
Qual é a importância de um microssegundo? No mundo dos investidores de alta frequência, um milionésimo de segundo pode fazer toda a diferença. Em seu novo livro Flash Boys, o escritor americano Michael Lewis mostra qual foi o impacto do avanço dos computadores e da comunicação no mercado financeiro.
O impacto foi basicamente ruim, na visão do livro. Os sistemas de negociação eletrônica criaram um novo tipo de atravessador, os investidores de alta frequência, que usam sistemas computacionais supervelozes e, em frações de segundos, se aproveitam da informação obtida para se antecipar aos outros.
O processo de substituição de pessoas por computadores nas bolsas americanas foi concluído em 2007. Entre as histórias contadas por Lewis, está a da criação da Spread Networks, conexão de fibra óptica quase em linha reta entre a Bolsa de Nova York e a Bolsa de Mercadorias de Chicago, que conseguiu reduzir a velocidade de comunicação entre elas a 13 milissegundos (milésimos de segundo). As velocidades oferecidas pelas operadoras convencionais chegavam a 17 milissegundos.
Esse foi só o começo da corrida para ganhar frações de segundo. Os Estados Unidos têm 13 bolsas e mais de 40 "dark pools" (ambientes privados de negociação de ações). Os negociadores de alta frequência tiram vantagem da diferença de velocidade com que outros investidores conseguem chegar a cada um desses mercados. Uma das principais estratégias desses investidores super-rápidos é deixar à venda pequenos blocos de 100 ações de cada empresa em cada um desses mercados.
Quando um investidor quer comprar um bloco grande de papéis (por exemplo, de 10 mil ações), o negociador de alta frequência fica sabendo ao vender o primeiro bloco de 100 ações e, com seu sistema de alta velocidade, consegue comprar todos os papéis disponíveis nos outros mercados, elevando o preço das ações antes de revender para o verdadeiro interessado.
Os ganhos costumam ser pequenos, de US$ 0,01 por papel. Mas o volume é tão grande que, segundo Lewis, somente uma das estratégias usadas por esses investidores, de arbitragem de preços em "dark pools", pode render, por ano, US$ 1 bilhão. O autor mostra os investidores de alta frequência como predadores. Segundo ele, é um tipo de intermediação que não beneficia o mercado nem facilita os negócios.
O "herói" do livro é Brad Katsuyama, criador da IEX, uma bolsa eletrônica desenhada para impedir que os negociadores de alta frequência tirem vantagem de suas conexões super-rápidas. A IEX, por exemplo, não oferece co-location. Nesse serviço, outras bolsas alugam espaço para que investidores coloquem seus computadores do lado dos servidores das próprias bolsas, para ter acesso mais rápido à informação.
Desestabilização
As negociações eletrônicas elevaram a instabilidade ao mercado, segundo Lewis. Em 6 de maio de 2010, aconteceu na Bolsa de Nova York o chamado "flash crash". Em poucos minutos, o mercado caiu 600 pontos para depois voltar à pontuação anterior. Mais de 20 mil negociações aconteceram a preços mais de 60% diferentes do momento anterior. Os papéis da Procter & Gamble chegaram a ter cotação mínima de US$ 0,01 e máxima de US$ 100 mil.
Vilões
O livro de Michael Lewis tem recebido algumas críticas lá fora. Tem gente que achou a história maniqueísta, sem mostrar o ponto de vista dos investidores de alta frequência. Andrew Ross Sorkin, do New York Times, escreveu que a culpa principal não é dos grandes bancos e fundos, que atuam como negociadores de alta frequência, mas das bolsas e da Securities and Exchange Commission, autoridade americana do mercado de ações.
No Estado de hoje ("Alta frequência", p. B12).