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A safra pioneira de alcaparras no Brasil

Num sítio no sul de MG o produtor Sérgio Di Petta ainda colhe pouco, mas já conseguiu formatar um método de cultivo

Por Fernanda Yoneya
Atualização:

É preciso observar com muita atenção os arbustos protegidos por uma cobertura plástica no Sítio São Camilo, em Brasópolis, no sul de Minas Gerais, na Serra da Mantiqueira, para saber que aqueles pequenos botões florais, colhidos diariamente, são alcaparras. A planta, que nasce de forma espontânea no Mediterrâneo, está em produção no Brasil graças à persistência do engenheiro Sérgio Di Petta, que há dez anos estuda, de maneira empírica, a viabilidade do cultivo da alcaparreira no País e é o pioneiro na pesquisa de características botânicas da planta.Ex-produtor de leite, Di Petta cultiva também eucalipto e pode se considerar autodidata no plantio de alcaparras em terras brasileiras, pois não há registro de pesquisas ou cultivos por aqui, diz a diretora do Centro de Horticultura do Instituto Agronômico (IAC-Apta), da Secretaria de Agricultura de São Paulo, Arlete Marchi Tavares de Melo. "A alcaparra é um condimento de uso incomum no Brasil e não conheço produtor ou alguém que a estude", diz a pesquisadora.

 

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Autodidata. Várias tentativas e muitos erros com as primeiras sementes

 

