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A meta afegã de Obama

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Por Redação
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Semanas atrás, o presidente Barack Obama disse a uma plateia de soldados americanos no Alasca que só arriscaria as suas vidas em caso de absoluta necessidade. Mas, então assegurou, lhes dará "a estratégia e a clara missão a que fazem jus". Na terça-feira, ao anunciar na academia militar de West Point - depois de três meses de deliberações - a sua decisão de enviar até meados de 2010 mais 30 mil soldados ao Afeganistão, Obama tentou descrever a estratégia e a missão dos Estados Unidos no país onde há oito anos travam uma guerra até agora perdida - porque nesse período uma coisa e outra se decompuseram. Bush resolvera invadir o Afeganistão em fins de 2001 para destruir as bases de onde a Al-Qaeda operava sob a proteção do Taleban, e eliminar Osama Bin Laden, que ordenara o ultraje do 11 de Setembro. Livres, graças à invasão, da tirania medieval dos fundamentalistas, os afegãos elegeram um presidente, Hamid Karzai, que vestia o manto da moderação e da modernização enquanto as forças americanas praticamente tinham Bin Laden na sua alça de mira. A partir daí tudo começou a dar errado. Os invasores não liquidaram o inimigo e não conseguiram impedir que parte ponderável de sua organização se abrigasse em território paquistanês. Mas, àquela altura, o bushismo se voltara para o Iraque e o Afeganistão saiu do topo das prioridades de Washington. A "guerra por escolha", como viria a dizer Obama, ofuscou a "guerra por necessidade". O Taleban recuperou a iniciativa, as baixas americanas e dos aliados da OTAN se acentuaram - e sobrou para o novo presidente o fardo da assombrosa coleção de desastres cometidos pelo antecessor, ao custo de 800 vidas americanas e de mais de US$ 170 bilhões.Obama se comprometeu a "levar essa guerra a um desfecho bem-sucedido". O problema é o que isso significa e do que depende. Permanece obscuro, por exemplo, se o alvo principal é derrotar o Taleban ou erradicar o "câncer" da Al-Qaeda na região - não dá no mesmo. "Se eu não achasse que a segurança dos Estados Unidos está em jogo no Afeganistão", afirmou Obama, "chamaria prazerosamente de volta cada um de nossos soldados amanhã." Ora, o Taleban não ameaça os Estados Unidos. Por outro lado, "a luta contra o extremismo violento não terminará tão cedo e se estende muito além do Afeganistão e do Paquistão", reconheceu Obama. Mas ele marcou para 2011 o início da retirada. Quem sabe tinha razão o vice-presidente Joe Biden, que defendia deixar o problema taleban para os afegãos e intensificar as "ações cirúrgicas" aéreas contra a Al-Qaeda no Paquistão. Suponha-se, em todo caso, que a missão dos EUA no Afeganistão esteja clara. Ela se prende, porém, a uma estratégia que Obama, os seus generais e conselheiros civis podem traçar, mas cujo controle lhes escapa. Porque ela depende do governo, do exército e das forças de segurança afegãs. E, em relação a isso, todo ceticismo parece pouco. Há quase oito anos no poder, tendo sido reeleito recentemente graças a uma fraude colossal, Hamid Karzai chefia o que é considerado o segundo mais corrupto governo do globo (o primeiro seria o da Somália). Os afegãos são extorquidos a cada passo - não admira que tolerem ou simpatizem com o Taleban. A ajuda externa é apropriada pelas máfias cujo capo dei tutti capi é o próprio presidente. O seu irmão Ahmed Wali é apontado como o principal operador do tráfico de ópio. No mês passado, Karzai rejeitou o pedido americano de removê-lo de sua base em Kandahar, um reduto taleban. Um emprego na polícia pode valer até centenas de milhares de dólares. Os pagadores sabem que recuperarão o investimento vendendo proteção aos traficantes. Além de serem poucos - 180 mil ao todo em um país de quase 30 milhões -, os militares e policiais afegãos são em geral muito menos aptos do que os seus pares iraquianos, por exemplo. A estratégia de Obama de transferir responsabilidades aos locais se baseia na que Bush adotou no Iraque em 2007, com razoável êxito - a chamada "irrupção" (surge, em inglês). A ideia também é incorporar os taleban de baixo escalão às forças de segurança, como se fez com os insurgentes sunitas no outro país. Mas nada disso será possível enquanto os afegãos continuarem convencidos de que os americanos estão ali apenas para proteger Karzai.

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