Robótica se inspira em animais para inovar

Chamados de ‘bionics’, animais-robôs são parte da inovação de empresas e pesquisas

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Foto do author Matheus Mans
As águas-vivas robóticas foram desenvolvidas pela fabricante alemã Festo para buscar inovações na empresa Foto: Divulgaçãoi

No livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, do escritor Philip K. Dick, o protagonista Rick Deckard é dono de uma ovelha. Entretanto, não é uma ovelha convencional. Em vez de um animal de carne e ossos, ela e feita de circuitos, condutores e fios — é uma ovelha elétrica. A história, publicada em 1968 – e depois adaptada para o cinema em 1982 como Blade Runner, O Caçador de Androides – parece (e é) ficção científica. Afinal, robôs de estimação ainda estão longe da realidade.

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No entanto, máquinas inspiradas na natureza estão se tornando realidade dentro dos laboratórios. Pesquisadores independentes e grandes empresas, como a Boston Dynamics, do Google, e a fabricante alemã de automação industrial Festo, buscam soluções na natureza para tornar a robótica mais útil para as pessoas.

A Festo, que tem um catálogo com quase 3 mil patentes de todos os tipos, desde 2006 mantém um setor de inovação especializado no desenvolvimento de robôs inspirados em animais. Chamado de Bionic Learning Network (rede de aprendizado biônico, em tradução literal), a área, que reúne biólogos e engenheiros, já criou peixes, libélulas, águas-vivas, pássaros e até mesmo borboletas constituídos de peças e fios. Eles se tornaram um dos principais pilares de inovação da alemã.

“Muitas vezes, nós criamos robôs inspirados em animais para tirar inovações deles depois, em projetos futuros. Quando precisamos de uma nova peça para uma máquina, essa área estuda soluções para isso na natureza”, explica o engenheiro e gerente de produtos da Festo Brasil, Paulo Roberto dos Santos. “Afinal, a natureza está se adaptando há milhões de anos para encontrar o melhor jeito de sobreviver. Por que não copiar as características dela?”

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Um dos casos de sucesso da Festo é a lagartixa. A empresa precisava desenvolver uma máquina que segurasse objetos extremamente lisos sem danificar ou gastar muita energia. O Bionic Learning Network achou a solução na pata do réptil, que possui uma forte aderência em qualquer tipo de superfície. Segundo a Festo, várias empresas na Europa já procuraram a fabricante pelo produto, que ainda está em fase de desenvolvimento.

Outros projetos, no entanto, já saíram do papel e se tornaram realidade. Em 2006, a empresa desenvolveu o Airacuda, um robô inspirado no peixe barracuda. A máquina, assim como o peixe, realiza um movimento de curva natural no corpo. Engenheiros da Festo viram ali uma solução para garras industriais que se tornou um produto da marca. “Conseguimos gastar menos energia e temos soluções mais eficientes, ideias mais originais. Só conseguimos encontrar benefícios para a empresa”, afirma Santos.

Pernas e patas. Pertencente ao Google, a Boston Dynamics recentemente anunciou o Spot-Mini, um robô claramente inspirado em uma girafa. Ele possui um longo pescoço que funciona como uma espécie de braço e consegue realizar tarefas como pegar copos em pias.

A empresa ainda tem robôs inspirados em onças e cachorros – com patas no lugar de rodas, uma ideia interessante para o desenvolvimento da robótica, de acordo com o professor Humberto Ferasoli Filho, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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“Usar rodas, muitas vezes, gasta muita energia e não é fácil acomodar robôs com rodas em todos os meios”, diz o pesquisador. “Um robô com rodas não pode entrar num vulcão. Agora, se ele tiver pernas, sendo parecido com uma aranha, é possível.”

Por falar em aranhas, uma equipe da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) desenvolve uma aranha robô, cuja missão será fazer inspeções em aeronaves e, posteriormente, na indústria. Segundo o professor Gustavo Franco Barbosa, que lidera o projeto, o aracnídeo deve ficar pronto até o final do ano para os primeiros testes.

“A mobilidade de um robô inspirado na natureza é o grande benefício que este tipo de tecnologia pode levar para a robótica”, afirma Barbosa, da UFSCar. “Um robô inspirado nas aranhas consegue se locomover em locais que os humanos não conseguem, por conta da ergonomia natural do animal.”

No Brasil, a pesquisa do professor Barbosa ainda é um caso isolado, até mesmo na academia. Segundo especialistas, não há grande incentivo para esta modalidade de robótica. “Fora daqui, nos Estados Unidos e Ásia, tem muito robô inspirado na natureza sendo desenvolvido em indústrias, empresas e até na área militar”, explica Ferasoli Filho, da Unesp.

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No Japão, por exemplo, a pesquisa acontece desde os anos 1970, com o professor de engenharia Shigeo Hirose, considerado o pai da vertente desse tipo de pesquisa pelos especialistas na área. No entanto, o japonês não se ocupa de mamíferos ou aranhas robô, mas sim de cobras – os répteis são considerados inspiradores por conta de sua dinâmica corporal e anatomia peculiar.

“Existem muitos projetos de cobra-robô em laboratórios de robótica no mundo inteiro”, afirma o pesquisador e professor do Instituto de Tecnologia de Tóquio, Edwardo Fukushima, que trabalha ao lado de Hirose em seu projeto atual. “Por seu formato, a cobra-robô tem grandes vantagens para se locomover em ambientes fechados, como tubos ou turbinas”.

O pesquisador é otimista com o futuro de seus estudos: “creio que esses mecanismos um dia vão ultrapassar a performance dos seres vivos.”

Pioneiro. Um dos primeiros robôs com inspirações diretas em animais e outros elementos da natureza foi o ACM III, uma cobra-robô criada pelo professor de engenharia do Instituto Tecnológico de Tóquio Shigeo Hirose. No começo da década de 1970, o professor pesquisou e estudou o comportamento de cobras reais dentro de seu laboratório – ele observava funções como movimento, estrutura corpórea e flexibilidade. 

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Em 1972, então, o professor desenvolveu o ACM III, uma cobra com vigas metálicas rústicas, mas que conseguia se locomover em superfícies planas. Foi o início de uma série de pesquisas que viriam a surgir em todo o mundo a partir daí, unindo animais e robóticas. A cobra mecânica desenvolvida por Hirose acabou se desenvolvendo e, até hoje, possui atualizações em suas versões.

“Trabalhei com ele por muitos anos, no Instituto Tecnológico de Tóquio”,lembra o professor Edwardo Fukushima, do Instituto. “Meu primeiro trabalho com cobra-robô foi em 1990 e tratava-se de um robô com mais de 4 metros de comprimento, 0.48 m largura e peso total de 450 kg. Era uma serpente.” Atualmente, a dupla de pesquisadores já está desenvolvendo outros dois tipos de projetos. O primeiro é a ACM-R5, uma cobra-robô que consegue, além de se rastejar na terra, nadar na água. Também já está em fase de pesquisas a minhoca-robô, uma máquina com mais de 20 metros de comprimento, mas com apenas 5 centímetros de diâmetro. “Ela conseguirá entrar em lugares que a cobra fica emperrada”, afirma Fukushima.