No final de 2023, um episódio envolvendo uma jovem mineira e o humorista Whindersson Nunes ganhou repercussão. Segundo a polícia, a moça divulgou para páginas de fofocas que teria um romance com Whindersson e a história, falsa, saiu do controle nas redes sociais, levando a jovem a cometer suicídio. O desdobramento trágico comoveu o País e chamou a atenção para as tentações e perigos da sociedade do espetáculo, mas também pareceu ser um chamado para revisar práticas nocivas no marketing de influência. Havia uma expectativa, quase uma certeza, de que 2024 seria enfim o ano de profissionalização da creator economy.
Mas a realidade se impôs. Marcas seguiram precisando de influenciadores. E influenciadores seguiram crescendo e surgindo pelos borbotões.
Num estudo divulgado nesta semana por YouPix e Nielsen, 43% dos respondentes concordaram total ou parcialmente com a sentença “Sempre que vejo uma propaganda/ publicidade de algum influenciador fico com vontade de comprar o produto”; e 66% já comprou ou testou, em alguma medida, novas marcas devido à indicação de influenciadores. São evidências mais que necessárias para as marcas não diminuírem investimentos, ainda que a recorrência de problemas demande precauções.
Seriam as agências esse porto seguro?

Dever e responsabilidade
Nenhuma empresa envolvida no episódio da jovem mineira admitiu qualquer nível de responsabilidade. O caso resultou na quebra de contratos, em intensa lavanderia pública e numa enorme crise de reputação para as agências e networks relacionadas. “Foi uma reflexão para muitas agências que trabalham com esse modelo, de intermediação comercial junto ao conteúdo, embora não tenham nenhuma responsabilidade, na maioria dos casos, sobre aquilo que vai para o ar”, comenta Rafaela Lotto, CEO da YouPix. “Não faz parte do modelo de negócios controlar o conteúdo, porque isso não paga a conta. Ao contrário de uma TV e um jornal que produz e distribui conteúdo, essas agências são representantes comerciais. O quanto deveriam ser corresponsabilizadas por um conteúdo que ela não produz, mas representa? Numa analogia simples, é como se uma indústria fabricasse alimentos envenenados e quem vendeu fosse responsabilizado, mas não quem fabricou”, explica a executiva.
“As marcas estão tendo mais cuidado com quem contratam, isso já é sentido no mercado”, afirma Elis Monteiro, consultora e professora de marketing digital em instituições como FGV e coordenadora de MBA do Ibmec. “E obviamente que as plataformas sociais não querem esse encargo, pois elas têm uma relação de amor e ódio com influenciadores. O Mark Zuckerberg quer dinheiro direto do anunciante: quando um criador cresce muito, a Meta derruba o alcance, interrompe a monetização porque ‘infringiu as regras’, sem dizer exatamente o que ocorreu”.

Se as plataformas oferecem apenas os recursos para os creators se auto publicarem, o agenciamento seria a intermediação menos problemática. Quais seriam, então, os caminhos para tornar a relação mais saudável?
Julia Affonseca, diretora de negócios e operações da Wake Creators, acredita que plataformas e agências “podem desempenhar um papel vital ao oferecer suporte e orientar ambos os lados nesse processo”, apontando a importância de educar todos os envolvidos no ecossistema. Fabiana Bruno, CEO da Suba, também defende a importância de ter alguém que ajude a conectar personalidades e marcas. “Nós somos uma grande fábrica de matches. Mas depois dessa conexão, tem um caminho para ser percorrido. Envolve construção e percepção de imagem, com o que chamamos de três Cs: coerência, consistência e cadência”, diz a executiva.
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Esta ainda não é, contudo, a tônica do mercado. “Ainda há muitos profissionais despreparados para lidar com o tema, que escolhem nomes por gosto ou por identificação pessoal, e que olham apenas para o número de seguidores e para o quanto o nome é reconhecido, ignorando recomendações e alinhamentos estratégicos mais importantes e diminuindo o trabalho dos especialistas na área”, relata Michelle Almeida, sócia e diretora de operações da NetCos. Ela acrescenta que, não raro, uma campanha admite um creator na estratégia sem sequer saber qual é seu objetivo na comunicação, como se o investimento em influência digital fizesse parte de um protocolo.

