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A democracia pelas urnas

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Por Redação
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Na quarta-feira da semana passada, durante almoço oferecido à presidente Cristina Kirchner, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterou a posição da diplomacia brasileira a respeito da crise hondurenha. "Exigimos a pronta restituição de Zelaya. Caso contrário, as eleições do dia 29 serão comprometidas e estará lançado um precedente perigoso. Esse é o consenso de toda a América Latina e Caribe." Na véspera, o Departamento de Estado recebera do Itamaraty uma proposta de adiamento por duas semanas das eleições do próximo domingo. Como o governo brasileiro não só anunciou que não reconhecerá o resultado das eleições, como vem buscando apoio para sua posição, entre os países da região, o governo americano nem mesmo respondeu à proposta. Apenas estranhou que ela tivesse sido apresentada a poucos dias das eleições.O fato é que, em toda a crise de Honduras, o governo brasileiro só tem se atrapalhado. Começou ao receber o presidente deposto, Manuel Zelaya, na embaixada em Tegucigalpa, não como asilado, mas como hóspede que abusa das imunidades e prerrogativas da representação diplomática, transformada em base para comícios diários. Finalmente, adotou a infeliz decisão de não reconhecer as eleições do dia 29, convocadas muito antes de Zelaya ter sido apeado do poder pelo Congresso e pelo Judiciário, que não permitiram que a Constituição fosse violada pelo discípulo de Hugo Chávez.Ora, a realização de eleições, livres e diretas, é a solução mais evidente para o impasse hondurenho, na falta de um acordo negociado entre as partes. O governo brasileiro, no entanto, se recusa a aceitar essa solução e não reconhecerá o vencedor do pleito. Levada ao pé da letra, essa atitude significa que o governo petista quer que o bolivariano Zelaya reassuma o poder sem ter de presidir eleições ou que o impasse continue indefinidamente. Qualquer dessas alternativas agradará imensamente ao caudilho Hugo Chávez. Esse parece ser, desde o início da crise, o objetivo do governo brasileiro. Afinal, o Itamaraty não apresentou, até o momento, nenhuma colaboração construtiva para a solução do impasse. Ao contrário, aferra-se a uma posição irracional que, se prevalecer, prolongará o conflito ? o que só interessa ao caudilho venezuelano, que não quer perder o seu discípulo Zelaya, que vinha usando como instrumento para a implantação do "socialismo do século 21" em Honduras.Os Estados Unidos, num primeiro momento, acompanharam o Brasil. Mas, depois de constatar que apenas a condenação retórica do golpe e a recusa a reconhecer o resultado das próximas eleições não levam a nenhuma solução para a crise, propuseram uma fórmula de conciliação ? o Acordo San José-Tegucigalpa ? que não avançou o suficiente, e depois anunciaram que, se as eleições forem de fato livres e limpas, reconhecerão o próximo presidente de Honduras.No Itamaraty, como era de esperar, essa mudança de posição provocou ranger de dentes. O principal argumento é que o reconhecimento do eleito no dia 29 consagrará o golpismo. Mas o que não se considera é que eleições livres e limpas são uma forma legítima de sair de regimes de exceção. Isso ocorreu com vários países da região ? observadas as peculiaridades de cada um ? durante a década de 1980, não sendo o Brasil um completo estranho a esse tipo de processo.O senador Richard Lugar, líder republicano no Comitê de Relações Exteriores, resumiu bem a questão: "Se as eleições do dia 29 cumprirem os parâmetros internacionais de equilíbrio e transparência, eu apoio fortemente o reconhecimento dessas eleições. Países da região, o Brasil em particular, devem considerar esse reconhecimento como a única maneira de os hondurenhos superarem a crise que dura cinco meses."Mas o governo brasileiro não parece disposto a ouvir a voz da razão. Também não parece dar importância ao que dizem e pensam os hondurenhos ? os maiores interessados na solução da crise. E eles querem a realização das eleições. Nenhum dos seis candidatos presidenciais abandonou a disputa. Apenas 0,22% do total de candidatos aos cargos em disputa cancelou seus registros. E não há mais, na America Latina, o consenso a que se referiu o presidente Lula. Pelo menos quatro países reconhecerão os resultados da eleição.

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