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Anatel quer contratar empresa por R$ 15 milhões para serviço já prestado por R$ 2 milhões

Agência quer que empresa verifique a qualidade do serviço de internet fornecido pelas teles, mas operadoras criaram há oito anos um aplicativo que cumpre essa função

Por Anne Warth e Patrik Camporez
Atualização:

BRASÍLIA - A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) está prestes a abrir um processo de contratação de uma empresa que vai medir a qualidade do serviço de internet fornecido pelas teles, por até R$ 14,924 milhões, por dois anos. Mas as próprias operadoras já criaram, há oito anos, um aplicativo que cumpre essa função, com custo anual de R$ 2 milhões, e por determinação da mesma Anatel. 

Diniz chegou a sugerir medidas judiciais contra a corte de contas, sob pena de a Anatel assumir um papel “patético” no setor de telecomunicações Foto: Itaci Batista

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Para contratar uma nova empresa para fazer esse serviço, será preciso aprovação da maioria do Conselho Diretor da Anatel. Três conselheiros terão até quarta-feira, 18, para tomar uma decisão. A proposta já tem voto favorável do presidente do órgão regulador, Leonardo Euler de Morais, que foi relator do caso.

Na justificativa de voto, Morais afirma que as obrigações do regulamento de qualidade dos serviços da agência justificam a necessidade da contratação. Entre elas estariam o “acompanhamento da universalização e massificação de acessos” e “a gestão e o uso eficiente do espectro radioelétrico”.

O assunto está envolto em polêmica, pois há suspeita de que apenas uma empresa, a P3, teria condições de disputar a concorrência. Isso porque a Anatel cobra que as interessadas tenham capacidade para medir a qualidade e a velocidade dos pacotes de banda larga oferecidos pelas teles por dois métodos distintos, e as empresas que já atuam no País costuma usar apenas um.

A consultoria alemã P3, que conta com representação em São Paulo, seria a única capaz de atender aos dois critérios. O mais caro, que representaria mais de 50% do valor do contrato, é o drive test – realizado por meio de equipamentos do tipo scanner, instalados em veículos, com capacidade para aferir potência do sinal, área de cobertura e outros indicadores.

Além do drive test, as formas de medição propostas no voto incluem as modalidades de crowdsourcing (coletiva e automática, via software instalado em computadores e telefones de usuários que derem consentimento prévio) e benchmarking internacional (para comparação dos dados com os de outros países).

Segundo o presidente da Anatel relata em sua proposta, “mesmo nos pontos coincidentes, não há sobreposição ou esvaziamento, os dados são complementares”. Ainda de acordo com ele, a modalidade drive test “é bem mais abrangente do que aquela atualmente existente na autarquia”.

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No dia 5 de fevereiro deste ano, a P3 esteve na sede da Anatel e apresentou seus produtos e serviços ao Conselho Diretor. No mesmo dia, executivos das principais teles também estiveram na agência reguladora. A situação gerou desconforto, já que poderia gerar a interpretação de que o órgão regulador estaria recomendando o trabalho da P3 às operadoras.

Ao instruir o processo, a área técnica recomendou a realização de pregão e permitiu que as potenciais interessadas – que não possuem os mesmos recursos técnicos da P3 – pudessem formar de consórcios para disputar o contrato.

Contrariedade

O ex-conselheiro Aníbal Diniz, cujo mandato se encerrou em novembro, foi contra a contratação de uma nova empresa pela Anatel para aferir a qualidade da banda larga. Ele expressou a opinião ao relatar a proposta de Regulamento de Qualidade dos Serviços de Telecomunicações da agência, e propôs que as próprias empresas continuassem a custear o serviço.

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“Ora, se estabelecemos a obrigatoriedade de constituição de uma entidade de suporte à aferição da qualidade, custeada pelas prestadoras, não se justifica a contratação pela Agência de terceiros para atividades já previstas a serem realizadas pela Entidade que será custeada pelos regulados, tal entendimento poderia caracterizar até em prejuízo ao erário”, diz o voto de Aníbal.

“A duplicidade de fontes de dados pode gerar dúvidas sobre a legitimidade das informações, e eventuais divergências podem gerar conflitos desnecessários junto aos regulados, aos usuários e aos órgãos de controle, maculando a atuação regulatória desta Agência em um assunto tão relevante para a sociedade brasileira”, acrescentou.

A proposta de Aníbal Diniz recebeu pedido de vista do conselheiro Emmanoel Campelo. Ele trouxe uma nova proposta, aprovada pelo Conselho Diretor no dia 12 de dezembro, incluindo a possibilidade de que tanto a Anatel quanto as teles pudessem contratar o serviço. Nesse mesmo dia, o presidente da Anatel apresentou proposta sugerindo a contratação do serviço pela agência. O prazo seria de 24 meses, prorrogáveis por até 60 meses.

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Aplicativo

Desde 2011, por determinação da própria Anatel, as teles já oferecem uma alternativa para medição da qualidade do serviço da internet. Para isso, basta entrar no site www.brasilbandalarga.com.br ou baixar, gratuitamente, o aplicativo Brasil Banda Larga, oferecido pela Entidade Aferidora da Qualidade de Banda Larga (EAQ).

O software da EAQ permite aos usuários dos serviços de banda larga fixa verificar dados como latência, velocidade instantânea e média e latência, por exemplo. Quem acessa por smartphones pode aferir a taxa de transmissão instantânea e a média das medições de velocidade instantâneas durante o mês. Os dados também são enviados e acompanhados pela Anatel.

Outro lado

Procurada, a Anatel informou que o processo de contratação ainda não foi decidido e passará pelo Conselho Diretor e por análise jurídica da Procuradoria Federal Especializada. Segundo a agência, foi feita uma pesquisa com fornecedores especializados em medição de qualidade para analisar serviços disponíveis e preço.

“O processo licitatório deverá ser o pregão, com ampla concorrência, e os termos do edital devem ser publicados com antecedência, sujeitos à toda análise de seus termos, logo, não há que se falar em direcionamento”, disse a agência.

Para o órgão regulador, a nova solução busca “empoderar consumidores” e “promover a competição”, além de garantir aos clientes das operadoras acesso a mais informações. “Importante destacar que o fato de a informação de qualidade advir das operadoras de telecomunicações e o sistema ser por elas custeado recebe crítica do Tribunal de Contas da União, inclusive questionando eventuais fragilidades do atual modelo”, informou a Anatel. 

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 Sócio e administrador da P3 no Brasil, Erick Monfrinatti Cogliandro confirmou ao Estadão/Broadcast que sua equipe esteve na Anatelpara apresentar a empresa à agência. Ele disse que a P3 mudou de nome, há cerca de um mês, passando a se chamar Umlaut. Sobre o possível favorecimento na escolha da empresa, o executivo negou qualquer irregularidade.

Representante das teles, o Sinditelebrasil informou que as empresas vão aguardar a decisão da Anatel para se manifestarem. “Reiteramos a necessidade de evolução constante no modelo, com ganhos de produtividade e eficiência”, diz a nota.

Administradora do aplicativo atual, a Associação Brasileira de Recursos em Telecomunicações (ABR Telecom) não se pronunciou até a publicação da reportagem. 

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