Análise - A avalanche Trump: rumo às convenções nacionais

Texto publicado originalmente no Estadão Noite

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Por Cristina Soreanu Pecequilo
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Uma boa noite para o republicano Donald Trump e a democrata Hillary Clinton: é difícil escapar desse clichê comprovado pelos números das primárias de 27 de abril de 2016. Realizadas em cinco Estados - Connecticut, Delaware, Maryland, Pensilvânia e Rhode Island -, estas primárias levaram Trump a vitórias incontestáveis sobre seus adversários, sempre com mais de 50% dos votos. Para Cruz, a situação se agravou ainda mais, conseguindo apenas um segundo lugar, sendo superado por Kasich. Para Hillary Clinton, somente uma derrota em Rhode Island. Contrariando previsões de que as disputas chegariam até as convenções nacionais de julho, tanto Trump quanto Hillary parecem ter condições de assegurar suas nomeações em maio.  Numericamente, ambos já atingiram patamares respeitáveis de delegados comprometidos: 2151 para Clinton, o que a deixa a apenas 232 votos de alcançar a nomeação, garantida com 2383 votos; e 954 para Trump de um total de 1237, faltando, portanto 283. Ainda que vários membros do Partido Republicano estejam tentando desenhar cenários de coalizões entre Kasich-Cruz, que permanecem em disputa, e Rubio-Bush, que já se retiraram, surge como bastante improvável a possibilidade de descartar Trump. Por bem ou por mal, Trump está ganhando as primárias e fazendo uma campanha dentro das regras estabelecidas pelo próprio partido, com forte apoio popular e midiático.  Se o Partido Republicano em suas bases mais tradicionais reagiu tardiamente ao que define hoje como 'ameaça', a culpa não é de Trump, mas sim da sigla. Trump é um fenômeno derivado da ascensão das fragmentações conservadoras e nacionais dos Estados Unidos alimentadas por W. Bush e seu staff antes, durante e depois de seu governo como forma de garantir poder. Foi uma escolha partidária, não produto do acaso. O que de fato nenhum estrategista conservador parecia esperar era que uma figura popular e apolítica fosse tomar o centro das atenções como conseguiu. Para Trump, sua candidatura está garantida, e caso seja descartado pelo partido (o que é viável caso os delegados que conquistou mudem o voto), não seria surpresa alguma manobrar para que se candidate como independente.  Se as consequências de Trump são ruins para os republicanos, os efeitos sobre a quase definida candidatura Clinton e as eleições presidenciais são piores. Clinton deverá lidar com mais um adversário 'antissistema e revolucionário', e tem dificuldades para administrar figuras midiáticas: isso ocorreu em 2008 com Obama e em 2016 com Sanders, que somente foi superado pela força da base democrata negra, latina e brancos de classe média e pobres, e menos pelo mérito de Hillary. Muitos vão dizer que eleições não se ganham com carisma, mas com propostas. Mas esta é uma afirmação equivocada: eleições se ganham com as duas coisas, carisma e propostas, mesmo que sejam propostas polêmicas ou que baixem o nível da campanha eleitoral. E este baixo nível que se pode esperar para a confrontação nacional já aumenta de volume no lado Trump. Em seu discurso de vitória, ontem o pré-candidato partiu para uma ofensiva de ataques pessoais, de gênero e de competência a Hillary. Falou de política externa e de política interna nos moldes conhecidos como "sei negociar com a China, barrarei mexicanos, combaterei terroristas, governarei o país como uma empresa", e se referiu a Hillary como uma pessoa incapaz de enfrentar esses desafios, questionando sua inteligência, idade e vitalidade.  Reconhecidamente, Trump ultrapassa vários limites de direitos humanos em sua campanha, e agora esses ataques serão cada vez mais focados em Clinton. Chama a atenção o vácuo de críticas mais duras a essa performance. Mais absurdo do que isso é que muitos analistas chegam a dizer que "Trump não acredita no que fala, fala apenas para conseguir votos e não cumprirá o que diz". Mas se as pessoas estão votando (ou votarão) nele por isso, não estão alimentando o preconceito e a violência de gênero, raça e identidade da mesma forma? Trump estará mentindo? Não há memória do que foi dito se ele for eleito? Qual o limite entre o direito, o respeito e a liberdade de expressão?* Cristina Soreanu Pecequilo é professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e autora de 'Os Estados Unidos e o Século XXI'