Era uma manhã fria e nublada em Chicago e lá estava eu, às 9 da manhã, diante do computador tentando entender a utilidade das primeiras tags em HTML - os comandos que aparecem entre os sinais de menor e maior (por exemplo,
) e que indicam a função de cada elemento (texto, imagem, etc.) em uma página da web. "Escreva , um título, e depois não esqueça de fechar a tag . Agora escreva e coloque o seu texto no meio, sem esquecer de colocar os comandos
e
para criar cada parágrafo."
Foi mais ou menos esse o script da minha primeira aula de HTML e CSS no mestrado, há pouco mais de um mês. No dia soou como chinês. Hoje, já me é familiar como o português. No fundo eu estava fazendo a tarefa de sempre: escrever. Dessa vez, porém, com um pouco mais de autonomia. Não estava apenas criando um texto, mas toda a estrutura da página em torno dele.
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A primeira aula de HTML me fez lembrar de quando aprendi o a-e-i-o-u e das lições que a "tia" Mônica, da pré-escola, passava na época, como escrever vogais e consoantes em uma página inteira do caderno. Eu sempre achei que tudo isso seria muito mais complicado do que realmente é, mas na realidade é como aprender a escrever de novo ou a falar um novo idioma. Primeiro aprende-se algumas palavras (no caso do HTML, tags), em seguida, os primeiros verbos (o equivalente ao que pode ser criado com os comandos formados pelas tags), e, logo, já é possível escrever frases e textos (no caso, uma página inteira funcional).
Na primeira aula, minha investida como "programadora" (embora HTML e CSS não sejam exatamente linguagens de programação, como bem destacaram alguns leitores aqui, mas aparentemente um bom começo para se chegar lá e entender como esse mundo funciona) foi divertida, mas pouco gratificante. O resultado das minhas linhas de código foi uma página digna da internet de 1995.
Foi um passo insignificante para a ciência da computação, mas um passo muito relevante para Ligia Aguilhar.
Apenas três aulas depois, porém, o cenário mudou. Em uma madrugada, celebrei feliz da vida o fato de ter criado uma réplica bastante semelhante da atual home page da revista norte-americana Slate. Ou seja, avancei 20 anos e finalmente criei algo que poderia estar disponível na internet de 2015!
O avanço rápido me surpreendeu, e a sensação de liberdade e poder que acompanham o aprendizado são indescritíveis. É como sair de um estado de cegueira. Você começa a olhar a internet e a tecnologia de outra forma e a perceber que pode ter uma participação mais ativa no mundo, não só como consumidor, mas como produtor de conteúdo, sites e aplicativos.
Além disso, acompanhar o resultado imediato da mudança em uma página inteira após você digitar um simples comando e arquitetar toda a estrutura para que tudo se encaixe perfeitamente pode ser tão divertido quanto jogar videogame. Agora, estou me preparando para aprender Javascript. E depois veremos quais serão os próximos passos.
É claro que desafios surgiram e me levaram a horas de angústia em frente ao computador."Por que meu código não funciona, meu Deus???", agonizava, ao longo de uma hora, para depois descobrir que havia esquecido um simples ponto e vírgula no CSS. Mas quanto aprendizado não veio desses pequenos deslizes?
Aprender a criar páginas com HTML e entender como funciona programar algo me trouxeuma nova perspectiva sobre aprender, me fez perceber o quanto as horas jogando Tetris ao longo da vida não foram em vão - há uma grande utilidade em saber planejar como encaixar blocos quando se está criando uma página na web - e me fez lembrar de como eu gostava de jogar videogame na infância e por algum motivo abandonei a atividade. Será que foi algo natural? Seria pelo fato de que dizia a lenda que meninas não gostavam de videogame? Ou resultado de eu ter crescido ouvindo que jogar videogame era perda de tempo?
Criatividade e cidadania
Como jornalista, aprender a programar, ainda que só o básico, significará ganhar uma capacidade criativa enorme de transformar meu conteúdo e criar novas formas de apresentá-lo. Me tornará mais capaz de empreender. Se eu aprendi tanto em apenas um mês de aulas, o que eu não serei capaz de fazer em alguns meses?
Como cidadã, entender como funcionam os códigos que estão por trás da web ou de aplicativos me traz consciência. Se eu sei qual a estrutura por trás de um site ou app, eu aprendo a identificar também problemas, códigos maliciosos e posso escolher em quem confiar e criar minhas próprias soluções, se assim preferir.
A questão é tão importante que até o presidente Barack Obama, dos EUA, já se aventurou e aprendeu a programar o básico em uma hora durante um evento.
É por isso tudo isso que precisamos de mais mulheres na programação. E precisamos também dar acesso a conhecimento sobre o assunto para outras minorias e tornar esse conhecimento acessível para todas as classes sociais. O ensino de programação nas escolas é um assunto que vem sendo amplamente debatido em todo o mundo e precisa o quanto antes deixar de ser uma atividade extracurricular restrita a poucas escolas no Brasil para se tornar uma política pública que livre o máximo de crianças e adolescentes dessa espécie de analfabetismo digital e permita que elas aprendam a programar assim como aprendem matemática, português e química.
Nós já vimos por meio de alguns programas de incentivo à programação o que acontece quando ensinamos aos jovens diferentes linguagens de programação para que eles criem seus próprios sites e aplicativos. Surgem soluções importantíssimas para problemas reais da sociedade, como apps para denunciar o assédio virtual, empoderar mulheres ou reunir informações úteis para pacientes de determinadas doenças.
Está mais do que na hora de deixar uma certa rixa infantil contra a internet e a tecnologia dominar nosso imaginário. A internet não vai embora. As nossas relações mudaram e vão continuar mudando por causa da tecnologia. O avanço é inevitável, mas o sofrimento é opcional. Vamos continuar negando a internet e sua importância crescente e manter o controle da rede na mão de alguns "privilegiados" por causa da velha e errônea crença de que programar é coisa de "nerd" ou vamos investir contra o analfabetismo digital e dar ferramentas para que nossa sociedade possa construir a internet que deseja ter?
Quer dar os primeiros passos?
Há dezenas de sites que ensinam a programar em diferentes linguagens gratuitamente. Confira algumas opções:
CodeAcademy - O site oferece aulas fáceis e gratuitas de diferentes linguagens de programação. O material da CodeAcademy é usado como base por muitos professores em escolas renomadas, como a Northwestern University, onde eu estudo
Code.Org - Tutoriais fáceis e ilustrados para aprender a dar os primeiros passos e depoimentos de famosos, como o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg
Scratch - Criado no MIT, é um dos melhores programas para familiarizar crianças com a programação. Permite criar histórias, games e animações.
TryRuby - Para quem deseja aprender a linguagem de programação Ruby, criada no Japão.
Code School - Cursos gratuitos para criar páginas na web ou aplicativos.