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Líder do Apples in Stereo conversou com o Link sobre como a física mudou sua perceção de mundo

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Por Redação
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“Eu comecei a me interessar por Matemática por causa de um velho gravador de fita. Ele costumava quebrar após cada dia de gravação, então eu perdia um dia consertando o aparelho, outro dia testando, mais um gravando, e aí ele quebrava de novo”, explica Robert Schneider, líder do Apples in Stereo, em entrevista ao Link. A banda sempre teve reconhecimento nerd – tanto pelas referências de ficção científica espalhadas pelos discos quanto pelas idiossincrasias de seu líder, compositor, arranjador e produtor de clássicos do rock alternativo dos anos 90, como In the Aeroplane over the Sea, dos companheiros de selo (e colégio) Neutral Milk Hotel. Foi ao lado de Jeff Mangum, do Neutral Milk, e Bill Doss e Will Cullen, do Olivia Tremor Control, que Schneider criou o selo Elephant 6 – um dos mais cultuados selos alternativos das últimas décadas.

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Números A Matemática começou a fazer parte da vida dele, segundo o próprio, após uma experiência espiritual: “Quando eu estava consertando o gravador, tive de aprender alguns diagramas de esquemáticas e teoria eletrônica e, quando descobri a Lei de Ohm, minha cabeça explodiu. Foi uma experiência mística porque eu vi essa equação e percebi como ela se relacionava com todos os circuitos. Em um só momento, tudo aquilo que eu acreditava ser belo sobre minha juventude, minha vida, minhas amizades, minha banda de rock, meu estúdio… Eu escuto música nos fones de ouvido, mando música para o microfone e minha voz se transforma em eletricidade, a eletricidade invade o gravador de fita, o gravador de fita toca os sons pelo console e todos esses lindos botões e controles, todos eletrônicos, e tudo volta para o fone de ouvido em um loop…”, divaga. O compositor agora se dedica à Matemática como carreira paralela e, ao lado de um professor universitário de sua cidade, publica suas teorias em jornais científicos. A teoria dos números é um de seus temas favoritos, mas Schneider contou que está estudando topologia e teoria dos conjuntos. Uma de suas invenções mais curiosas é uma espécie de Theremin que funciona a partir da atividade cerebral – um instrumento musical tocado sem as mãos, só com “o poder da mente”. Não satisfeito em se manter no campo da prática musical, ele aproveitou para mexer na teoria, usando a Matemática na criação de uma nova escala musical baseada em logaritmos naturais de números inteiros (leia ao lado). “Consigo lembrar do momento exato. Eu estava folheando um livro de eletrônica e havia essa equação ali, e eu simplesmente a compreendi na hora. Eu entendi que essa equação era o pano de fundo para o meu mundo. Tudo sobre o meu mundo que era conveniente, importante e belo era de alguma forma baseado nessa equação. Subitamente a Matemática ficou muito bonita e mística para mim”, revelou Schneider. Não é surpresa para quem acompanha o trabalho da banda há mais tempo: temas como energia, espaço sideral, magnetismo e velocidade sônica são referências constantes nas letras e influência inegável na sonoridade da banda.

