O que explica a rápida aproximação entre Trump e as gigantes da tecnologia?

Afrouxamento de regulação, contratos públicos e incentivos estão entre os atrativos que rapidamente botaram de joelhos as principais empresas de tecnologia do planeta

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Por João Pedro Adania

Desde a eleição de Donald Trump, os principais representantes das grandes empresas de tecnologia iniciaram um processo de rápida aproximação com o republicano, que inicia o segundo mandato nesta segunda, 20. Mas quais as motivações de um setor, que nas últimas décadas parecia mais inclinado ao Partido Democrata? A resposta passa pela redução de processos antitruste, maior liberdade para fusões e aquisições, sobretudo as que envolvem startups, e uma abordagem mais permissiva em relação à inteligência artificial (IA) e criptomoedas.

Os nomes mais vocais no apoio ao republicano durante a campanha foram – além de Elon Musk, dono da Tesla, X e SpaceX – o bilionário cofundador da Oracle, Larry Ellison, Peter Thiel, do PayPal, o cofundador da Andreessen Horowitz, Marc Andreessen, e o investidor David Sacks. Mas, nas últimas semanas, o time ganhou o reforço de Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Sam Altman (OpenAI) e Dara Khosrowshahi (Uber). Todos se encontraram ou fizeram doações milionárias para a posse do republicano.

Outras figuras influentes declaram apoio, entre elas os investidores Marc Andreessen e Ben Horowitz, cofundadores da venture capital Andreessen Horowitz. Foto: John Bazemore/AP

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Cada um desses representantes do Vale do Silício, região que abriga as principais empresas de tecnologia do mundo, buscou amparar seu apoio em garantias para seus negócios. Larry Ellison, por exemplo, confia em Trump para evitar regulações pesadas, em especial as relacionadas a práticas monopolistas. “As regulamentações antitruste durante o governo Biden foram um grande problema para empresas como a Oracle”, diz Eliana, professora e pesquisadora de tecnologia e comunicação da FAAP. “Trump promete uma abordagem muito mais flexível nesse sentido”.

E o cofundador da Oracle já viu que seu apoio não foi em vão. Dias antes da eleição, Trump avisou que demitiria Lina Khan, que no comando da Comissão Federal de Comércio, supervisionou uma série de ações antitruste contra gigantes da tecnologia.

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Outro fator que motiva a rápida conexão entre Big Tech e Trump são as oportunidades comerciais com o governo. “Larry Ellison e outros do setor têm interesses claros em contratos governamentais, especialmente no que diz respeito a serviços em nuvem e bancos de dados para grandes operações do governo”, explica Loureiro.

Musk é um dos grandes interessados em contratos público, em especial para Tesla e SpaceX. “As empresas dele podem se beneficiar com incentivos para eletrificação. Então, investimentos massivos em infraestrutura de carregamento de veículos elétricos e produção de baterias podem se beneficiar”, diz André Miceli, fundador e diretor executivo da Infbase e professor da FGV. Sobre a SpaceX, que lidera a nova corrida espacial, ele diz: “Pode ser que a SpaceX receba mais contratos governamentais, aumentando essa dominância no setor espacial.”

Musk é um dos grandes interessados em contratos público, em especial para Tesla e SpaceX Foto: Haiyun Jiang/NYT

Nesse papel de prestador de serviço ao governo americano está Peter Thiel, cofundador do PayPal e da Palantir Technologies, uma empresa de software e análise de dados que mantém acordos milionários com o governo na área de segurança. “Thiel se alinha com Trump em políticas protecionistas, que limitam a atuação de empresas estrangeiras e favorecem aquelas que fornecem serviços ao governo americano”, diz Loureiro. “Ele busca menos regulação em relação à coleta de dados, algo que impacta diretamente os contratos com a Palantir”.

Anteriormente, Thiel doou para a campanha de Trump, dessa vez quem garante seu acesso aos corredores da Casa Branca é o vice-presidente J.D. Vance, de quem é uma espécie de guru. Durante anos, Thiel parecia um peixe fora d’água no setor de tecnologia por demonstrar apoio à políticas mais à direita, mas agora parece encarnar o atual estado dos representantes do setor de tecnologia.

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IA e redes sociais

Entre as figuras mais conhecidas do Vale do Silício, aqueles que controlam redes sociais, modelos de inteligência artificial (IA), e fabricantes de dispositivos também buscaram um lugar ao Sol.

A preocupação da concorrência uniu Tim Cook, CEO da Apple, ao time. Mesmo discreto e explicitamente apoiador de políticas progressistas, o executivo se mantém pragmático quando o assunto é política protecionista. Inclusive, Cook viajou para o resort do presidente para jantares privados a fim de discutir o próximo mandatado.

Para quem faz inteligência artificial também deve colher frutos com Trump, segundo Loureiro. A abordagem mais permissiva em relação à regulação da IA sustenta a tese de que Joe Biden promoveu discussões sobre os riscos existenciais da tecnologia e a necessidade de maior controle que os executivos não estavam dispostos a ter. “As big techs veem a IA como uma área estratégica para expandir seus negócios, e menos regulação é vista como essencial para isso”. Inclusive, o CEO da empresa que lidera a corrida do desenvolvimento de IA generativa, a OpenAI, disse anteriormente que faria uma doação pessoal de US$ 1 milhão para a posse de Trump - ele sustenta que os EUA precisam manter a liderança no setor de IA e que, para isso, o país não pode ter regulações restritivas como na Europa.