A produção no Sítio São Camilo é pequena - há quatro anos 30 plantas rendem cerca de 10 quilos de alcaparras por safra -, mas o objetivo principal do engenheiro não é comercializar o produto, mas difundir o que aprendeu sobre a alcaparreira para outros agricultores. "A planta vai bem no clima semiárido, não requer muito espaço e mão de obra. Os botões florais, quando colhidos, são conservados só em sal grosso e podem ajudar a complementar a renda em pequenas propriedades", acredita. No ano passado, vendeu a produção para supermercados da região e cada 60 gramas de alcaparras saíam por R$ 4. "Parei de vender porque não tinha escala de produção, mas havia mercado", explica.Sementes. As sementes que deram origem aos arbustos foram herdadas da sogra do engenheiro, que as guardou por anos. O produtor explica o cultivo: "Uma flor de alcaparreira produz uma baga que pode conter mais de cem sementes. No Mediterrâneo, a baga abre no fim do verão/início do outono e o fruto maduro é posto para secar. Depois as sementes são retiradas do fruto e armazenadas em local seco e ventilado", explica. "Prepara-se, então, um substrato bem permeável e rico em matéria orgânica e faz-se a distribuição das sementes nos sulcos. No ano seguinte, no inverno, as plantinhas mais vigorosas são transplantadas para o local definitivo", explica Di Petta. Aqui, porém, todo o trabalho é feito na base de testes e experimentos. O produtor fez a primeira semeadura em julho de 2000, em sementeira contendo areia lavada de rio. Após tratamento contra fungos, umidade e insetos, 30% das sementes germinaram. "As primeiras mudas demoram de três a quatro anos para começar a produzir." Tratos culturais. A alcaparreira é uma planta rústica e, para ser produtiva, exige tratos culturais anuais, começando pela eliminação de plantas daninhas. "São os mesmos tratos dispensados a uma videira. A adubação e a poda, feita em julho, são anuais. Na Itália, todo ano, após a poda, a terra é revolvida com cuidado para não ferir as raízes superficiais. Então aplico nitrogênio, fósforo, potássio e esterco curtido. Ao longo dos anos, fui verificando o comportamento das plantas e, com base nessa observação, tentei corrigir eventuais deficiências nutricionais", afirma.Como na Itália, onde a principal praga da alcaparreira é a formiga, no Brasil Di Petta constatou o ataque de insetos e fungos às sementes ainda nas bagas, mas ainda não se tem conhecimento do ataque de doença ou praga específica. "Não faço aplicação de nenhum produto químico porque não há necessidade. Aparecem lagartas que podem ser retiradas manualmente, na colheita."As alcaparras são colhidas diariamente, pelo próprio produtor ou por uma funcionário do sítio. Os botões são colocados diretamente em um pote de vidro com sal grosso, na proporção de 40% de sal. Neste pote ficam por 30 dias e depois são lavadas e é feita a troca do sal. "Faço a salmoura do meu jeito, e dá certo", garante Di Petta, acrescentando que são os óleos mais voláteis que evaporam durante o processo de cura que dão o perfume característico do condimento. De tonalidade verde na hora da colheita, ganham uma cor marrom-clara esverdeada após 10 a 15 dias de curtimento. "Como não há a adição de nenhum tipo de conservante, costumo dizer que as alcaparras têm prazo de validade de dois anos. Mas creio que elas possam ser conservadas por muito mais tempo", diz.Agroturismo. O engenheiro agrônomo Rodrigo Veraldi Ismael, do Viveiro Frutopia, em São Bento do Sapucaí (SP), também crê no potencial da alcaparra em pequenas propriedades. "O problema da alcaparreira no Brasil é o excesso de umidade. Além disso, a propagação de material vegetativo por estaca e a germinação são processos difíceis. Não há material genético no Brasil, por enquanto", diz o agrônomo."Mas a alcaparra do Sítio São Camilo é de qualidade e a técnica de curtimento é a mesma adotada na Itália, apenas usando sal grosso, sem vinagre. Fica uma alcaparra perfumada e muito especial." Com a iniciativa em Brasópolis, Ismael diz que o cultivo pode ajudar a promover o agroturismo entre pequenos produtores, principalmente em regiões de clima mais ameno, já que a planta gosta de frio e terra seca."Há laboratórios que selecionam, limpam e podem fazer a propagação vegetativa do material do Sítio São Camilo. Os produtores interessados teriam que ver a viabilidade do mercado, mas acredito que a alcaparra poderia compor, com a produção de oliveiras e vinhos, por exemplo, um mix de agroturismo. Até pelo fato de a alcaparra não ser nativa do Brasil, seria atrativo oferecer um produto de origem nacional, produzido aqui, em substituição a um produto em conserva importado."Para Di Petta, se a produção de mudas em escala comercial fosse bem-sucedida no Brasil, cada muda poderia ser vendida por até R$ 50. "A alcaparreira é um arbusto perene e, na Europa, há exemplares seculares da planta", afirma.Tentativas. Em Campina do Monte Alegre (SP), o produtor e colecionador de frutas nativas e exóticas Helton Josué Teodoro Muniz conta que tentou cultivar a alcaparreira no Sítio Frutas Raras, mas não deu certo. "Plantei várias vezes, a última vez faz dois anos, mas acho que as sementes não tinham qualidade de germinação e não eram frescas. Algumas plantas até chegaram a germinar, mas não produziram a acabaram morrendo", afirma. "Mas a planta se adaptaria muito bem ao clima de São Paulo", acredita Muniz. O fruticultor diz que fez o plantio em substrato preparado com areia e matéria orgânica. "Se conseguir sementes boas, vou plantar de novo, mas desta vez só vou usar matéria orgânica."O CULTIVO AQUISemeadura e transplanteDevem ser feitos preferencialmente em julho. A floração é contínua durante praticamente o ano todo, com exceção dos meses de junho e julho.SubstratoDeve ser rico em matéria orgânica. No Sítio São Camilo, o produtor Sérgio Di Petta misturou 50% de terra de horta, 20% de areia de rio, 20% de húmus de minhoca e 10% de calcário. Por cima, foram distribuídos 8 quilos de esterco curtido e 1 quilo de NPK (12-6-12).Local e soloDi Petta não recomenda o cultivo em vasos, mas em canteiros com solo bem drenado. Para favorecer a drenagem, ele usou pedaços de cal, areia e tijolos.

CoberturaO regime de chuvas no sul de Minas não favorece plantas que amadurecem na primavera e no verão - caso da alcaparreira. Para evitar que a chuva prejudique a qualidade dos botões florais e a raiz da planta, foi instalada cobertura plástica.

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