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Inovação e cultura maker contada por mulheres

Gendered innovation: desenvolvimento tecnológico a serviço de todos

Claudia Melo é professora adjunta na UnB, Conselheira do Mulheres na Tecnologia, Aprendiz, CTO e é keynote da maior Conferência sobre Web no Brasil, a Webbr, que acontecerá esse ano nos dias 13 e 14 de outubro no Centro de Convenções Rebouças. O tema de sua apresentação será "The Web of Gendered Innovations" (A Web das Inovações de Gênero). Nessa entrevista concedida para o nosso blog, Claudia menciona como as inovações de gênero podem melhorar a equidade, a criatividade e a inovação gerando impactos que vão muito além da economia.

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Por Carine Roos
Atualização:
 Foto: Estadão

[Photo: Flickr user UCL Mathematical and Physical Sciences]

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1) O que são Gendered Innovations?

Gendered Innovations ou "Inovações de gênero" é um termo que resume a análise de sexo e gênero em todas as fases da pesquisa básica e aplicada, para estimular novos conhecimentos e tecnologias. As inovações de gênero melhoram a equidade, a criatividade e a inovação. Problemas de todos, soluções para todos.

Sexo e gênero são uma dimensão valiosa para a pesquisa até então pouco ou mal utilizada estrategicamente. A ciência ainda tem uma ótica de que o "default" é o gênero masculino sobre quem e o que está sendo estudado.

Por exemplo, quando estudamos técnicas de aprendizado de programação, a maioria dos estudos não se preocupa se falamos do aprendizado de meninos ou meninas. Considera-se, automaticamente, que o sujeito de estudo, o aprendiz, é um menino. Esse tipo de viés permeia todas as áreas científicas.

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2) Você poderia dar exemplos de cases de sucesso em que a análise de gênero influenciou positivamente o desenvolvimento de tecnologias?

Exemplos de inovações de gênero podem ser encontradas em diversas áreas, desde Engenharia à Saúde, Meio Ambiente e Computação.Um estudo sobre projetos de água, em 13 países, mostrou que representação e participação equitária de mulheres em comunidades de gestão de serviços de água contribuiu para o maior sucesso dos serviços [1].

Na área de saúde, homens foram beneficiados por gendered innovations na área de osteoporose, antes dominada por estudos só para mulheres. Agora o diagnóstico e as tecnologias de tratamento estão também focadas em homens [2]. Mulheres se beneficiaram no tratamento de infarto do miocárdio, muitas vezes não diagnosticado e tratado corretamente, pois as pesquisas padrão só traziam procedimentos para homens [3] .

Em Computação, existem alguns trabalhos científicos incorporando adequadamente a visão de gênero. Um exemplo são os estudos em aprendizado de máquina e tradução de textos para evitar tradução padrão para o gênero masculino [4]. Outro exemplo conhecido é o GenderMag [5], um método criado para inspeccionar a usabilidade de software e levantar limitações de inclusão de gênero.

Muitos trabalhos ainda estão em estágio inicial e nem sempre conectados ao diálogo maior sobre inovação e gênero.

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3) Na sua opinião, existem melhorias possíveis para as tecnologias da Web, sob a perspectiva de gênero?

Sem dúvida! E esse será o tema do meu keynote na Conferência Web.Br, em outubro.

Em 2014, quando falei sobre The Web Women Want, mostrei o quanto os fenômenos que acontecem offline se propagam no que vivemos online. A promessa da Web era de um espaço democrático. Precisamos tentar, de fato, construí-lo!

As abordagens atuais de equidade de gênero buscam corrigir:

1) o número de mulheres em ciência e tecnologia,

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2) as instituições e

3) o conhecimento.

Uma das linhas atuais de minha pesquisa busca contribuir para a correção do conhecimento na Web. Estou no início da investigação de padrões de linguagem na Língua Portuguesa que possam ser considerados enviesados em gênero, para que possamos desenvolver tecnologias capazes de detectá-los. Será possível, por exemplo, revisar websites brasileiros, identificar textos sexistas e sugerir melhorias.

