O presidente Obama, no discurso de sua primeira posse, trouxe a questão: não importa se o governo é grande ou pequeno, importa é que funcione. Vale lembrar este raciocínio neste momento, em que o Congresso Nacional discute a Lei de Responsabilidade das Estatais, uma peça que pode vir a se constituir em mais um marco institucional importante para o País, a exemplo do que foi a Lei de Responsabilidade Fiscal. Elemento importante na lei, a questão da governança, conceito originário do mundo privado, que se presta a designar uma espécie de guarda-chuva normativo-procedimental a assegurar que executivos (empregados) respeitem e atuem conforme a vontade dos acionistas (donos). Como empresas públicas ou com participação do público, as estatais estão sujeitas ao escrutínio da sociedade e abrangem relacionamentos com configurações de agência, do mesmo tipo que existe entre os políticos e os dirigentes, e entre os dirigentes e os demais quadros. Mas uma diferença essencial entre governança pública e privada é que no setor privado há um conteúdo ético-moral não publicista - o objetivo de agregar valor econômico é eminentemente instrumental. No setor público, a publicidade é princípio e o processo de governança deve ser finalístico. Isso poderia estar mais claro no projeto de lei, apesar da previsão, nele constante, de que "o interesse público da empresa pública e da sociedade de economia mista manifesta-se por meio do alinhamento entre seus objetivos e aqueles de políticas públicas". Por serem públicas, as estatais operam sob um status especial e com autoridade instrumental por meio do Estado. O desafio da governança, aqui, é encontrar meios de aumentar a probabilidade de que a instituição atue de formas que não sejam inconsistentes com seus objetivos públicos. O modelo da governança pública precisa articular as dimensões institucional-administrativa, sociopolítica e econômico-financeira, de modo a que a gestão e o funcionamento da empresa contribua para a materialização da democracia como um patrimônio coletivo. Outra questão a causar polêmica no projeto de lei é a composição dos conselhos de administração das estatais. Nos últimos anos, e particularmente no caso da Petrobrás, os conselhos de administração ganharam notoriedade negativa. O desejo de ser membro de um conselho de administração pode ser fortemente motivado por questões de interesse pessoal. Há um status diferenciado, a possibilidade de contar com retribuição pecuniária, a visibilidade, criação de networking. Tudo legítimo. Mas o interesse pessoal não pode colidir com a responsabilidade do conselho de administração de perseguir o alinhamento da empresa com à finalidade pública e aos objetivos governamentais. Estão envolvidos conceitos como justiça, cumprimento de função social, observância de deveres e responsabilidades genéricas, os quais só encontram parâmetros de identificação nos campos da ética e da moral. Ou seja, ainda que as competências dos conselhos de administração estejam estritamente reguladas, o processo decisório que ocorre nesses requer o concurso de conceitos ético-morais como requisitos de legitimidade. São esses conceitos ético-morais que vão configurar os contornos do interesse coletivo. Até porque uma verificação direta de compliance das decisões com o interesse coletivo é impraticável. No mundo privado, boa governança já se tornou sinônimo de bons lucros. No mundo público, pode vir a ser a garantia de que as empresas estatais funcionem bem, vantajoso sendo tudo o mais, inclusive o retorno financeiro. E então, se são ou não do Estado, já não será mais um problema. Será possível tal governança? Os conselhos de administração poderão ajudar a obter esse intento?
* André R. Sathler é economista, Doutor em Filosofia e Coordenador do Mestrado Profissional em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados * Valdemir Pires é economista, professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da Unesp de Araraquara