Três anos após escândalo de privacidade, Facebook volta a abrir plataforma para pesquisadores

A prática estava vetada desde 2018, após o caso da Cambridge Analytica, em que um teste de personalidade para fins acadêmicos acabou deturpado e se transformou numa máquina de informações para a firma britânica de marketing político

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Por Bruno Romani e Giovanna Wolf
3 min de leitura
O Facebook abrirá espaço para que dados de páginas públicas, grupos, eventos e dados de posts individuaisde usuários americanos sejam usados em estudos Foto: Beck Diefenbach/Reuters

O Facebook anunciou nesta quarta-feira, 2, em seu evento para desenvolvedores, que voltou a abrir sua plataforma para que pesquisadores possam utilizar dados da rede social em estudos.

A prática estava vetada desde 2018, após o caso da Cambridge Analytica (CA), maior escândalo da história do Facebook. Nele, um teste de personalidade para fins acadêmicos acabou deturpado e se transformou numa máquina de informações para a firma britânica de marketing político - a partir disso, foram usados indevidamente os dados de 87 milhões de usuários da empresa.

Agora, com a API para pesquisadores, o Facebook abrirá espaço para que dados de páginas públicas, grupos, eventos e dados de posts individuais (chamados de post-level data) de usuários americanos sejam usados em estudos. A ferramenta estará disponível para a comunidade acadêmica ainda neste ano.

No evento desta quarta, que aconteceu virtualmente, o Facebook disse que as restrições adotadas depois do caso Cambridge Analytica tiveram um impacto na comunidade de pesquisa acadêmica, que antes tinha acesso mais amplo aos dados do Facebook. De acordo com Konstantinos Papamiltiadis, vice-presidente de parcerias de plataforma do Facebook, a API para pesquisadores permitirá novamente a análise dos dados da rede social com o objetivo de compreender a "influência da rede social na sociedade”. 

“Queríamos ter certeza de fazer isso certo e tínhamos a intenção de desenvolver os melhores produtos para apoiar os pesquisadores, e ao mesmo tempo manter os dados das pessoas seguros e protegidos”, disse o executivo. 

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Segundo Bruno Bioni, fundador e professor do Data Privacy Brasil, a reabertura pode ser positiva caso venha acompanhada de medidas para evitar abusos. "A proteção de dados não vem para restringir o acesso a informação e sim para facilitá-lo, desde que venha acompanhado de salvaguardas para evitar violações". Ele ainda acrescenta: "Estamos vivendo em um cenário no qual é preciso estudar desinformação e polarização. Precisamos entender como a esfera pública é moldada por essas ferramentas digitais".

"O compartilhamento de dados para pesquisa é essencial para serem feitas auditorias para sabermos a atuação dessas plataformas. Depois do caso CA, muitas plataformas passaram a ficar reticentes sobre o compartilhamento de informações", explica Mariana Valente, diretora geral do centro de pesquisa InternetLab. De fato, parte da comunidade acadêmica, principalmente nos EUA, reclamou em 2018 quando o Facebook cortou o acesso aos dados.  

A grande dúvida, porém, é saber se a empresa aprendeu com os erros do passado recente. A apresentação sobre a nova API deixou diversas perguntas sem resposta - ela tomou apenas 1 minuto da live de 1h27 nesta quarta e nenhuma informação ainda foi postada no site do Facebook voltado para a comunidade acadêmica. "A pergunta emergente agora é saber quais mecânismos a empresa pretende adotar para que essa ferramenta seja usada de maneira ética. É preciso saber o que eles aprenderam com o caso CA", destaca Paulo Rená, professor de direito no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e membro da ONG Instituto Beta: Internet & Democracia. 

O passado da empresa joga contra. "Na possibilidade de o Facebook ter tomado as devidas precauções, eu não vejo como impedir que abusos aconteçam, nem que seja um abuso de segundo nível. A empresa pode usar os dados de maneira ética, mas o resultado pode ser usado por terceiros de maneira abusiva. Os resultados dessas pesquisas podem ser usados para descobrir muito sobre as pessoas", diz Rená. 

"Ainda não está respondido o que é um "privacy protected environment" (como foi citado na apresentação), quais as garantias os usuários vão ter ou obrigações que os grupos de pesquisa terão, e qual o grau de granularidade das informações que estarão acessíveis", explica Mariana. 

"É preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre o compartilhamento de informações para pesquisa e o não compartilhamento de informações pessoais. Esse lugar precisa ser encontrado juntamente com as garantias de que as informações não serão usadas para outros fins", completa ela. 

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