A política monetária brasileira: entre gigantes e moinhos de vento

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Por Rafael Saulo Marques Ribeiro e Alex Wilhans Antonio Palludeto
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Análise publicada originalmente no Estadão Noite Apesar do patamar já elevado da taxa básica de juros, as sucessivas rodadas de aumento da mesma ao longo do ano não têm resultado em uma taxa de inflação em queda. Em outras palavras, parece que temos corrido sem sair do lugar. De acordo com a ortodoxia econômica, seguida à risca pelo Banco Central (BC), a principal causa para o aumento da inflação seria o excesso de demanda em relação à capacidade de oferta da economia. Desta forma, o aumento dos juros, ao conter a demanda, traria a inflação para o centro da meta estipulada pelas autoridades monetárias.  Contudo, a queda da utilização da capacidade instalada na indústria de transformação já há pelo menos mais de um ano não sugere que o problema atual seja a existência de um excesso de demanda. A inflação atual parece ser causada principalmente pelos os fortes reajustes nos preços de energia elétrica e petróleo e os historicamente altos níveis de indexação da economia brasileira. Assim, se a política monetária não parece ter dado os frutos esperados no período recente, há algo que nos garanta que a mesma conduzirá a inflação à meta no longo prazo? Para entendermos o processo inflacionário devemos compreender, antes de tudo, como se dá a formação de preços. Se se admite que parcela relevante dos preços é definida a partir de uma margem sobre os custos variáveis (tais como insumos, salários, pagamento de juros sobre empréstimos, etc.), então a política monetária pode ser analisada a partir de quatro canais básicos sobre os preços: os insumos, os salários, o pagamento de juros e a margem de lucro das empresas. Os insumos consumidos pela indústria podem ser de origem doméstica ou externa. Em 2014, o consumo de insumos importados pela indústria situou-se em torno de 24% do total utilizado. Ao apreciar a moeda doméstica em relação ao dólar, o aumento dos juros tende a baratear os custos com insumos importados, gerando espaço para a redução dos preços. Ao mesmo tempo, o aumento dos juros impacta negativamente sobre o consumo e investimento, o que reduz o crescimento do PIB e o emprego. A elevação do desemprego, por sua vez, reduz o poder de barganha dos trabalhadores nas negociações salariais, diminuindo assim os salários reais e piorando a distribuição de renda. A redução nos custos relativos com salários também abre caminho para uma queda na taxa de inflação. Contudo, o aumento da Selic, ao elevar os custos dos empréstimos tomados pelas firmas, gera uma pressão pela alta dos preços. No caso brasileiro, esses custos se restringem basicamente ao financiamento do capital de giro, uma vez que financiamentos de bens de capital, sobretudo para as grandes empresas, são feitos junto ao BNDES a taxas subsidiadas e que não seguem necessariamente a dinâmica da Selic. Claro que os bancos comerciais podem reduzir o spread, neutralizando o aumento da taxa básica de juros. Porém, em tempos de forte incerteza em relação ao cenário econômico, dificilmente os bancos exigiriam um menor prêmio de risco. Aumentos na taxa de juro, ao valorizarem o câmbio, barateiam os bens importados no mercado doméstico, forçando as nossas indústrias que produzem para o mercado interno a reduzirem os preços de seus produtos.  Contudo, a âncora cambial tem um impacto limitado sobre o setor de serviços, uma vez que este não sofre interferência direta da concorrência externa. Neste caso, a redução dos custos com salários decorrente de uma política monetária mais restritiva tende a ser, ao menos em parte, contrarrestada pelo aumento nos custos com pagamentos de juros. Logo, podemos supor que a inflação de serviços continuará mais resistente aos aumentos na taxa básica de juros. Portanto, uma elevação dos juros pode, a princípio, aumentar ou diminuir a inflação em um prazo mais longo de tempo. A complexidade do fenômeno impede uma conclusão a priori acerca da eficácia de elevações da taxa dos juros no combate às pressões inflacionárias, como pressupõe a teoria ortodoxa. Assim como D. Quixote, que via gigantes onde apenas havia moinhos de vento, o BC erra o alvo, atacando algo que não existe (o excesso de demanda) e se recusando a ver que este não é o inimigo.* Rafael Saulo Marques Ribeiro é doutorando pela Universidade de Cambridge, Reino Unido, e Alex Wilhans Antonio Palludeto é doutorando pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

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