Retrofuturismo O disco mais recente do Apples in Stereo, Travellers in Space and Time, lançado em abril deste ano, teve o futurismo como elemento fundamental, do processo de composição aos arranjos e à masterização. “Toda vez que íamos tomar uma decisão, a primeira pergunta era ‘qual é o jeito mais futurista de fazer isso?’”, contou Schneider. Ainda assim, o disco soa pop e, ao mesmo tempo, retrô e vanguardista. “Retrofuturista”, define a banda. “Recentemente fui à Disney com a minha família e por causa de uma das atrações, o Pavilhão do Futuro, comecei a pensar no retrofuturismo. Eu já tinha ido lá quando criança e o que na época era uma previsão do futuro acabou se tornando uma reprodução do futuro sob a ótica do passado”, diz. “Se quisermos que o futuro seja futurista, temos que começar a fazer coisas futuristas já. Se olhar pela janela, o mundo moderno parece um pouco futurista porque nos anos 60 e 70 os arquitetos estavam desenhando prédios futuristas.” Mas como o futurismo pode ser aplicado à gravação de um disco? Segundo Schneider, é simples: “Se a música tivesse um pandeiro, a gente discutia se o som do pandeiro era futurístico o suficiente, se ele poderia ser substituído por, sei lá, um barulho de laser. Ou o baixo era trocado por sons de loop de baixo sintetizado”. Mas não foram os barulhinhos e efeitos que determinaram os rumos de Travellers in Space and Time: “Eu estava tentando compor canções bem pop e grudentas ao piano, uma coisa meio Hall & Oates”, disse o compositor, citando a popular dupla dos anos 80, de sucessos como “Maneater” e “Can’t Go for That (No Can Do)”.

Pop O esforço de Schneider foi bem-sucedido e resultou em uma coleção de canções em que quase todas tem potencial para single. “Nobody But You” e “Dignified Dignatary” poderiam ser ouvidas e curtidas tanto casualmente pelo sistema de som interno de uma loja quanto no iPod ou em uma pista de dança. “Dance Floor”, primeira música de trabalho do disco, já revela suas exigências de discoteca e som alto no título. A faixa tem clipe com a participação do ator Elijah Wood, notório fã da banda e que virou também em empresário e amigo. A participação faz parte de todo um jogo de realidade alternativa criado por Schneider para preencher a história por trás de Travellers in Space and Time. Reza a lenda disseminada pela própria banda que o disco é, na verdade, como uma cápsula do tempo enviada pelos Apples in Stereo do futuro, que decidem sair em turnê pelo passado enquanto seus equivalentes temporais ainda estão em estúdio gravando o disco. Entendeu? Para o sci-fi fazer sentido, é preciso acompanhar a trama explicada em vídeos de YouTube. “Queria que soasse como música do futuro. Não de um futuro distante, talvez algo como daqui a vinte anos. Como a música de hoje, só que mais… ficção científica.” E como se isso tudo não bastasse, a banda ainda planeja lançar um vídeo para cada faixa do disco (são 16 no CD e 17 no vinil). A ideia é ser bem lo-fi, gravando clipes sem muitos recursos.

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Sobe Como já fizeram com “Hey Elevator”. O clipe foi gravado no elevador do prédio onde filmavam “Dance Floor”, com o empresário da banda fazendo as vezes de operador de câmera. “Primeiro subimos até o último andar, depois descemos tudo. Deu o tempo certinho da música. Acabamos gravando dois takes, por sorte, porque o primeiro ficou uma porcaria. Até a hora do air guitar foi espontânea, a câmera se move para o lado, me excluindo da tomada, e eu aproveito para avisar ao resto da banda: ‘olha, agora vai rolar um air guitar, todo mundo fingindo que tá tocando!’ O mais engraçado é que dá para perceber isso no vídeo…” O Apples in Stereo lançou seus dois últimos discos pelo selo de Elijah Wood, Simian Records. New Magnetic Wonder, sexto álbum da banda, de 2007, marca a estreia do selo, e seu primeiro single, a canção “Energy”, marca a estreia de Elijah Wood atrás das câmeras. Ao mesmo tempo, Schneider e os Apples in Stereo reviveram o nome da lendária Elephant 6 em seus últimos trabalhos. A gravadora que surgiu como um grupo de amigos havia crescido demais no começo dos anos 00 e se distanciado da proposta original. Mas, no final daquela mesma década, seus integrantes voltaram a se reunir, primeiro nas gravações de New Magnetic Wonder, depois na turnê The Elephant 6 Holiday Surprise Tour, consolidando novamente o coletivo como uma unidade identificável e profícua.

