Análise - Crime sem impeachment é golpe

Texto publicado originalmente no Estadão Noite

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Por Dircêo Torrecillas Ramos
Atualização:

Um grupo de juristas esteve na quinta-feira, 14, na Câmara Federal para a entrega do livro 'Impeachment: Instrumento da Democracia' para os representantes do povo. O evento, que contou com manifestação de vários autores e deputados, foi programado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, pelo Colégio de seus presidentes e pelo Colégio de presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil.  A obra coletiva conta com os coordenadores Dircêo Torrecillas Ramos, Ives Gandra da Silva Martins, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, Mayr Godoy e Sergio Ferraz, e os autores Adilson Abreu Dallari, Alexandre Luis Mendonça Rollo, André Luiz Costa-Corrêa, J. Bernardo Cabral, Claudio Pacheco Prates Lamachia, Dircêo Torrecillas Ramos, Geraldo Brindeiro, Hamilton Dias de Souza, Hélio Pereira Bicudo, Ives Gandra da Silva Martins, Janaína Conceição Paschoal, Kiyoshi Harada, Maria Garcia, Mayr Godoy, Miguel Reale Junior, Modesto Carvalhosa, Renato de Mello Jorge Silveira, Ruy Martins Altenfelder Silva e Sergio Ferraz. A proposta da edição e dos pronunciamentos orais foi esclarecer certas manifestações que não correspondem às reais disposições jurídicas. São repetições para que a constância transforme a mentira em verdade, pelo menos para os menos esclarecidos. Golpe!? Assim demonstrou-se que os atos praticados e as omissões da presidente da República enquadram-se nos dispositivos constitucionais classificadores dos crimes de responsabilidade e nos preceitos da Lei 1.079 de 1950. Incide no ato antijurídico quem atenta contra a Constituição Federal, em sua totalidade, não apenas nos casos, especialmente, dos incisos I a VII do artigo 85 da Lei Maior. Relativamente à Lei orçamentária revelou-se, entre outros atentados, que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar nº101 de 2000), em seu artigo 1º, faz referência a finanças públicas, gestão fiscal e encontra amparo no Capítulo II, Título VI da Constituição. Ora, na seção II, neste caso, da Lei Magna trata do orçamento e não poderá desvincular-se os comandos constitucionais dos infraconstitucionais (da Lei). Portanto, os cometidos contra ambos, e o foram, conforme o TCU, está na lei e há crime sim.  É a própria norma que no artigo 73 remete ao Código Penal nos crimes comuns e à Lei do 'Impeachment'- 1079/50, nos crimes de responsabilidade e à Lei contra a moralidade. Além destes, atentou contra o livre exercício do Poder Judiciário quanto à nomeação do ex-presidente como ministro; contra o livre exercício do poder legislativo no 'leilão' de cargos, ministérios, emendas parlamentares, e há outras acusações. Somam-se as suas omissões quanto aos desvios de recursos e às responsabilidades de funcionários subalternos que praticaram atos ilícitos; operações financeiras com instituições subordinadas.  Em vários sentidos ocorreu improbidade administrativa. Acrescente-se as omissões quanto à segurança interna ao realizar no Palácio do Planalto reuniões com a CUT e o MST, onde foram feitas ameaças de luta armada, invasões de casas e fazendas, sem qualquer reprovação. Feriu os princípios do artigo 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.  Outro argumento dos que se opõem ao impeachment é parte dos problemas ocorreu no mandato anterior e é estranho à função. Descuidam-se que a Constituição não diz e nem a Lei. Na primeira, ato estranho à função seria não pagar aluguel, praticar agressões, infrações de trânsito etc., e na segunda, Lei 1.079/50, diz no seu artigo 15, que a denúncia só será recebida se o denunciado não estiver afastado do cargo, por outro motivo, definitivamente. Não levaram em consideração a reeleição que não existia anteriormente e que se afastado ou terminada a gestão não poderia haver impeachment porque não teria de onde afastá-lo.  O raciocínio ou mentira dos defensores do governo poderia ser pior, porque terminada a responsabilidade com o fim do primeiro mandato, terminaria a imunidade e poderia ser julgada, a presidente, no segundo por crime praticado no primeiro.  Mais um argumento é que foi eleita por maioria de votos. É evidente que o impeachment é para quem foi eleito, e se isso ocorreu foi por maioria. Quem não foi eleito não poderá ser afastado. Legitimidade conquista-se e perde-se. Afirmam que os outros também praticaram. Essa também é uma confissão, e um erro não justifica outro, ainda que se deva apurar os volumes, condições de resgate etc.  Quanto às ameaças de ir ao Judiciário, somente poderá ocorrer para proteção de direitos fundamentais ou questões formais, o que dificilmente ocorrerá dado que seguem o rito estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal e o presidente deste será do Senado no julgamento.  Além do exposto, considerar-se-á o decoro em relação a mentiras, abusos do poder econômico através de recursos ilícitos nas eleições. Portanto, o livro busca o restabelecimento da verdade e o esclarecimento público. É o instituto do impeachment um instrumento da democracia, e mais, da cidadania porque o artigo 14 da norma faculta a qualquer cidadão fazer a denúncia que será autorizada, processada e julgada, respeitando os direitos dos denunciados, pelos representantes do povo e dos Estados. Após este breve escorço, podemos afirmar: houve crimes comuns e de responsabilidade, está na lei, são crimes e finalmente: 'CRIME SEM IMPEACHMENT É GOLPE'.

* Dircêo Torrecillas Ramos, constitucionalista, livre-docente pela USP e membro do Instituto dos Advogados de São Paulo