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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Governo Lula não pode ser analógico diante da ameaça golpista

Na mundo digital, este governo é profundamente conservador

Foto do author Pedro Doria

Em uma entrevista concedida ao UOL no início da semana, a ministra do Esporte Ana Moser rejeitou a ideia de que eSports sejam esportes. “É indústria de entretenimento”, ela afirmou. “O atleta de eSports treina, mas a Ivete Sangalo também treina para dar show e não é atleta.” Parece até fútil, na semana em que ocorreu o mais violento ataque ao governo federal desde 31 de março, em 1964, falar da relação entre esportes e videogames. Mas não é, pois revela um sintoma. Este governo, o governo Lula, é um governo terrivelmente analógico. E, num momento de democracia em risco, o governo não pode se dar ao luxo de ser analógico.

Ana está errada — e não é porque campeonatos de videogames podem ou não ser considerados esportes. Mas porque o debate existe, equipes brasileiras têm destaque mundial na modalidade e, portanto, o ministério tem a obrigação de estar aberto a esta conversa. Pode interessar ao Brasil que games cheguem até às Olimpíadas. Não pode simplesmente dispensar o assunto.

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Mas, no momento atual, importa o sintoma. Faz cinco dias que as sedes dos Três Poderes foram violadas, temos motivos para acreditar que autoridades civis e militares participaram ativamente da tentativa de golpe, e o governo federal não pôs no ar uma estratégia digital de comunicação. Enquanto isso, o professor Wilson Gomes, da UFBA, observou no Twitter: organizadamente o bolsonarismo está apelando para um discurso de maus tratos de idosos e mulheres presos, mentindo sobre mortes, mas essencialmente tem uma estratégia de comunicação.

Enquanto isso, Lula não usa seu smartphone. Se queixa, frequentemente, quando vê alguém numa reunião olhando para a tela. Por certo, é falta de educação. Mas todos o fazemos. Porque, para o bem ou para o mal, por vício ou não, estar atento ao que mandam a toda hora é parte da existência, é o cotidiano que o digital nos impôs. Quem abre mão do digital, abre mão de se comunicar. E a comunicação digital não se resolve com as fotos estupendas de Ricardo Stuckert, é um tipo de conversa com manha própria e o bolsonarismo faz isso muito, muito bem.

Ocorre que o bolsonarismo é também o principal inimigo da democracia brasileira. Ou seja, a democracia está se defendendo com uma mão atada às costas.

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Em outro trecho da entrevista, Ana Moser se queixa do ambiente esportivo. “É um meio altamente conservador”, ela diz, “e se mostrou de direita nos últimos anos.” É comum confundirmos ser conservador e ser de direita. O conservadorismo é mais um padrão de comportamento, uma certa predisposição à repulsa perante mudanças.

Na comunicação, este governo é profundamente conservador. Não basta um ou dois que entendam de digital. Para o governo de um país do tamanho do Brasil, gente com cabeça digital é necessária às dezenas. Como ocorre com frequência com conservadores, porém, eles sequer perceberam ainda que têm o problema.

Opinião por Pedro Doria
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