não foram suspensos?
Não. Já testamos com sucesso a tecnologia 5G com todas as operadoras, seguindo todas as regulamentações internacionais e nacionais. Como um importante player do setor de telecomunicações e parceiro de todas as operadoras e também dos provedores, estamos confiantes em permanecer nesta posição.
A Huawei já está trabalhando com a Telefônica Vivo na ativação do 5G em redes comerciais neste ano. Como estão as negociações com as demais operadoras (Claro, TIM, Oi) para implementação da nova tecnologia?
O Brasil deve fazer leilão 5G no ano que vem. Mas quero esclarecer um conceito. 4G e 5G têm algumas conexões. A Huawei é a principal provedora de rede 4G no Brasil. Esses parceiros, no futuro, podem facilmente atualizar suas redes para 5G com a Huawei. No entanto, com uma restrição, todas as operadoras teriam um alto custo. Também atrasaria a chegada do 5G ao Brasil. Quem vai pagar esta conta? Os brasileiros, as pessoas. Por isso acredito que o Brasil vai tomar a decisão certa. É um mercado justo e aberto.
A permanência da Huawei no Brasil também passa por uma avaliação de aspectos de segurança cibernética. Como o senhor responde às acusações dos Estados Unidos de que a rede da companhia pode ser colocada a serviço de espionagem do governo chinês?
Tenho três pontos aqui. Primeiro, na lei chinesa não existe requerimento para empresas chinesas com operações fora da China fornecerem dados para o governo. A Huawei nunca recebeu nenhum pedido do governo chinês para fornecer dados. Em segundo lugar, nossa rede opera muito bem e nunca tivemos suspeitas ou casos desse tipo em 22 anos de atuação no Brasil. O terceiro ponto é que todos os fornecedores na indústria de telecomunicações têm que trabalhar conforme o padrão internacional. Existe um padrão internacional para o setor - não só para Huawei, para todos os players, todos devem estar em conforme com as regras internacionais. E, na verdade, o 5G é mais seguro que o 4G.
Apesar dessas afirmações, há países que restringiram a presença da Huawei.
Quero ressaltar que segurança cibernética e proteção da privacidade são nossas principais prioridades. Garantimos a segurança do 5G para operadoras com produtos e serviços confiáveis. A Huawei segue todos os protocolos internacionais. Temos laboratórios de cibersegurança na China e na Bélgica, além de centros regionais na Inglaterra, Canadá e Alemanha. Nenhum deles nunca registrou casos de backdoors (vulnerabilidades na segurança do sistema). Então, todas as nossas soluções estão disponíveis para serem testadas por governos e empresas.