“A IA é um pouco diferente de outros tipos de software, pois requer grandes quantidades de infraestrutura, energia, chips de computador, data centers, e precisamos construir isso aqui, e precisamos ter a melhor infraestrutura de IA do mundo para podermos liderar com a tecnologia e os recursos”, disse Altman em entrevista. “Acredito que o presidente eleito Trump será muito bom nisso.”

Outro chefão de Big Tech que jantou com o republicano em Mar-a-Lago foi Mark Zuckerberg selou a paz depois de turbulências ocorridas no mandato passado. Resultado: dono do Facebook anunciou o fim da moderação de conteúdo e checagem de informações de suas redes - duas iniciativas consideradas como “inimigas do povo” por Trump.

Para analistas, o que importa para Zuckerberg no momento é ficar ao lado do poder Foto: Andrew Caballero-reynolds/ANDREW CABALLERO-REYNOLDS

“A Meta se aproveitou de um ambiente regulatório menos rígido, de uma abordagem mais leve sobre questões de privacidade e desinformações”, diz Miceli.

Nessa ocasião, o CEO da Meta fez exatamente o que Trump sempre defendeu: “Uma ênfase menor em controles restritos de desinformação e discurso de ódio, então, é o lado oposto dessa visão de redes moderadas”, explica Miceli.

Para analistas, o que importa para Zuckerberg no momento é ficar ao lado do poder. Sua empresa vem passando por um novo período de alto escrutínio publico quanto a segurança de dados e treinamento de inteligência artificial, além disso enfrenta um processo que diz que as aquisições do Instagram e do WhatsApp ajudaram a construir um monopólio ilegal sobre as redes sociais.

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Outra sinalização feita por Zuckerberg foi trocar Nick Clegg, presidente de assuntos globais da companhia, por Joe Kaplan, um republicano conhecido por intermediar a relação da empresa com os conservadores.

Já Jeff Bezos, dono da Amazon, seguiu passos semelhantes aos de Zuckerberg. Ele teve entreveiros com Trump no passado, mas, em nome dos negócios mudou seu apoio. “A Amazon se beneficiou do boom do comércio eletrônico e do foco em infraestrutura digital”, diz Miceli. Embora tenha havido uma série de tensões entre Trump e Bezos, a Amazon cresceu bastante no primeiro mandado do republicano”.

Jeff Bezos, dono da Amazon, seguiu passos semelhantes aos de Zuckerberg. Ele teve entreveiros com Trump no passado, mas, em nome dos negócios mudou seu apoio. Foto: Anna Moneymaker/ANNA MONEYMAKER

A companhia de Bezos também pode se beneficiar porque atua no setor do entretenimento, que depende de grandes volumes de dados para personalizar conteúdo.

Criptomoedas e fintechs

Entre os representantes do capital de risco tecnológico, Marc Andreessen e Ben Horowitz, cofundadores da firma de investimentos Andreessen Horowitz, traçam seus interesses com criptomoedas e fintechs. Ambos controlam uma das principais forças que impulsionam o blockchain e tecnologias financeiras.

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“Tecnologias descentralizadoras e criptomoedas: esses investidores têm interesse em desregulamentar áreas como blockchain, criptomoedas e DeFi, aquelas decentralized finance [finanças descentralizadas]. Então, isso pode estimular novos produtos e serviços de fintech, ajudar ou, de alguma maneira, beneficiar empresas como PayPal, Square e Stripe”, diz Miceli.

Da esquerda para a direita: o CEO da Alphabet, Larry Page, a COO do Facebook, Sheryl Sandberg, o vice-presidente eleito Mike Pence, o presidente eleito Donald Trump, Peter Thiel e o CEO da Apple, Tim Cook, falam na Trump Tower, em Nova York, em 14 de dezembro de 2016. Foi uma semana de intensa atividade, com bilionários do Vale do Silício e suas empresas exibindo cheques e elogios ao presidente eleito. Foto: Kevin Hagen/NYT

Sobrou algum democrata nas Big Techs?

Embora tenha encontrado Trump, o CEO da Apple, Tim Cook, tenta reafirmar a posição da empresa em manter as políticas de diversidades da empresa, mesmo que seus vizinhos tecnológicos já tenham se desfeito delas.

Mas uma das maiores forças democratas no setor de tecnologia é discreta: Laurene Powell Jobs, de 60 anos, é viúva do fundador da Apple, Steve Jobs. Na polarizada corrida eleitoral, ela tentou costurar apoio a então candidata e vice-presidente Kamala Harris.

Mas a maior força democrata é discreta: Laurene Powell Jobs, de 60 anos, é viúva do fundador da Apple Foto: Craig Mcdean/NYT

Outro nome que tentou algum movimento nesse sentido foi o cofundador da Netflix, Reed Hasting. Mas, quando o executivo anunciou seu apoio à democrata, uma onda de cancelamentos afetou a empresa de streaming.

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Mesmo não sejam militantes do Partido Democrata, Bill Gates e Melinda French Gates mantém atuação filantrópica e com prioridades alinhadas com os democratas. Além disso, suas contribuições financeiras a candidatos e causas democratas reforçam essa associação, ainda que ambos se posicionem como figuras apartidárias. Durante a pandemia, Bill Gates virou alvo de teorias conspiratórias da extrema-direita relacionadas a vacinas.

Reid Hoffman, cofundador do LinkedIn, é um dos maiores doadores individuais para o Partido Democrata e seus candidatos. Em ciclos eleitorais recentes, ele financiou campanhas de candidatos democratas e super PACs (comitês de ação política) que apoiam causas progressistas. Algumas iniciativas contra candidatos e movimentos associados aos republicano, especialmente aqueles ligados a Donald Trump, também contaram com seu apoio.