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A política do espetáculo

Por Wagner Iglecias
Atualização:

Artigo publicado originalmente no Estadão Noite A semana política em São Paulo foi movimentada pela notícia de que duas personalidades televisivas, uma de apelo popular e outra mais voltada ao mundo corporativo, pretendem concorrer à eleição para prefeito da capital paulista: José Luiz Datena, pelo PP, e João Dória Junior, pelo PSDB. Soma-se a eles o já experiente Celso Russomano, do PRB, que, embora seja deputado federal, é muito mais conhecido da população por seus programas televisivos ligados aos direitos do consumidor. Em tese, problema algum, afinal, qualquer cidadão tem o direito de votar e ser votado, de acordo com nossa Constituição. Mas, na prática, uma série de senões podem ser levantados. A começar pelo fato óbvio, mas infelizmente ignorado pela maioria da população, de que gestão pública não se limita a voluntarismo ou a grau de conhecimento dos candidatos junto ao público. Há que se ter, e muita, habilidade política para se fazer um bom governo, transitando entre os mais variados interesses e em meio à crônica restrição de recursos e ao cipoal jurídico que impede que um governante faça as coisas da sua cabeça, pura e simplesmente. O gabinete de prefeito ou mesmo a cadeira de vereador são lugares bem mais inóspitos do que o cenário de um estúdio de TV com ar condicionado. E também que o escritório central de uma empresa privada, onde o dono pode fazer e desfazer o que quiser a seu bel prazer.  Mas mais grave que as gestões geralmente desastrosas conduzidas por celebridades, das quais há exemplos aqui e no exterior, é o esvaziamento da política que não só a eleição, mas a simples postulação eleitoral de personagens midiáticos, causa. A primeira vítima são os próprios partidos políticos. Que, em que se pese sua péssima avaliação no atual momento da vida brasileira, continuam a ser instâncias fundamentais de participação dos indivíduos na vida pública. E essa participação se dá pela construção, de baixo para cima, da vida partidária, com a discussão permanente de propostas para a sociedade e a própria vida política interna a essas agremiações. Um candidato pinçado do meio televisivo, sem essa experiência prévia, não apenas desconhece a dinâmica cotidiana de disputas e acordos típica dos partidos, como via de regra provoca mal-estares entre aqueles militantes que postulam ser candidatos e acabam se vendo preteridos em nome de figuras mais conhecidas ou mais palatáveis ao gosto do público.  Em segundo lugar - e aqui, me parece, é o que há de mais grave nesse expediente que os mais diversos partidos, de direita e de esquerda, usam de lançar mão de celebridades em eleições -, é o desserviço que isso causa junto ao eleitorado. Que acaba tendo reforçada em seu imaginário a ideia de que política não é coisa para os políticos (esses malvados!), mas sim para gente mais conhecida da gente, como as celebridades. Ou que a política é coisa suja, e que a única coisa a ser feita com ela é partir para a avacalhação e para o voto em outsiders. No fundo, o lançamento de candidatos midiáticos para os mais diversos cargos públicos apenas posterga o necessário envolvimento de pessoas comuns, cidadãos como quaisquer um(a) de nós, naquela que é, ou ao menos deveria ser, a atividade mais nobre da vida em sociedade. Não será com bravatas típicas dos programas televisivos ou com soluções mágicas importadas do mundo dos negócios que os problemas da sociedade serão resolvidos.* Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

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