Há também possibilidade de pesquisa em algoritmos computacionais, esses tão usados na Web e Big Data, pois eles podem perpetuar problemas de discriminação entre gêneros. Os termos algorithmic discrimination e algorithmic fairness são usados para descrever o fenômeno da discriminação, no contexto de TI e Web.

Há também a oportunidade de inovar transformando estruturas, como a de governança e infraestrutura de Internet, hoje dominado por homens. A visão de mulheres e do feminino pode trazer maior equilíbrio para este bem público que é a Internet.

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4) Como você imagina que as tecnologias e os produtos seriam, caso fossem projetados por mais mulheres?

As possibilidades são muitas, pois é algo que pouco fizemos em muitos campos tecnológicos e de produtos. Em pesquisa, ainda é cedo dizer, mas já existem resultados que mostram que o gênero feminino tende a entender tecnologia como um meio para atingir propósitos significativos, em vez de um fim em si mesma (como reportado no gênero masculino)[6]. O feminino e o masculino complementam-se na criação de tecnologias com alto impacto. Conferências como a Innovation4All estão surgindo para reunir especialistas em design e discutir como seria desenhar soluções com o mínimo de viés. E aí que está o desafio: muitas vezes somos inconscientes sobre nosso próprio viés sobre quem não é parecido conosco. Por isso, precisamos de mais mulheres projetando soluções para mulheres como uma forma de endereçar esse problema.

5) Como você vê o impacto econômico da equidade de gênero no mercado de tecnologia e inovação?

Existem dois tipos de impactos econômicos: i) o de maior eficiência e efetividade das tecnologias já existentes e ii) o de criação de tecnologias disruptivas criando espaços até então inexistentes.

O viés de gênero, em pesquisa, já gerou prejuízos altos. Nos Estados Unidos, entre 1997 e 2000, 10 medicamentos foram retirados do mercado por causarem riscos à vida, 4 deles perigosos para mulheres. A pesquisa pré-clínica não considerou gênero como parte dos testes.

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Do ponto de vista de disrupção, o entendimento de como projetar soluções, considerando gênero, pode criar cenários nunca antes vistos. Como mulheres projetariam carros para mulheres, por exemplo? Ou serviços em hotéis voltados para o público de negócios?

O trabalho do 4B, um coletivo de pessoas inovadoras e empreendedoras, é exatamente sobre como projetar soluções que satisfaçam 4 bilhões de mulheres no mundo. E há, claro, os impactos intangíveis economicamente, como a falta de testes de colisão de carros apropriados para mulheres grávidas, que pode gerar danos a bebês em geração. A equidade de gênero pode gerar impactos muito além da economia. Envolve vidas, bem-estar e a forma como enxergamos o mundo.

Referências

[1] Postma, Leoine, Christine van Wijk, and Corine O e. 2003. Participatory quantification in the water and sanitation sector. Participatory Learning and Action (PLA) Notes 47: 13-18.

[2] Cummings, Steven R., Peggy M. Cawthon, Kristine E. Ensrud, Jane A. Cauley, Howard A. Fink, and Eric S. Orwoll. 2006. Bone Mineral Density (BMD) and risk of hip and nonvertebral fractures in older men: A prospective study and comparison with older women. Journal of Bone and Mineral Research 21: 1550-56.

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[3] American Heart Association (AHA). 2011. Women, heart disease and stroke. Dallas, TX: American Heart Association.

[4] Stanford (2016). Case study "Machine Translation: Analyzing Gender". Available at: http://genderedinnovations.stanford.edu/case-studies/nlp.html

[5] Burnett et al. (2016) Margaret Burnett, Anicia Peters, Charles Hill, and Noha Elarief. Finding Gender-Inclusiveness Software Issues with GenderMag: A Field Investigation. ACM Conference on Human Factors in Computing Systems (CHI), May 2016 (to appear). Best Paper Honorable Mention.

[6] Schroeder, Klaus. 2010. Gender dimensions of product design. Paper presented at the Gender, Science, and Technology Expert Group meeting of the United Nations Division for the Advancement of Women (UN-DAW), 28 September, October, Paris, France.

 

* Carine Roos é idealizadora da UP[W]IT e fellow em Gerenciamento em Inovação Social no Amani Institute.

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