Startup de saúde Gen-T quer mapear genoma de 200 mil brasileiros

Healthtech recebeu um aporte de R$ 10 milhões para iniciar o negócio e é comandado por pesquisadora da USP

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Foto do author Bruna Arimathea
Atualização:

A pandemia causou um “boom” para startups de saúde e fez aumentar os investimentos no segmento — mas também limitou a forma como elas poderiam crescer. No período, prosperaram principalmente nomes de telemedicina ou de planos de saúde. Agora, com mais calma, healthtechs que atuam em outras áreas começam a entrar no radar. Esse é o caso da Gen-T, que anuncia nesta segunda, 12, seu primeiro aporte e que tem um objetivo pouco comum entre nossas startups: sequenciar o genoma de 200 mil brasileiros.

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A empresa, que começou a operar no final do ano passado, levantou R$ 10 milhões após chamar a atenção de investidores de peso, como Eduardo Mufarej, Armínio Fraga, Daniel Gold, da QVT Financial LP, e a farmatech norte-americana Roivant Sciences.

“Com esse aporte, conseguimos criar a empresa, elaborar o projeto de pesquisa, ter ele aprovado nos órgãos regulatórios, fazer a parceria para as coletas e montar os times de operação clínica. Queríamos ter a operação funcionando primeiro para, depois, anunciar nossa startup”, afirma Lygia da Veiga Pereira, presidente da Gen-T. A cautela é típica de quem vem do mundo científico. A executiva é, também, uma pesquisadora que atua há 26 anos em estudos sobre genética na Universidade de São Paulo (USP).

Com a empresa de pé, o plano dela é tornar a Gen-T no maior banco de dados genéticos da América Latina, com o sequenciamento do genoma de, pelo menos, 200 mil brasileiros em cinco anos.

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O genoma é todo o conjunto de informações contidas no DNA humano, ou seja, carrega todas as características que cada pessoa possui nos genes que compõem um indivíduo único — traços físicos, metabolismo e predisposição para doenças específicas são exemplos de fatores determinados pelos genes. A intenção é construir informações baseadas na diversidade da população brasileira.

Para isso, a empresa está colhendo material biológico de voluntários, que irão receber um relatório a respeito dos dados genéticos assim que o procedimento for realizado — a previsão é que o sequenciamento aconteça nos próximos anos, depois que a startup conseguir acumular os dados. Para ser doador é preciso ter, no mínimo, 45 anos e as amostras de sangue estão sendo recolhidas juntamente com a rede de clínicas populares Dr. Consulta.

“Estamos fazendo parcerias com sistemas de saúde privados, mas que são populares, porque a gente quer justamente chegar na população excluída da medicina de ponta. Queremos habilitar essa população a se beneficiar da medicina de precisão”, aponta Lygia.

Além disso, um formulário extenso preenchido pelos voluntários tem como objetivo descobrir doenças já diagnosticadas ao longo da vida. Esse passo é essencial: é preciso conectar as patologias com as características encontradas no DNA de cada pessoa e, assim, construir um banco cruzado de informações que possa relacionar as doenças aos genes identificados.

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A partir disso, a Gen-T pode oferecer produtos personalizados para pacientes ou soluções para a indústria farmacêutica.

Dra. Lygia da Veiga Pereira é CEO da Gen-T Foto: Germano Lüders

Produtos

Se o mapeamento funcionar, a Gen-T tem um caminho importante pela frente. Segundo Eduardo Sperling, investidor da gestora KPTL, ainda faltam empresas no Brasil prontas para lidar com produtos relacionados ao genoma humano. Ele, porém, diz que o mercado olha com bastante interesse as soluções que podem beneficiar, principalmente, as áreas de medicina personalizada e a indústria farmacêutica.

“É importante que haja um entendimento desse volume gigantesco de dados do paciente. Empresas de software, por exemplo, que venham a trabalhar nisso e tenham essas oportunidades de interpretação e aplicação das informações geradas pelo sequenciamento, são muito bem vistas pelo mercado”, explica Sperling.