A fonte Pessoalmente, Schneider é uma explosão da mesma energia irrefreável que descreve em sua canção homônima: falando sem parar, apresenta situações e reflexões com detalhismo impressionante, seu fluxo de pensamento não-linear, claramente ultrapassando a velocidade das palavras, e sua paixão pela música, pelo universo e pela Matemática transbordando em cada questionamento e afirmação. Um matemático que pensa como artista e vice-versa, equilibrando impulsos e lógica. Tanto que, mesmo vivendo de música, defende que se um dia ela deixasse de pagar as contas, arranjaria outro emprego, sem nunca deixar de compor ou gravar. “Como artista, você tem a obrigação de processar sua cultura e devolvê-la ao público para que outras pessoas possam se aproveitar dela. É um privilégio do artista extrair da cultura e incorporá-la em sua arte, como uma colagem. Como o dadaísmo e o vaso sanitário (A Fonte) de Duchamp”, opina. O compositor ainda foi mais longe ao falar sobre direitos autorais: “Não existe copyright para arte. Quer dizer, claro que existe copyright, mas como artista, você não o respeita. Você não respeita o copyright do jornal quando recorta um pedaço dele para usar em sua pintura cubista se você é Picasso. Você só recorta e cola onde preferir, sem se preocupar com essas coisas. Eu sinto que o mundo moderno, com samplers e coisas assim, é meio desse jeito. Não estou falando de como funciona legalmente, e sim eticamente”, completa.

Próximo O Apples in Stereo se apresentou na primeira noite do festival SWU, em Itu, no sábado, 9. A banda encara os compromissos de divulgação de Travellers in Space and Time, mas Schneider diz já estar compondo para o próximo disco. “Temos umas duas ou três músicas que sobraram, músicas excelentes e com potencial para single, mas que não eram futuristas o suficiente para entrar no disco”, revela. “No ano que vem, meu plano é não lançar nada de música pop, só experimental.” O compositor deve reunir canções na nova escala musical em um disco – uma delas aparece como faixa-bônus no vinil de Travellers in Space and Time. O Apples, só em 2012 ou 2013, “depois do apocalipse Maia”, brincou. Segundo Schneider, o disco deve soar mais psicodélico e caseiro, mas o velho gravador já foi abandonado – apesar de ter feito o artista reexperimentar seu universo pela Matemática. “Talvez todos nós sejamos só uma forma de notação matemática sendo movimentada como álgebra ou algo assim. Desde que o meu velho gravador quebrou, passei a me interessar por Matemática. Talvez não tenha sido tão ruim assim ele ter quebrado.”

A Escala Musical Não-Pitagórica (Inclui uma Oitava em Doze Tons)por ROBERT SCHNEIDER, compositor e vocalista do Apples in Stereo

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Uma nova escala musical é criada ao permitir que sucessivas alturas de tons tenham proporções entre si equivalentes aos logaritmos naturais de números inteiros sequenciais. A maioria dessas alturas de tom não possui correspondência aos doze tons gerados pelo círculo de quintas, atribuído a Pitágoras, ou aos doze tons de afinação com temperamento igual. Notas sucessivas nessa escala se aproximam progressivamente, e o número de tons discretos em cada oitava aumenta quase exponencialmente, com cada oitava sucessiva. Ao ouvir as oitavas mais baixas o ouvido se dilata para esticar os tons às alturas mais próximas. No entanto, a maioria dos intervalos nessa escala são irracionais e não correspondem a nenhum dos doze tons tradicionais. À medida em que tons sucessivos se aproximam, eles se tornam quase indistinguíveis, e a semelhança a uma escala tradicional desaparece. As melodias e acordes possíveis nessa escala tem uma natureza completamente diferente dos produzidas na escala tradicional, permitindo novas avenidas de expressão musical. Existe uma beleza alienígena na nova escala quando o ouvinte se acostuma aos estranhos intervalos.

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