Esse amadorismo obedece a uma economia de curto prazo. “A marca compra influência como mídia, e não como formação de opinião”, diz Bia Granja, cofundadora do YouPix e, hoje, como consultora, reconhecida no mercado como uma metainfluencer: especializada na creator economy. “O anunciante pode comprar essa ‘autenticidade’ do criador diretamente, sem necessidade de mensuração, sem tecnologia, sem construção de marca... Sai mais barato, mas se é mídia, deveria ter uma empresa responsável no meio. Se não, a corda estoura do lado mais fraco da equação: o influenciador.”
Capacitação e aquisição
Em pesquisa realizada junto à agência Brunch, o YouPix apontou que três em cada quatro creators (73,72%) buscam um agente ou representação comercial (quase o mesmo percentual, 74,25%, disseram que não tem qualquer profissional do tipo para auxiliá-lo). Há, portanto, um grande mercado à espera desse tipo de parceria.
Para além de gerir casting, contratos, briefings e pagamentos, as agências têm a oportunidade de cobrir, se não todas, pelo menos algumas das responsabilidades importantes. Ferramentas de planejamento, cocriação, verificação de conteúdo e mensuração de resultados são as mais urgentes. Programas de capacitação, empreendedorismo e apoio jurídico também são desejados. “As agências devem atuar como consultoras estratégicas, auxiliando as marcas na definição de objetivos, escolha dos influenciadores, criação de campanhas e mensuração de resultados”, concorda Almeida, da NetCos. “Devem, também, investir na capacitação de seus profissionais e no desenvolvimento de ferramentas”, acrescenta.

Segundo uma pesquisa de dezembro de 2024 da BrandLovers — plataforma que fornece ferramentas e conexão entre marcas e micro e nano influenciadores — 54% dos creators de sua base pretendem fazer cursos de criação de conteúdo ou marketing digital para melhorar suas habilidades. Segundo Celso Ribeiro, CEO da BR Media Group, as próprias agências poderiam absorver parte da demanda, “seja investindo em novas tecnologias, utilização de dados, desenvolvimento de pesquisas proprietárias, além de capacitação dos mais de 350 profissionais que trabalham no grupo”.
Algumas plataformas têm feito seu papel. A Hotmart, reconhecida por fornecer ferramentas para creators de aulas digitais, lançou o próprio curso para empreendedores do setor. A QuintoAndar também criou um programa para desenvolver a linguagem creator entre seus corretores. A Gerando Falcões lançou, neste mês, um curso para formar criadores de conteúdo nas favelas e periferias de São Paulo. “Na Digital Favela, temos diversas iniciativas com grandes marcas para capacitar influenciadores a se posicionarem, criarem, precificarem e negociarem”, revela Tiago Trindade, sócio, cofundador e CCO da agência dedicada a talentos periféricos. Em janeiro, uma parceria entre Ânima Educação e Agência California resultou na Community Creators Academy, uma iniciativa que promete inaugurar em São Paulo, ainda este ano, um campus de 13 mil metros quadrados.

Há oportunidades, portanto, com a abertura de mercado profissional: o marketing de influência tem atraído gente capacitada e de carreira de outros segmentos, não raro em cargos C-level. Outra tendência natural do segmento são as fusões e aquisições (M&A).
Segundo um relatório da consultoria Quartermast Advisors, o setor testemunhou 65 processos de M&A em 2024. As de maior envergadura foram internacionais, com destaque ao mercado francês: a Voodoo comprou a conterrânea BeReal e o Publicis Groupe adquiriu a estadunidense Influential. Um dos principais movimentos no Brasil, no ano passado, foi da Hotmart, que adquiriu a empresa de inteligência artificial Reshape.
No começo deste ano, a Shine Talent Group adquiriu a também estadunidense Spark (sem relação com a agência brasileira) e anunciou seus planos de expansão global. Nesta semana, a Exame publicou que a Publicis também estaria fechando a compra da BR Media, com quem já tinha uma parceria oficial há cerca de um ano — os envolvidos não confirmaram nem comentaram o negócio ao ESTADÃO. Mas o enorme mercado brasileiro atrai cada vez mais os olhos globais. Temos, afinal, a segunda maior creator economy do mundo, com 10% da fatia de US$ 460 bilhões projetados pela Goldman Sachs até 2027.
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