Esses possíveis usos de dados também aparecem no mapa da Gen-T. Segundo Lygia, essa é uma das formas de utilizar o produto gerado após o sequenciamento: em conjunto com a startup, empresas farmacêuticas podem delimitar um espaço amostral de dados de doenças com os dados genéticos para entender melhor a ação e eficácia de remédios.

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É importante que haja um entendimento desse volume gigantesco de dados do paciente. Empresas de software, por exemplo, que venham a trabalhar nisso e tenham essas oportunidades de interpretação e aplicação das informações geradas pelo sequenciamento, são muito bem vistas pelo mercado”

Eduardo Sperling, investidor da gestora KPTL

Segurança de dados

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Uma das travas do setor, além dos altos preços de exames genéticos, é a privacidade e o armazenamento de dados sensíveis de pacientes. Nos Estados Unidos, onde as empresas do setor já estão mais maduras, alguns vazamentos já foram identificados. Em 2019, a startup Veritas, que faz testes de DNA, confirmou uma brecha no sistema de armazenamento de informações de seus pacientes. A MyHeritage, outra americana popular dos testes de DNA, também já sofreu um ataque hacker que expôs dados de mais de 90 milhões de pessoas.

Por aqui, as informações genéticas devem seguir as normas da Lei Geral de Proteção de Dados, mas há questões éticas não resolvidas sobre a manipulação de material genético — o acesso dessas informações por planos de saúde e seguradoras é uma delas.

“Ainda existe um incentivo contrário (à anonimização de dados) e é um desafio. As startups de maior sucesso serão aquelas que enfrentarem esse problema logo de cara”, aponta Sterling. “O ideal é que tenha regulação ou que o setor se autorregule. A empresa não pode vender as informações de um indivíduo identificado”.

Segundo a pesquisadora, a startup não nasce com o objetivo de compilar dados e fornecê-los diretamente à indústria. Para ela, é necessário que a própria empresa seja capaz de desenvolver as pesquisas sob demanda. Assim, se uma empresa farmacêutica quer desenvolver um medicamento com base em informações genéticas, ela precisará encomendar a pesquisa, que será feita pela equipe da Gen-T. Todos os dados são tornados anônimos logo após o sequenciamento.

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Para Lygia, o modelo é uma oportunidade de negócio baseada na capacidade científica de sequenciamento, processamento e interpretação. “Existem métricas publicadas que mostram que, durante o desenvolvimento de um de um novo fármaco, se são utilizados dados sobre genomas de diferentes populações, você diminui o tempo de desenvolvimento e dobra as chances da pesquisa virar um produto”, aponta.

Integração

No País, empresas como Genera e MeuDNA já oferecem testes que detectam predisposições para doenças específicas, como colesterol e diabetes. Falta, no entanto, integrar essas informações em parcerias diretas com clínicas e hospitais.

Para Amure Pinho, fundador do Investidores.vc, plataforma de investimento-anjo, startups com o potencial de desenvolver produtos utilizando materiais genéticos podem expandir também para produtos de cuidados que vão além da consulta de emergência — o setor pode ir, segundo ele, para um momento na vida do paciente antes mesmo das doenças serem diagnosticadas.

“A saúde aqui no Brasil tem se voltado para a medicina preventiva. Pensando nessa tendência, startups que olhem para genética e prevenção de doenças estão apostando no futuro, mas esse futuro é inevitável”, explica Pinho.

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“Ao conhecer o genoma das pessoas, a gente pode separá-las em vários grupos em vez de tratar todo mundo como a média”, explica Lygia. “Isso gera uma uma economia muito grande no médio prazo, na medida em que você vai administrar melhor a saúde dessas pessoas. Espero que a gente possa ter parcerias com o Ministério da Saúde no futuro”.

Do lado do mercado, Sperling concorda com a visão de Lygia. “As startups nesse setor, para ter sucesso no Brasil, também precisam olhar para o setor público, precisam ser acessíveis. Quanto mais a gente tem soluções competitivas, mais o custo vai caindo. O sucesso da popularização vem do poder ter uma solução capaz de ser aplicada para o setor público”.

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