Análise - É possível sem o PMDB?

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Por Humberto Dantas
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Análise publicada originalmente no Estadão Noite A queda de Collor e o peso parlamentar do PMDB em nossa história recente sugerem ao país que sem esse partido é impossível governar. A legenda, que em sua história nunca apresentou à sociedade um nome de consenso e de peso em termos de volume de votos nas eleições diretas presidenciais, se notabilizou por ganhar politicamente com sua própria descentralização. Com cerca de mil prefeitos eleitos desde os anos 90, por exemplo, a legenda que cimentou a democracia e a Constituição de 1988 se regionalizou. No plano nacional, no entanto, virou pedestal. E a imagem alocada acima da estrutura variou de cor, tamanho e peso nos últimos anos - de Lula a FHC, de Collor a Dilma, do azul ao vermelho. O PMDB serviu, assim, como amparo - caro e nem sempre sólido, mas serviu. E a partir desse sentimento o senso comum passou a esquecer o agente central do processo de redemocratização para assistir uma massa heterogênea, fortemente governista e extremamente fisiológica. De uns anos para cá, e sobretudo após as eleições de 2014, seu peso, bem como os dos demais partidos, se reduziu na lógica pluripartidária representada na Câmara dos Deputados. Entre 2010 e 2014, por exemplo, o maior temor do PMDB estava associado a cálculos pouco consistentes, mas que contaminaram suas estratégias, de que o "parceiro PT" poderia fazer mais de 100 deputados federais nas urnas, lhe roubando protagonismo. O abalo estava associado à ideia de que o próprio PMDB estava distante de atingir tal marca. Seria a sua derrocada no papel estratégico de pedestal? A história não será contada exatamente desse modo. É verdade que o PMDB encolheu, mas o PT passou longe da centena anunciada por alguns inábeis calculadores. Ninguém mais atinge tal marca no Brasil do esfacelamento partidário. O último foi o PFL (hoje o enfraquecido DEM) com 105 deputados federais eleitos em 1998. E diante desse novo cenário: o que fica, de fato, para o PMDB? É possível governar sem a legenda? Em 1990, recordemos, o partido elegeu 108 deputados federais. A concentração partidária na Câmara era tão mais expressiva que para manter a proporcionalidade na formação de comissão especial para avaliar o impeachment não foram necessários os 65 deputados federais de hoje, mas apenas 49 - segundo documentos da Câmara. O peso do PMDB era imensamente mais expressivo. Ademais, o PRN, partido do combalido Collor, teve o dom extraordinário de eleger apenas 40 deputados federais em 1990, mesmo com o poder da máquina pública e sem precisar disputar o posto - Collor foi eleito isoladamente em 1989. Assim, em 1992 foi possível ao PMDB levar o infiel Itamar Franco para a legenda e governar após o impeachment. E agora? Governa-se sem o PMDB? Primeiramente é impossível comparar um governo de dois anos, de um partido nanico como o PRN, com a força e o tamanho do PT - mesmo que este esteja bem desgastado. Em segundo lugar, a quantidade de alternativas que Dilma Rousseff teria com um mínimo de habilidade política ainda é infinitamente maior que o cenário pouco colorido de 1992. E para compreender esse ambiente sugiro que, a despeito da relevância de legendas como PP, PR, PROS e PTB na sustentação da atual presidente, outros três agentes partidários sejam observados com atenção. Nessa trinca de casos, o PMDB representa parcela expressiva da motivação de críticas ao governo Dilma. A queixa se concentra na ideia de que PT e PMDB teriam, e ainda têm, muito espaço no poder. A partir desse argumento é possível jogar luz no que significa governar sem o PMDB - se é que efetivamente ocorrerá um desembarque total e que os partidos considerados aqui têm unidade interna, algo bem improvável e verificado ao longo da formação da comissão do impeachment. A primeira peça do trio é o PSD. Kassab foi acusado de tentar esvaziar o PMDB com a criação do PL. O projeto não prosperou, e foi utilizado como um dos fatores capazes de explicar por que o PMDB e parte do governo se desentenderam. Agentes do primeiro acusam o Planalto de tramar contra a bancada. Em uma eventual ruptura, não é nada improvável que Kassab, se controlar seu partido (algo difícil), ganhe mais destaque no governo. O segundo agente é o PDT, que chegou a anunciar independência em relação ao governo, mas retornou após acertos. Para completar, acolheu recentemente o intempestivo Ciro Gomes e seu irmão Cid - este segundo defenestrado do governo, ainda pelo PROS, após embate quixotesco contra Cunha e parcela expressiva da Câmara dos Deputados. Ciro, que saiu do PSB em nome do apoio que deu a Dilma em 2014, não só ingressou no PDT como passou a dirigir com incidência ainda maior seus "mimos verbais" ao PMDB - algo comum a ele na realidade partidária cearense. Por fim, o terceiro (e mais improvável de ser conquistado) agente é o PSB. Procurado recentemente para retornar ao governo, a legenda ainda está afastada. Mas lembremos de um dos principais pontos que minaram a relação dos socialistas com o governo Dilma: o finado Eduardo Campos reclamou, no início de 2013, do peso do PMDB no governo e na linha sucessória presidencial. Para ele, tratava-se do partido que mais tinha ministérios, ocupava a vice-presidência da República e desejava o comando das duas casas do Congresso Nacional - já tinha o Senado. O PSB, à época, não acreditou na promessa de que seu líder maior poderia ser o candidato apoiado pelo PT em 2018. E agora? O PT abre mão dessa posição em troca de apoios para governar? O PSB aceitaria conversar caso o PMDB se afastasse de forma protocolar do governo? Quem seria o nome escolhido para promessas e compromissos eleitorais futuros? Exercícios desse tipo são meros estimuladores de hipóteses, mas ficam as provocações.* Humberto Dantas é cientista social, doutor em ciência política, professor do Insper e da FESP-SP

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