Análise: Apesar de eleições, Paquistão deve continuar em crise

Para analistas, pleito não deve solucionar instabilidade política.

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Por Da BBC Brasil
Atualização:

As eleições parlamentares da semana que vem no Paquistão não devem pôr um fim às tensões políticas ou mudar radicalmente o cenário de disputa e crise em que o país está mergulhado desde o ano passado. Para analistas ouvidos pela BBC Brasil, o pleito deve alterar a balança de poder dentro do Parlamento, dando maior força ao partido da líder assassinada Benazir Bhutto, o PPP (Partido do Povo Paquistanês). Mas é improvável que isso seja suficiente para alterar o complexo cenário no qual o Exército, o presidente Pervez Musharraf, os partidos políticos e grupos radicais islâmicos disputam espaço e primazia. "O pleito é um teste para ver se o país pode voltar a ter uma certa normalidade institucional. (Mas) não acho que os eventos da próxima segunda-feira podem modificar radicalmente o país", diz Pere Vilanova, professor de ciência política da Universidade da Catalunha e um estudioso do país asiático. Para Vilanova, "ninguém está apostando no quanto pior, melhor". No entanto, as chances de se encontrar soluções políticas que pacifiquem o país não são altas. Cenários Victoria Schofield, biógrafa do pai de Benazir Bhutto, o também ex-premiê e fundador do partido PPP (Partido do Povo Paquistanês), Zulfikar Ali Bhutto, concorda com Vilanova. Para ela, "as principais forças políticas paquistanesas, neste momento, estão favorecendo a continuidade". O motivo seria o fato de que nenhuma força política deve conseguir se impor de forma nacional em um país que é conhecido por sua fragmentação política. Não há pesquisas de intenção de voto tidas como independentes e confiáveis no Paquistão, mas a maioria das análises aponta o PPP como o partido que deve sair vitorioso da urna. A expectativa é que ele seja seguido pelo também oposicionista PML - N (Liga Muçulmana do Paquistão - N, liderado pelo ex-premiê Nawaz Sharif e um grande opositor de Musharraf) e pelo o PML - Q (Liga Muçulmana do Paquistão - Q, que apóia Musharraf), em terceiro lugar. Mas não se acredita que qualquer partido conquiste mais de 40% dos votos. Isso significa que, para formar um governo e apontar um primeiro-ministro, os partidos precisarão formar coligações, e é dessas coligações que depende o que ocorrerá na política paquistanesa. Uma possibilidade é que Musharraf e os políticos que o apóiam formem uma coalizão com o PPP, como vinha sendo negociado antes da morte de Bhutto. "Ocorreu uma movimentação política no segundo semestre do ano passado para se preparar para este momento pós-eleitoral. Buttho e Musharraf negociaram por alguns meses uma possível aliança na qual ele seguiria como presidente e ela, no cargo de primeira-ministra, pensando em um cenário de estabilidade", relembra Vilanova. A morte da ex-premiê, assassinada no dia 27 de dezembro passado, tornou essa alternativa menos provável, especialmente porque muitos partidários de Bhutto acusaram o governo de não colaborar nas investigações sobre a sua morte. É possível também que se forme uma aliança de oposição anti-Musharraf, que, ao menos em tese, poderia destituí-lo. "É bom lembrar que as lealdades políticas do país não são eternas. Um cenário que não pode ser descartado é o de que o presidente pode ser deposto por dois terços dos votos do Parlamento", afirma Victoria Schofield. "Atualmente um dos problemas do Paquistão é o desequilíbrio entre o presidente e o primeiro-ministro. Quando a Constituição foi escrita, em 1973, ela previa um papel decorativo para o presidente e o premiê como o verdadeiro chefe de Estado, mas isso tem mudado toda vez que há um golpe militar. Hoje o presidente pode demitir o primeiro-ministro", diz Schofield. O Paquistão tem uma história de instabilidade política desde a sua formação, mas o governo do presidente Musharraf, que chegou ao poder por meio de um golpe, enfrentou um agravamento das tensões políticas e sociais do país no ano passado. De um lado, ele teve que enfrentar sucessivas crises com militantes islâmicos radicais; de outro, a legitimidade de sua candidatura à reeleição na Presidência foi questionada porque à época ele acumulava, além da Presidência, o cargo de comandante do Exército. Nos últimos meses de 2007, Musharraf declarou estado de emergência e determinou o afastamento ou a prisão de juízes que poderiam vir a questionar sua reeleição, na qual ele recebeu mais cinco anos de mandato.No final de novembro, ele deixou o comando das forças armadas. EUA e armas nucleares Para os analistas, o pleito também não deve representar uma ruptura com alguns dos principais temas envolvendo as políticas paquistanesas, como a relação com os Estados Unidos, o combate aos militantes fundamentalistas islâmicos e a segurança das armas nucleares do país. "Não creio que, qualquer que seja resultado das eleições, o relacionamento do país com os Estados Unidos vá mudar. Em primeiro lugar, os dois são aliados, e os americanos fornecem uma grande ajuda financeira. Ela vai para o Exército, mas, em tese, também financia a reforma educacional", afirma Eva Borreguero, especialista em Paquistão do centro de estudos Casa Asia, de Madri. "O novo governo deve continuar mantendo o diálogo com os Estados Unidos, mas, ao mesmo tempo, não parecendo abertamente pró-americano, o que poderia enfurecer os setores mais radicais", afirma Victoria Schofield. "Até onde se sabe, as armas nucleares estão seguras nas mãos de um pequeno grupo dentro das Forças Armadas, pessoas altamente capacitadas e leais ao país", afirma Vilanova. "Os principais partidos políticos e a maioria da população apóia o combate aos militantes do Talebã e simpatizantes da Al-Qaeda. O esforço deve continuar", afirma Zahid Hussein, autor do livro Front Line Pakistan: The Struggle with Militant Islam. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. 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