*Atualizado no dia 26 de fevereiro de 2018 às 17h10 com as informações do ParqTec.
SÃO CARLOS - As ruínas da antiga Companhia Fiação Tecidos São Carlos, a primeira fábrica da cidade de mesmo nome, no interior de São Paulo, estão aos poucos dando forma a algo novo. A velha estrutura, localizada num terreno de 21 mil metros quadrados, ganhou no início de fevereiro um pequeno galpão moderno, cheio de empresas de tecnologia. Até a metade do próximo ano, se tudo der certo, a fábrica fundada no início do século 20 será totalmente ocupada pelo ONOVOLAB, um centro de startups. A construção se tornou símbolo de um movimento que tem feito São Carlos despontar como um novo polo de inovação, após décadas de êxodo de engenheiros.
Segundo apurou o Estado, existem hoje cerca de 150 startups na cidade, a maioria liderada por ex-alunos do campus da Universidade de São Paulo no município e da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) – juntas, elas formam anualmente 300 engenheiros da computação. “Por anos perdemos recém-formados atraídos por salários e promessas de grandes empresas em São Paulo”, conta a presidente da Rede Paulista de Ambientes de Inovação (SP Rede), Bruna Boa Sorte.
As tentativas de estimular o empreendedorismo na cidade, porém, não são de hoje. Na década de 1980, uma iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) deu início ao ParqTec, um parque tecnológico focado em impulsionar projetos de alunos de Física e Engenharia de Materiais da USP São Carlos e Ufscar. A iniciativa permitiu o surgimento de quatro empresas nessas áreas, como Opto Eletrônica e L&M.
“O Parqtec nasceu a partir de uma movimentação europeia, que deu origem a várias incubadoras em parceria com universidades de renome”, diz o presidente do ParqTec, Sylvio Rosa Júnior. Hoje, o parque ainda incuba empresa que oferecem produtos e serviços nas áreas de Biotecnologia, Física, Química, Nanotecnologia, Agricultura e Engenharia de Materiais.
Os ventos começaram a mudar quando alguns professores pensaram em estratégias para convencer os alunos a ficarem na cidade, na esperança de movimentar a economia local. O pioneiro foi André Carvalho, professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP São Carlos. Em 1995, ele começou a ensinar os alunos sobre planos de negócio.
“Era muito difícil mostrar que os alunos poderiam fazer muito mais que trabalhar por um bom salário”, afirmou Carvalho. “Foi preciso acontecer o Facebook e o Google para descobrirem que engenheiros podem empreender.” Hoje, segundo Carvalho, 25% dos alunos optam por fundar a própria empresa ou trabalhar numa startup.
Exemplo. O avanço da cultura empreendedora na cidade já começa a render casos de sucesso. Criada em 2014, a startup Arquivei, que faz a gestão automatizada de notas fiscais, recebeu aporte do fundo Monashees – um dos primeiros a investir no aplicativo de transporte 99, hoje avaliado em US$ 1 bilhão. Em 2017, a Arquivei se tornou ainda a primeira empresa da cidade selecionada para o programa de aceleração do Google, no Vale do Silício.
Sem sair de São Carlos, a empresa conquistou clientes como McDonald’s, O Boticário e Kraft Heinz, o que garantiu um faturamento de R$ 15 milhões em 2017. O sucesso fez do fundador, Christian di Cicco, uma espécie de celebridade local: ele é procurado frequentemente por outros empreendedores. “Eu tento repassar o que aprendo”, diz di Cicco. “Nem sempre é fácil pela falta de tempo.”
A criação do ONOVOLAB, galpão erguido nos vestígios da antiga fábrica de tecidos, também teve como motivação facilitar a interação entre empreendedores locais. O espaço foi criado por três paulistanos: os profissionais de marketing Anderson Criativo, de 39 anos, e Leandro Palmieri, de 35 anos – que fundaram duas empresas juntos antes, a MobMob e a Neelken –, bem como David Ruiz, de 35 anos, que além de empreender, é gerente de inovação da empresa de cartões Elo. Eles se conheceram durante eventos para startups em São Paulo e decidiram administrar um centro de inovação juntos. A ideia era apostar em São Paulo, mas uma viagem a São Carlos fez os planos mudarem. “Vimos como o ecossistema aqui está crescendo, mas ainda é carente de alguns atores”, conta Criativo, que não revela o montante investido no negócio.
Hoje, o centro abriga 12 startups; no total, são 120 pessoas dividindo as bancadas do galpão do ONOVOLAB. Uma das startups presentes é a Itera, que presta serviços de monitoramento de redes sociais. “A possibilidade de parcerias com grandes empresas é a principal vantagem”, diz a diretora de produto da startup, Val Fontanette.
O espaço também tenta atrair o interesse de grandes companhias. Hoje, a farmacêutica Roche e a Elo já contrataram ONOVOLAB para montar equipes de profissionais de inovação que possam desenvolver soluções e novos produtos. Há também parceiros, como Amazon Web Services e Serasa, que vão patrocinar cursos de programação.
Desafios. Apesar da evolução, o ecossistema de inovação de São Carlos ainda é pouco organizado. Não há, por exemplo, um levantamento oficial da prefeitura sobre o número de empresas ou investimentos aplicados na cidade. Além disso, faltam aceleradoras e investidores – empreendedores costumam ir a São Paulo em busca de dinheiro.
Outro problema é a disputa por mão de obra com empresas em outras cidades. Segundo o site de recomendação de empregadores Love Mondays, o salário médio pago a um engenheiro de software em São Paulo é de R$ 7 mil por mês, bastante superior aos R$ 4 mil oferecidos pelas empresas em São Carlos.
“As startups de São Carlos enfrentam problemas comuns a outras cidades do Brasil”, diz o cofundador da consultoria de inovação Startadora Vinícius Machado. “Mas os empreendedores de lá têm uma educação de alta qualidade e isso fará a cidade se desenvolver rápido.”
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