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A rainha do clique

Venda milionária de site faz Arianna Huffington sorrir como Artemísia, a deusa das flechas de ouro

Por Lúcia Guimarães
Atualização:

Aos 60 anos, Arianna Huffington, volta a fazer justiça ao apelido de "grega mais ascendente desde Ícaro". Como boa parte da história ocidental, tudo começa em Atenas.

 

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Uma imigrante grega convence centenas de pessoas a escrever de graça num blog coletivo e visualmente sofrível, operado de sua casa em Los Angeles. O site atrai tanto tráfego que consegue o primeiro grande contrato publicitário para uma empresa de mídia exclusivamente online. Menos de seis anos depois, o site é vendido por US$ 315 milhões para uma corporação que não dá lucro. A empresária prefere os seus US$ 100 milhões em dinheiro vivo, obrigada, nada de ações.

 

 

Um vizinho de Arianna Huffington no afluente bairro de Brentwood, com o poder de aprovar roteiros num estúdio de cinema, seria perdoado por considerar a trama implausível.

 

E se juntarmos os ingredientes:

A ateniense, nascida Arianna Stassinopoulos, se mudou para a Inglaterra aos 16 anos, estudou em Cambridge e publicou, aos 23, o livro The Female Woman (A Mulher Feminina), um libelo contra o movimento de emancipação da mulher.

 

Dita personagem emigrou para a Califórnia no começo da década de 80 em busca de um marido e encontrou o par perfeito num republicano e gay. Durante 11 anos, já assinando o nome da família que fez a fortuna em petróleo, Arianna trabalhou pela carreira política do marido deputado, mas ele não conseguiu se eleger senador. Ela aderiu a um think tank conservador criado por Newt Gingrich, nêmese de Bill Clinton. Continuou a cometer livros, entre eles duas biografias best sellers de Pablo Picasso e Maria Callas, ridicularizadas pelos críticos, mas controvertidas - um adjetivo que a autora grudou em si mesma com astúcia.

 

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Na virada do século, Arianna celebrou a meia idade com uma conversão ideológica. Em 2003, já divorciada de Michael Huffington e instalada na mansão que ganhou no divórcio, Arianna concorreu como independente ao governo da Califórnia e perdeu para Arnold Schwarzenegger. George W. Bush invadiu o Iraque, o movimento conservador se fortaleceu, um blogueiro sinistro, Matt Drudge, exercia enorme poder com seu sensacionalismo ultraconservador e Rupert Murdoch investira seu peso bilionário na gritaria de direita. Os democratas e liberais americanos se viram órfãos na mídia. Na mansão de Brentwood, Arianna reúne amigos e socialites, gente como Larry David, o criador de Seinfeld, e trama uma ofensiva anti-Drudge.

 

Enquanto a receita de publicidade das companhias tradicionais de mídia sangrava cada vez mais, a fundadora do Huffington Post misturou a receita genial. Atraiu tráfego com "agregação", o eufemismo da era da Web 2.0 que é mais ou menos assim: o New York Times manda seus repórteres arriscar a vida em Cabul, a um custo altíssimo para jornal. O HuffPost reproduz a reportagem com manchetes garrafais, paga amendoins ao jornal e vende anúncio em cima do conteúdo alheio.

 

Milhares de blogueiros mantêm o site recheado de conteúdo original grátis. Eles são celebridades - socialites, atores, políticos. Ou diletantes em busca de atenção. Arianna Huffington, coroada a madrinha da reação na mídia que ajudou a eleger Barack Obama, não se tornou multimilionária publicando nomes griffes como Bill Clinton ou Alec Baldwin. A fórmula que tornou o HuffPost um fenômeno de tráfego se apoia pesadamente na otimização das ferramentas de busca, a repetição de palavras inseridas nos textos que atraem cliques. Mas as matérias que fizeram a fortuna do site não são sobre a defesa do seguro-saúde e sim sobre a defesa de Lindsey Lohan. No último ano, a perspicaz Arianna aumentou a equipe remunerada do HuffPost para 200, contratando veteranos do New York Times e de outras redações. O ultraje liberal não dá tanto lucro no governo Obama. O HuffPost poderia ter chegado ao limite com sua fórmula. Teria que gerar mais conteúdo original e amadurecer editorialmente. O pescoço de Nora Ephron e a indignação de Sean Penn têm quilometragem limitada como geradores de receita.

 

Instituições como o New York Times, a revista Time, o jornal britânico Guardian, recuperaram terreno online e vão trancar seu melhor conteúdo. Os algoritmos do Google e do Bing vão tornar as buscas cada vez mais seletivas porque, se você é como eu, quando digitamos "Ucrânia" não estamos interessados em traficar menores de idade online.

 

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"E quem precisa de mais um jornal online?", pergunta, cético, um membro do comitê editorial do New York Times. Jornalismo custa caro e consome tempo, ele continua. "Acabou a farra do grátis inesgotável. O grátis continua, mas a seleção qualitativa vai ter um preço e vai ter audiência," prevê o editor.

 

Entre seus milhares de blogueiros que escrevem de graça, muitos acusam Arianna de se vender para uma corporação e ameaçam boicotar o HuffPost/AOL. A ameaça não despenteia uma mecha de cabelo da empresária. Ela sabe que sua mão de obra grátis é movida por outro eufemismo da internet, a plataforma. Um megafone para se promover e vender produtos, sejam livros ou programas de ginástica.

 

Mesmo que as chances de sucesso no casamento com a AOL ainda sejam duvidosas, no olimpo que conquistou Arianna sorri como Artemísia, senhora das flechas de ouro, atenta à próxima caça.

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