Análise - Política externa moribunda

Texto publicado originalmente no Estadão Noite

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Por Fabrício H. Chagas Bastos
Atualização:

Mauro Vieira caiu nas graças de Michel Temer quando levou até o vice-presidente o alerta de que ir a Portugal para o evento organizado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, em Lisboa, poderia ser um tiro que sairia pela culatra. Temer não viajou, preservou-se, e economizou importante capital político. Os bastidores dão conta de que o Itamaraty se manteve até então, e continuará, distante da narrativa do golpe sustentada pelo governo. A liderança do corpo diplomático sabe que gastar energia em denunciar ao mundo um golpe que pode não sê-lo seria mais politicamente custoso do que benéfico. O silêncio do Planalto parece concordar. É de causar estranheza que Dilma Rousseff ameace invocar a cláusula democrática do Mercosul - que só pode ser aplicada de modo consensual por todos os membros do bloco - em um momento em que Argentina e Paraguai já emitiram sinais de que não se inclinam a tal medida. Ainda, uma autossuspensão (no caso de a estratégia de fomentar o recurso via Venezuela ou Bolívia falhar) seria de um malabarismo de política externa que os diplomatas brasileiros dificilmente tomariam como missão, para além de ser terrivelmente duro de explicar ao mundo. O trabalho do Itamaraty nos últimos anos é o que chamo de diplomacia inercial, isto é, há pouquíssima inovação desde o final dos anos Lula, e perde gradualmente sua intensidade e relevância. Nas bolsas de apostas de um provável ministério de Temer, pouco se fala sobre o nome de um novo ministro de Relações Exteriores. No extremo, seria possível dizer que a pasta, do ponto de vista do jogo político, é tão irrelevante quanto desinteressante. O cenário da política externa brasileira, independente de quem esteja na cabeça do governo nos próximos meses, não é nada promissor. O grande problema é a falta de dinheiro. O orçamento médio do Ministério de Relações Exteriores nos últimos cinco anos foi de 2,4 bilhões de reais, mas mesmo assim vem numa descendente aguda, perdendo ano após ano na disputa burocrática na Esplanada. A conta é simples: se considerarmos o crescimento da máquina do Ministério desde 2003, com a criação de 77 novas embaixadas, consulados e representações, correspondendo a mais da metade dos 150 postos existentes, a redução de capacidade de engajamento internacional do País é dramática. É pior quando se leva em consideração as dívidas com organismos internacionais que se acumulam. Passado o tumulto, é certo que o Brasil terá que reconstruir boa parte de sua reputação no mundo. Não é o caso de uma destruição completa da imagem do País, como república bananeira ou com uma perda de credibilidade aguda - prova disso é que mesmo com todo o furacão político-econômico do último ano, não houve nem sombra de um ataque especulativo ao País. Entretanto, sem dinheiro, com pouca vontade política e imensos problemas internos por resolver, a vontade de ir ao mundo diminuirá mais ainda. É certo que a política externa brasileira por um bom tempo se manterá neste estado zumbi, moribunda.* Fabrício H. Chagas Bastos é professor de Relações Internacionais e Estudos Latino Americanos da School of Politics and International Relations da Australian National University e Research Fellow do Australian National Centre for Latin American Studies da mesma instituição. Doutor pela Universidade de São Paulo. E-mail: fabricio.chagasbastos@anu.edu.au