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Análise - Só se estiver no contrato

É sabido que no Brasil as tarifas de telefonia móvel, internet e televisão por assinatura estão entre as mais caras do mundo, ao passo que os serviços, ao que tudo indica, não são os mais adequados - haja vista que as operadoras estão sempre no topo das listas de reclamações em órgãos públicos como o Procon e de ações judiciais.  Em 2014 houve um movimento muito parecido das operadoras de telefonia móvel visando cortar o serviço de dados quando o limite do pacote contratado fosse atingido, fazendo com que a liberação ocorresse apenas após o pagamento de um adicional. Justo? A princípio sim, pois seria algo contratado, e o que é contratado é lei entre as partes!  Mas o problema está em como esta contratação é feita e no fato de que as operadoras, antes de decidirem tomar tal iniciativa, aparentemente ao mesmo tempo, apenas reduziam drasticamente a velocidade. Ou seja, houve modificação unilateral do contrato no qual o corte nunca havia sido aplicado e não havia clareza de informação ao consumidor no sentido de que ocorreria. O que incomodava à época, e parece ainda incomodar, são as comunicações pelas já conhecidas redes sociais que permitem ligações, de vídeo e de voz, gratuitas. Com base no Código de Defesa do Consumidor (especialmente artigos 30 e 51, incisos X e XIII), liminares foram concedidas imediatamente, e as operadoras impedidas de efetuar o corte, decisões que acabaram, na prática, não sendo aplicadas a contratos posteriores nos quais se verifica que o corte tem sido adotado.  Vale repetir: se o pacote adquirido tinha informações claras nesse sentido e houve concordância do consumidor, parece algo justo. O princípio básico é o de que não pode haver nada obscuro e as condições de contratação devem ser suficientemente claras ao consumidor, sendo que modificações em contratos em vigência não podem ser unilateralmente inseridas. Em relação à banda larga, as operadoras pretendem fazer o mesmo movimento. Aparentemente os vilões da vez são os serviços de streaming que têm crescido exponencialmente ao passo que as assinaturas de televisão por assinatura estão caindo. Não por acaso, as mesmas operadoras de internet móvel são operadoras de televisão por assinatura! Mas, enfim, o raciocínio será exatamente o mesmo.  O pacote, que muitas vezes é assinado por telefone sem que todas as características tenham sido corretamente explicadas ao consumidor, deve ser claro no sentido de estabelecer o limite de uso e o corte quando tal limite for atingido. E, principalmente, caso haja contratação em vigência na qual tal situação não seja clara, não pode ela ser unilateralmente aplicada. Havendo tais características, a assinatura ganha ares de legalidade, algo que tem sido aceito pelo Poder Judiciário - afinal, ao se pactuar o preço, a possibilidade foi, ou deveria ter sido, considerada. É muito provável, tal como ocorreu e ainda ocorre no que diz respeito aos pacotes de dados de telefonia móvel, que ações judiciais individuais e coletivas sejam intentadas e que nelas decisões sejam proferidas e as operadoras mais uma vez fiquem proibidas de adotar a prática. Veja-se que não se trata de alegar comercialmente um equilíbrio ou o pagamento pelo uso exato do pacote de dados; trata-se de aplicar exata e claramente o que foi contratado, dentro do regramento jurídico, especialmente o Código de Defesa do Consumidor. O Código de Defesa do Consumidor é uma legislação protecionista e as empresas precisam ter em mente que quanto mais cometerem atos atentatórios aos direitos ali estabelecidos, mais condenações surgirão, o que só faz aumentar o passivo. Lembrando que ações dessa natureza, em especial as individuais, em sua maioria contêm pedido de indenização por danos morais, por vezes julgado procedente. Ou seja, o passivo judicial pode ficar mais caro do que o eventual ganho comercial!

Por Franco Mauro Russo Brugioni
Atualização:

* Franco Mauro Russo Brugioni, sócio do escritório Raeffray Brugioni Advogados, especialista em Propriedade Intelectual e Direito do Consumidor, assessor e relator da Terceira Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB de SP 

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