Análise - Internet e a soberania do Estado

Como tem sido difícil encontrar um ponto de equilíbrio nas discussões que envolvem a internet, tamanho é o conflito de interesses envolvidos na exploração da rede global de comunicação. A internet é um universo fabuloso que trouxe inúmeros avanços, a partir da universalização de informações, conhecimento, todavia, também, inúmeros ilícitos. Nada de novo, já que tanto no ambiente digital, como no meio físico, os seres humanos são igualmente humanos. Os limites são sempre imposições desagradáveis que geram resistência natural conforme o interesse. O Direito é o conjunto de regras que disciplina o comportamento humano ou a vida em sociedade. Seria mágico um universo paralelo totalmente desatrelado do sistema jurídico! Mas, a despeito das idealizações, a internet não é um universo paralelo. É um universo real de comunicação. As pessoas (físicas e jurídicas) praticam diferentes tipos de atos jurídicos cotidianamente, tais como a troca de informações e imagem e voz nas redes sociais, o comércio eletrônico e os crimes cibernéticos. Falar-se em direitos fundamentais da internet parece inconsistente, visto que os direitos fundamentais são conferidos ao ser humano, direitos que devem ser respeitados na internet ou fora da internet. O meio digital é um veículo de comunicação com peculiaridades fascinantes, entretanto, entre elas, há também peculiaridades que fragilizam a aplicação das regras sociais. As liberdades e garantias individuais são essenciais para o desenvolvimento da humanidade, e por essa razão torna-se relevante uma regulação que coíba violações a esses preceitos. A não punibilidade tem correspondido a impunidade de criminosos, o que deve ser sempre combatido no mundo civilizado, assim como a corrupção aos bens da personalidade (nome, honra, intimidade, imagem), tão caros ao indivíduo em sociedades com tantas desigualdades. Cada direito corresponde a um dever e implica em responsabilidades. Assim, ocorre com as liberdades de expressão, comunicação, religiosa e política. A cada ser humano deve-se assegurar o pleno exercício das garantias fundamentais, assim como esse mesmo indivíduo deverá respeitar as garantias de outros indivíduos, tais como honra, intimidade, imagem, nome, segurança, conferidas igualmente pela Constituição.  A ciência do direito destina-se a regular as relações políticas, objetivando preservar a ordem social. As organizações estatais atrelam-se à eficácia das normas para se estabelecer padrões regulares de convivência social. A transgressão das condutas naturais é causa suficiente para a intervenção coercitiva sobre as liberdades individuais.  O Estado e o direito prestam-se à preservação do equilíbrio entre as forças sociais que interajam no espaço físico ou virtual. Cada Estado tem sua soberania territorial, e a busca de regulamentação que facilite o cumprimento dos direitos fundamentais é de bom senso, é razoável e é legítima. Se há oferta de serviços ou produtos no território brasileiro, o Estado brasileiro tem a obrigação de oferecer segurança para o cidadão. Em qualquer lugar do mundo, uma proposta de legislação que tenha como objetivo dar efetividade à soberania do Estado é considerada legítima. Os legisladores não devem ser assombrados por estigmas, precisam ser prudentes e corajosos para a busca de um ponto de equilíbrio que possa fortalecer o Estado Democrático de Direito, conferindo proteção e segurança ao cidadão, o que pode não corresponder aos clamores de distintos setores. Uma investigação pode não ser suficiente para a violação da privacidade, regra geral afeita a todas as comunicações, inclusive por meio da internet. Somente o Poder Judiciário pode promover um juízo de valor para que se excepcione a regra geral. Neste particular, a regra contida no Marco Civil deve prevalecer, pois em plena harmonia com a Constituição Federal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não autoriza a prática de crimes cibernéticos, perante os quais faz-se essencial a aprovação de legislação que não descuide de favorecer a efetividade da aplicação da legislação brasileira e a eficácia das decisões judiciais.

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Por Ivana Có Crivelli
Atualização:

* Ivana Có Crivelli, sócia do escritório Có Crivelli Advogados, é especialista em propriedade intelectual e tecnologia

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