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A OTAN, a Rússia e a Ucrânia

Por Cristina Soreanu Pecequilo
Atualização:
Da esquerda para a direita, os líderes da França, Ucrânia, EUA, Reino Unido, Alemanha e Itália durante cúpula em Gales Foto: Loeb Saul/AFP

Originalmente publicado no Estadão Noite Em 2007, o Presidente russo Vladimir Putin definiu o desaparecimento da União Soviética como a “maior tragédia geopolítica do século XX”. Ocorrida em 1991 como parte do fim da Guerra Fria em 1989, a desmontagem do bloco soviético iniciou o processo de reposicionamento estratégico ocidental. Da Europa Oriental à Ásia Central, os Estados Unidos e a União Europeia substituíram a contenção do período bipolar pela expansão e estrangulamento político, militar e econômico do antigo adversário. Embora negassem o caráter ofensivo destas movimentações, até sinalizando que a Rússia poderia se tornar membro dos organismos envolvidos, a Organização do Tratado Atlântico Norte (OTAN) e a União Europeia, o objetivo era claro: avançar na Eurásia, fragilizando a Rússia, e controlando a produção e distribuição de recursos energéticos como petróleo e gás, iniciativa conhecida como Diplomacia dos Dutos. Tal processo teve sucesso relativo nos anos 1990, mas a partir de 1999 o país reagiu, com a ascensão de Putin ao governo. 

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Apesar da vulnerabilidade, em comparação ao poder norte-americano, a Rússia iniciou uma guerra de posições com o Ocidente, em andamento, e procura preservar sua zona de influência pelo menos nas repúblicas mais próximas como Ucrânia e Bielo Rússia, e abrir novas agendas de parceria na Eurásia, com a Índia, mas em particular com a China (da qual resultou uma parceria estratégica bilateral e a Organização de Cooperação de Xangai). Globalmente, o país aproximou-se dos emergentes, cooperando via Brics e defendendo o multilateralismo e a multipolaridade. Além disso, manteve o poder residual nuclear e o assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, que, ao lado de uma recuperação econômica lenta, permitiam maior margem de manobra.

Como mais um capítulo desta guerra de posições, insere-se a atual crise ucraniana e a reunião da Otan. Para o Ocidente, a Ucrânia é um pivô estratégico a ser conquistado, observando-se ofertas de parceria com a Otan e a UE. O estopim foi a escolha do governo Yanukovich (depois derrubado) em selar acordo com a Rússia e não com a UE. Estas pressões externas ocorrem de forma cíclica desde 2004, com o apoio à Revolução Colorida contra Moscou quando políticos pró-Ocidente ascenderam. As ofertas buscam frear a recuperação russa sustentada no mercado de gás, e minar a projeção de poder a partir da península da Crimeia, barrando o acesso à base de Sebastopol, com saída para o Mar Negro. A Rússia reagiu, anexando a Crimeia, e prolonga-se a polarização entre as forças pró-Rússia e pró-Ocidente. Hoje, a Ucrânia é governada por Petro Poroshenko. Envolve, ainda, a acusação de que forças do exército russo ajudam os rebeldes em solo ucraniano. A constante violência, a queda do voo MH 17 da Malaysia Airlines, os repetidos cessar-fogo, são episódios relacionados e que, na primeira semana de setembro, culminaram em mais uma trégua Moscou-Kiev. 

Paralelamente, ocorria a reunião de Cúpula da Otan, cuja Declaração Transatlântica criticou as ações russas. Menos importante do que estas críticas óbvias é a missão da Otan. Apesar de manter o compromisso de encerrar a Guerra do Afeganistão (iniciada em 2001 no pós-11/09), a sinalização da reunião de Wales é de aumento de investimentos e tropas nas fronteiras russas, o que facilitaria tentativas de ingerência estadunidenses e europeias. É preciso compreender que a crise da Ucrânia é apenas um dos motivadores para estas decisões. Dentre estas, a reforma das forças de mobilização rápida, com capacidade de intervenção global (a NATO Readiness Action Plan), com menção a todo entorno eurasiano, à África e qualquer região global na qual se detecte ameaça aos membros da aliança. O aumento das tropas na Europa Oriental (que, por sua vez, teme a Rússia), a retomada da instalação construção do escudo contra mísseis nucleares sinalizam este reforço militar e a necessidade de demonstrar poder.

Independente da definição sobre a Eurásia, arco das crises, tabuleiro geopolítico, grande jogo II, a realidade é a mesma: uma disputa de influência entre as potências pelo controle desta zona de passagem e projeção militar, com recursos energéticos e minerais. Porém, uma disputa na qual o protagonista visível como adversário da Otan, a Rússia, não é, necessariamente, o alvo. Putin tinha razão: seu país no século XXI é uma nação em reconstrução, ameaçada por suas fragilidades. Na disputa pela Eurásia, a Otan e os Estados Unidos não olham só para Moscou, mas para Beijing e Nova Délhi. * Cristina Soreanu Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), é autora de “Os Estados Unidos e o Século XXI” e “A União Europeia”

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