Regulamentação

Enquanto o mercado debate a criação de um regramento funcional para a creator economy, a autorregulação corre o risco de ser atropelada pelo poder público

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Por Igor Ribeiro
Atualização:

Ainda que seja difícil definir as melhores regras e quem vai arbitrar, a maioria do mercado concorda que a creator economy precisa de alguma regulamentação. Segundo Rafael Coca, cofundador e CSO da Spark, “de dois anos para cá, o tema passou a fazer parte da pauta das entidades mais importantes que regem a publicidade no Brasil”, citando instituições como a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e o Fórum de Autorregulamentação do Mercado Publicitário (Cenp).

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Sandra Turchi, CEO da Digitalents e professora de MBA em negócios e marketing em diversas instituições, como ESPM e Insper, menciona o Interactive Advertising Bureau (IAB) e a Associação Brasileira dos Agentes Digitais (Abradi) como organizações que também têm se movimentado, mas questiona a evolução dessa conversa. “Talvez as entidades que existem hoje não estejam preparadas para debater nos temas desse grupo. Mas tem essa possibilidade”, diz.

Bia Granja, do YouPix, revela que participou de um grupo de trabalho com creators, no Rio de Janeiro em 2023, para discutir a criação de uma espécie de IAB do setor. Não evoluiu. “As agendas eram muito diferentes, cada um estava advogando para si”, lembra a consultora. “Então o movimento de consolidação não deve ser só M&A, mas também pegar essa pauta comum e ir todos numa mesma direção.”

Rafael Coca, cofundador e CSO da Spark, lembra que regulamentação tem sido discutida por instituições do mercado brasileiro Foto: Divulgação

Para essa reunião, é necessário um ponto de partida, porém ainda não há um consenso sobre ele. Raphael Avellar, CEO da Brand Lovers, afirma que nunca esteve numa sala na qual o debate sobre a regulação evoluísse. “E eu vejo que pode ocorrer dois tipos: decisões que são tomadas por gente de fora, como deputados e políticos em geral, que não entendem nada. E as regras definidas em conjunto por especialistas. Sou super a favor desta segunda forma, seria ótima e movimentaria o mercado. Enquanto a outra, que pode acontecer se ninguém tomar a iniciativa, vai no sentido contrário: trava o mercado”, diz.

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Avellar acrescenta que o modelo de mercado deveria ser apresentado pela empresa que oferece o melhor produto. Granja lembra que os programas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) viraram norma corporativa graças a um esforço inicial das próprias empresas, usando essa analogia como uma possível solução para a falta de regramento no marketing de influência.

Porém, isso talvez não solucionasse o problema da precificação. Ficando as empresas responsáveis por determinar, entre tantas regras, a formatação dos custos, o mercado tenderia a privilegiar o mais barato. E o mais barato não é necessariamente o mais justo.

Precificação deverão ser valorada pelo resultado de campanhas de influência Foto: Adobe Stock

A regra não é clara

Na planilha de influenciadores vazada no final de janeiro, um comentário constante era “não vale o que cobra” e variações. Mas qual seria o preço de um trabalho de excelência nesse setor? Quando um simples story fica caro e um conteúdo 360º sai barato?

Como o mercado não é organizado, essas perguntas não têm respostas. Pagamentos e cobranças são estimados na informalidade, graças a variáveis inspiradas na publicidade tradicional: volume de mídia vezes alcance e engajamento, elevado ao custo regional.

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A valoração poderia ser ditada pelo resultado de uma campanha. Mas para efeito de marketing de influência, esta ainda é uma incógnita que somente agora vem sendo estudada. “Persiste a dificuldade em equalizar questões como a previsibilidade de resultados e a proporcionalidade dos cachês”, confirma Michelle Almeida, da NetCos. “Ainda é muito difícil prever o custo de contratação de influenciadores e estimar seus resultados para viabilizar os processos necessários de curadoria. E ainda é comum encontrarmos situações em que, num mesmo projeto, um influenciador com 1 milhão de seguidores e engajamento mediano custa menos do que outro influenciador com 100 mil seguidores e engajamento similar.”

Bia Granja, especialista e consultora em creator economy, alerta sobre a competição desleal que os UGCs apresentam para microinfluenciadores Foto: Eugenio Goulart/ Divulgação

Outro fio delicado dessa trama é a ascensão do user generated content, ou UGC. O formato nasceu como algo espontâneo: consumidores e entusiastas reais de marcas fazendo conteúdos sobre produtos ou serviços. Como as fotos com o selo “Shot on iPhone” que acabaram virando campanha da Apple ou as comunidades de Melisseiras, que promoviam organicamente os calçados da Grendene. Mas o mercado de influência inventou o collaborator ou creator generated content (CGC): o que era para ser só uma nova ferramenta de incentivo entre colaboradores da própria marca virou uma tática de marketing cujo crescimento descontrolado a transformou em mídia paga. “É um problema que está canibalizando a pirâmide por baixo. No topo temos as Virgínias, as Boca Rosas, Cazés imbatíveis, no meio tem aquele creator que às vezes nem cresce muito, mas se sustenta. Mas na base estão os nano e microinfluenciadores, que acabam impactados. Pois marcas sempre vão querer gerar mais resultado com menos investimento”, destaca Bia Granja.

O que levanta a necessidade de também colocar anunciantes na discussão sobre as regras do jogo. Não só em precificação, mas quais são as restrições na hora de ativar CGCs? Como estabelecer contratos transparentes no tripé creator-agência-marcas? Como respeitar a criação e o estilo do influenciador por um lado, enquanto se estabelecem dispositivos de brand safety por outro? Como dividir responsabilidades? Qual é a equação do tão almejado retorno sobre investimento?

E mesmo que se consiga calcular alcance, conversão ou qualquer outro modelo numérico que represente a efetividade de uma campanha, há ainda fatores intangíveis a serem considerados. “O valor real do marketing de influência reside na construção de conexões genuínas, na escolha de influenciadores que realmente ressoem com a audiência e na criação de narrativas que agreguem valor à marca”, explica Julia Affonseca, da Wake Creators. Ou seja: há coisas que o papel ou o regulamento aceita. Mas para muitas outras ainda pesará o bom senso.

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