É um fenômeno conhecido de todos. Com o aumento do barulho durante o dia nas grandes cidades brasileiras, o Sabiá-laranjeira passou a cantar de madrugada. É tanta gente falando, tanta buzina e gritaria, que o pássaro teve que procurar uma outra forma de se expressar e de se fazer ouvido pelos seus pares.
Quando Elon Musk anunciou que estava fazendo uma oferta irrecusável para comprar o Twitter, ele argumentou que a empresa tem o “potencial de ser a plataforma para a liberdade de expressão global”, mas que na sua atual configuração a rede social “não vai prosperar ou atingir esse imperativo social”.
No cerne das preocupações de Musk está o regime de moderação de conteúdo na plataforma, que pode remover publicações que ferem as regras do app, etiquetar postagens com links para fontes confiáveis ou suspender contas de usuários. O empresário parece querer uma rede social com menos regras sobre o que pode e o que não pode ser dito online.
É verdade que as empresas de tecnologia precisam ser mais transparentes, coerentes e informativas quando decidem moderar conteúdos ou contas em suas plataformas. Mas o debate sobre aperfeiçoamento das práticas de gestão de redes não deve ser confundido com discursos que procuram reduzir ou mesmo eliminar essa atividade em nome de uma pretensa liberdade de expressão.
Um Twitter com menos moderação de conteúdo poderia se tornar um criadouro para fake news e ataques de toda sorte. Outras redes sociais de nicho procuram mobilizar seguidores com essa proposta, mas políticos e influenciadores que vivem desse expediente precisam de uma rede mais ampla para crescer e fazer sua comunicação chegar a novos usuários
Nesse contexto, o "Twitter by Elon Musk" pode se transformar em uma plataforma que congrega discursos que, em vários países (inclusive no Brasil), não são protegidos pela liberdade de expressão. Será até natural que os conflitos entre a empresa e os governos nacionais se tornem mais intensos, levando a impasses sobre o atendimento de ordens judiciais.
De olho no contexto norte-americano, as atenções se voltam para o ex-presidente Donald Trump, que foi banido da rede depois de incitar atos que levaram à invasão do Capitólio. A revisão das práticas de moderação no Twitter poderia viabilizar o retorno do político a tempo de turbinar a sua comunicação para uma possível campanha presidencial.
Outras mudanças foram sugeridas por Elon Musk no passado, como a redução do número de contas automatizadas, a autenticação de todos os usuários da rede, além da redução (ou mesmo o fim) da publicidade na plataforma.
Algumas medidas parecem positivas, outras nem tanto. No front da liberdade de expressão, vale lembrar que a permissão irrestrita para qualquer tipo de discurso, mesmo a desinformação ou o ataque, ao invés de melhorar o debate pode acabar prejudicando todo o ecossistema de informação construído na plataforma. Liberdade de expressão não se compra, nem é apenas o resultado do engajamento de seguidores que só gera barulho. No final do dia, a rede social do passarinho pode acabar sem sabiás.
* é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-RIO)